Narrativa e Imaginário no ardil da bomba semiótica de Fachin contra Lula – Por Wilson Ferreira

Criada a narrativa à tarde, entra o Jornal Nacional para conectá-la ao imaginário: 25 minutos do telejornal para dizer que a decisão de Fachin não inocenta Lula

Foto: Edição de imagens
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“Mandela libertado!” Muitos reagiram dessa maneira diante da decisão do ministro Fachin de anular os três processos contra Lula, produzindo como efeito prático o retorno da elegibilidade do líder petista. Antes dos espíritos mais ingênuos comemorarem, é necessário entender a decisão do ministro no xadrez da guerra híbrida: foi uma decisão calculada como uma bomba semiótica – deu a deixa para a grande mídia construir a NARRATIVA e o IMAGINÁRIO, para as quais toda bomba semiótica faz a ligação. Narrativa: jogar os pobres apresentadores e analistas na fogueira, ao vivo, nos canais fechados durante a tarde para construir, na base do acerto e erro, a narrativa para os líderes de opinião. E à noite, na TV aberta, irradiar para o povão o imaginário: a notícia costura com muitas imagens de arquivo com Lula colérico e trajando vermelho. 

As placas tectônicas se movem... O chão vai tremer! Assim que esse humilde blogueiro soube da decisão do ministro Fachin de anular os três processos contra Lula ao declarar a 13a Vara Federal de Curitiba e torná-lo elegível, de imediato sintonizei a TV no grande sócio da Lava Jato e claque das operações psicológicas dos militares (guerra híbrida): o canal Globo News.

Claro, Fachin detonou uma bomba semiótica e o modus operandi da operação foi imediatamente disparado: jornalistas e apresentadores do canal noticioso são jogados ao vivo na fogueira, com a missão de construir uma narrativa em tempo real. Para mais tarde, na TV aberta, o Jornal Nacional irradiar o imaginário para o povão.

Afinal, essa é a função de toda bomba semiótica: criar uma conexão física (como acontecimento noticioso) entre a narrativa e o imaginário. A narrativa destinada aos líderes de opinião de um canal fechado, e o imaginário, para as massas que assistem à TV aberta.

O que acompanhamos na tarde de ontem da Globo News somente pode ser comparado à explosão das delações-bomba das gravações que os donos do frigorífico JBS entregaram à Polícia Federal mostrando como o então presidente desinterino Michel Temer deu aval à compra do silêncio de Eduardo Cunha e como o senador Aécio Neves pediu propina de R$ 2 milhões.

Apresentadores e repórteres gaguejando, engolindo seco, trocando nomes, fazendo trocadilhos involuntários. Gafes e mais gafes em profusão. Depois de diariamente martelar a narrativa da governabilidade do governo Temer e do “momento positivo da economia”, o ponto eletrônico na orelha de apresentadores e analistas ordenava jogar Temer ao mar e criar o clima da “inevitabilidade do impeachment” – clique aqui.

Ontem foi a mesma coisa. Tudo ia bem no programa “Estúdio I” com a apresentadora Maria Beltrão batendo na incompetência do governo em gerir a pandemia e as gafes da viagem da comitiva a Israel em busca da solução mágica do “spray nasal anticovid”. Até que o chão tremeu! Gaguejando, leu a íntegra da decisão de Fachin. Chama no telão Valdo Cruz e Flávia Oliveira... Ela rindo sem parar para algo que lia no celular (o que seria?). Passa a bola para o pobre Waldo, enquanto o link de Flávia desaparece para nunca mais voltar.

Tenso e gaguejando, Valdo Cruz, como sempre, tenta passar o pano dizendo que tudo era “processual” e não julgamento do “mérito” – tudo seria apenas mera filigrana jurídica. Rodeia, até aparecer um professor de Direito da FGV pego às pressas, para dizer que ainda tentava entender a decisão do magistrado... Volta para Waldo que, de repente, fica às escuras e a imagem congela – fico imaginando alguém desligando a chave geral da sua casa para tentar fugir da saia justa.

Lá como cá: como em 2017, colocar jornalistas ao vivo na fogueira para montar a narrativa

Fios soltos

Logo depois, a apresentadora Christiane Pelajo tentou engrenar a narrativa do “era previsível”. Não colou... Miriam Leitão entra em cena, igualmente tensa e tropeçando nas palavras. Não consegue dizer nada, a não ser tentar salvar a barra do amigo ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro... Formula uma pergunta em torno disso a um professor da FGV-RJ que até então estava no link. Mas ele tinha ido embora. De imediato, Leitão faz a mesma coisa.

Porém, a mais consternada era Natuza Nery, ao admitir os “erros processuais” que a Lava Jato cometeu ao longo do tempo: “Quando se combate inimigos tão poderosos, não se pode deixar fios soltos...”, lamentou.

Até que entrou a porta-voz dos “mercados” (financeiros, exclusivamente), Juliana Rosa, para dar a notícia que cimentou a nova narrativa: Dólar disparou! Bolsa caiu! Pronto! A narrativa passou a ser construída a partir desse ponto: até então tudo parecia indo bem, com a economia tentando se recuperar da pandemia, mas entra o fator Lula. A expressão “tempestade perfeita” passou, então, a ser repetida: Pandemia + Lula...

Tempestade perfeita que criaria a “polarização”... Que beneficia Bolsonaro... Que não sabe gerir a pandemia... Que assusta investidores com sua imprevisibilidade... Assim como Lula... O nome do “apresentador Luciano Huck” passou a ser citado diversas vezes, sempre de forma elíptica, quase subliminar. Por exemplo: “Perde o Centrão que até aqui não conseguiu definir um nome eleitoralmente competitivo... Doria? Ciro Gomes? O apresentador Luciano Huck?”.

Imaginário recorrente: Lula raivoso trajando vermelho

Jornal Nacional e o imaginário

Criada a narrativa à tarde, entra o Jornal Nacional para conectá-la ao imaginário: 25 minutos do telejornal para dizer que a decisão de Fachin não inocenta Lula e que os processos só saíram da Vara Federal de Curitiba não porque seria incompetente, mas “porque a extensão da corrupção é muito maior, indo além da Petrobrás, chegando a outros órgãos da administração pública”. Para tentar neutralizar o termo “incompetência” e salvar a barra de Moro.

Enquanto isso, a narração das notícias era recheada com muitas imagens de arquivo de Lula colérico, gesticulando muito, bravo e invariavelmente vestindo vermelho... Ou prostrado, conduzido por policiais à prisão. Nunca uma imagem neutra, mas sempre carregada de sentido retórico.

Assim desenvolve-se o imaginário (a volta da ameaça vermelha) que torna a narrativa (Pandemia + Lula = polarização) palatável para as massas. 

Para entender por que a decisão “monocrática” (essa expressão foi repetida desde o início pelos analistas para tentar minimizar o impacto) de Fachin é uma bomba semiótica, temos que compreender que a política e a economia se tornaram subsistemas tautistas (tautologia + autismo midiático), fechados operacionalmente, tornando-se cegos aos acontecimentos externos. Porém, filtrando-os de forma pragmática para manter o equilíbrio interno através de retroalimentação.

Para os mercados (financeiros), acontecimento e notícias externas ao seu sistema nada mais são do que oportunidades especulativas, reagindo de forma automática: não tem vacina? A bolsa cai. Aí vem Pazuello e diz que fechou contrato com a Pfizer Biontech... Bolsa sobe. Bolsonaro coloca um general na presidência da Petrobrás? Insegurança!... Bolsa cai e dólar dispara. No dia seguinte, o presidente sinaliza acelerar a privatização da Eletrobrás... Dólar cai, Bolsa dispara... Lula torna-se elegível?... E assim por diante. 

Analistas da mídia tentam criar uma hermenêutica para “ler” as mensagens do “mercado”, que é absolutamente non sense: os agentes financeiros buscam apenas álibis (uma delas, o “espantalho” Lula) para criar janelas de oportunidades. Assim como é a pandemia.

Com o subsistema político temos a mesma coisa: o fenômeno non sense do tautismo. 

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*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.