Novas plataformas de streaming: Festival Estação Virtual e Reserva Imovision – Por Filippo Pitanga

Com muitas pré-estreias e clássicos remasterizados, confira o lançamento do Festival Estação Virtual, primeira incursão do Cinema Estação Net totalmente no circuito online e da nova plataforma de streaming do Reserva Imovision

Imagem: Divulgação
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Na coluna da semana passada pudemos falar de como o cinema brasileiro da última década está mais forte do que nunca, e ajudando a influenciar muitas linguagens inovadoras aqui e no mundo, vide a vitória do gênero docuficção de “Nomadland” no último Oscar (uma especialidade bastante brasileira, leia mais clicando aqui). Além disso, a partida tão jovem do gênio da comédia Paulo Gustavo nos faz lembrar de como nossa sétima arte estava brilhando intensamente, com as maiores bilheterias da história desse país, como a trilogia “Minha Mãe é Uma Peça” e a série “Os Homens São de Marte... E é pra lá que eu vou!”.

Então, é mais do que merecida a respectiva homenagem em se continuar rumando nesta incursão pelas nossas produções que marcaram época, ampliando ainda mais o cardápio de opções do que as típicas listas da Netflix e afins. E não só no cinema brasileiro, como também compartilhando espaço com filmes internacionais que não costumam ser facilmente encontrados nas redes, e com qualidade das melhores distribuidoras do país, pois ambos os mercados acabam enfrentando um mesmo obstáculo em comum: a hegemonia dos blockbusters norte-americanos nas praças regionais.

Para corresponder com tal anseio, e indo além territorialmente apenas das capitais e grandes regiões metropolitanas, temos a estreia do Circuito Estação Net nos streamings com seu primeiro Festival inteiramente virtual (confira aqui), bem como a nova plataforma de outro circuito de salas famosas no Brasil, a Reserva Imovision (confira aqui), que agora também está online e com podcast novo (clique aqui).

A começar pelo Festival Estação Virtual, devemos lembrar que igualmente é a celebração de um marco importante, pois a famosa cadeia de cinemas que ajudou a formar a cinefilia de muita gente está fazendo 35 anos. E qual modo melhor de comemorar senão convidando muitos dos nomes envolvidos nesta trajetória para apresentar e debater filmes? Inclusive este que vos escreve, que fará parte de um grupo muito especial com debates, participações especiais e diálogos com as obras e seus respectivos realizadores (confira lista completa mais abaixo nesta matéria).

Reunindo o impressionante número de 180 filmes brasileiros produzidos nos últimos 35 anos, está em cartaz até 31 de maio o Festival Estação Virtual – 35 anos de Cinema Brasileiro – Panorama da Ficção Nacional / Panorama do Documentário Nacional, tanto de longas-metragens quanto de curtas, além de várias pré-estreias exclusivas e inéditas. O evento tem curadoria da diretora do Estação, Adriana Rattes, dos cineastas e produtores Cavi Borges e Bebeto Abrantes, do crítico Fabrício Duque, e dos programadores Luiz Eduardo Pereira de Souza, Liliam Hargreaves e Anna Fabry.

 “Nossa ideia é mais que reunir os filmes que causaram impacto no Estação ao longo de sua existência, é poder pensar e discutir hoje o que eles significam para o cinema brasileiro, qual a força que eles representaram e o que ainda podem dizer para as gerações futuras. Vamos exibir 180 filmes que em certo sentido formam a história do país e isso é ainda mais importante quando a gente pensa que o Festival é patrocinado pela lei Aldir Blanc, lei criada para proteger a cultura brasileira nos tempos da pandemia”, afirma Adriana Rattes, diretora executiva do Circuito Estação NET de Cinema.

O evento também celebra um importante simbolismo de resistência perante o cenário pandêmico atual, pois um de seus curadores, o produtor e diretor muito estimado pelo meio do cinema, Cavi Borges, acaba de se recuperar herculeamente da Covid-19, um processo compartilhado com milhões de brasileiros e que o próprio já retratou poeticamente no projeto “Me Cuidem-se”, dirigido com Bebeto Abrantes (leia mais aqui). O Festival é um tira-gosto da própria plataforma online que o Estação Net estará lançando em breve, como você pode conferir na live que aconteceu com a participação das sócias do Estação NET de Cinema: Adriana Rattes e Ilda Santiago (também diretora Executiva do Festival do Rio), do professor João Luiz Vieira, e do cineasta Cacá Diegues, mediados por Cavi Borges (confira aqui).

Vale menção especial igualmente para a retrospectiva especial de aniversário do cineasta Neville  D`Almeida, que completa 80 anos este mês, e a Cinemateca do MAM RJ irá exibir alguns dos principais trabalhos do diretor responsável pelas adaptações de Nelson Rodrigues de maior bilheteria na história do nosso cinema, como “A Dama do Lotação” (1978) e “Os Sete Gatinhos” (1980) – confira aqui).

Noutra vertente, mas não menos valorosa em meio aos lançamentos de plataforma em streaming, os cinemas da Reserva Imovision também se virtualizaram e lançaram, inclusive, um podcast para debater os lançamentos semanais, sempre às sextas-feiras, com muitos convidados especiais mediados por este que vos escreve, Filippo Pitanga, e Mariane Morisawa.

É uma chance de experimentar uma curadoria diversificada a cada semana de diretores e diretoras do mundo inteiro, dos mais renomados e premiados a descobertas exclusivas da famosa distribuidora fundada no Brasil em 1987 pelo empresário francês Jean Thomas Bernardini. Até 2019, eles distribuíram cerca de 500 filmes no Brasil, muitos deles premiados em festivais de cinema, como Cannes, Berlim e Veneza. 

Em abril de 2021, foi lançada a Reserva Imovision, seu próprio serviço de streaming com filmes Cult que vão do blockbuster ao baixo orçamento, dos principais produtores do mundo, como França, Inglaterra e Japão a filmografias preciosas ou menos conhecidas. Segundo Bernardini, esse serviço de streaming foi lançado "como uma extensão do cinema, não um concorrente".

Logo nas duas primeiras semanas foram lançadas obras-primas contemporâneas como “Amor” do austríaco Michael Haneke (2012), “45 Anos” do britânico Andrew Haigh (2015) e “Leviatã” do russo Andrey Zvyagintsev (2014), num primeiro bloco, bem como homenageou uma gama de diretoras renomadas num segundo bloco – como com o clássico “India Song” da francesa Marguerite Duras (1975), “Esplendor” da japonesa Naomi Kawase (2017) e a revelação da década passada “Eu Não Sou Uma Bruxa” de Rungano Nyoni (2017), natural da Zâmbia. Para debater os filmes, o próprio Jean-Thomas Bernardini debateu comigo e Mariane Morisawa, dando várias outras dicas como os sucessos de público e crítica “Festa de Família” de 1998 (cujo diretor dinamarquês, Thomas Vinterberg, acaba de ganhar o Oscar 2021 de filme internacional com “Druk – Mais Uma Rodada”) e “Monsieur & Madame Adelman” do francês Nicolas Bedos (2017), além dos cults do mestre chinês Jia Zhangke, “Em Busca da Vida” (2006) e “As Montanhas se Separam” (2015).

É muito interessante notar, por exemplo, como os blocos temáticos de filmes estimulam a identificação de espectadores com as opções em cartaz, bem como ampliam a interpretação dos próprios filmes. Enquanto os longas-metragens do primeiro bloco, mesmo de diretores radicalmente diferentes, narravam suas tramas a partir de um sujeito oculto, seja fisicamente ou pela desagregação da memória, o segundo bloco falava sobre emancipação da identidade feminina na estrutura patriarcal da sociedade e de linguagens ensaísticas. Vide o dispositivo usado por cada uma das diretoras supracitadas, cujos filmes abordam desde a performance aos deslocamentos culturais e geográficos que elas próprias passaram em suas vidas (Rungano, por exemplo, nasceu na Zâmbia e hoje mora na Inglaterra, bem como a célebre Marguerite Duras nasceu no Vietnã, morou no Laos, Camboja e Indochina).

Sem falar na extrema qualidade artística destes filmes, como o trabalho de cores que preenchem as telas e que narram a história de forma semiótica tão do que quaisquer palavras. Vide “India Song” de Duras, que começa com tons vermelhos, passa para o branco e termina com o preto, em luto, numa mise-en-scène muito perspicaz que conta a história da esposa do embaixador francês na Índia sem diálogos, apenas com narração em off, sobrepondo a cacofonia de vozes e pontos de vista das pessoas que narram a história daquela personagem (Delphine Seyrig, sempre brilhante) ao fastio e aprisionamento de rituais, que jamais se libertam do confinamento na embaixada. Interessante visão crítica e invertida de uma espécie de prisão colonizante descolada da realidade, um lugar elitista e indiferente ao povo que o cerca.

E é ainda mais fascinante que logo uma escritora tão famosa quanto Marguerite Duras, que nos faz pensar bastante em texto, palavra e narrativa literária, é igualmente uma cineasta que pensa proporcionalmente também no dispositivo, que inventa caminhos através dos quais se contar uma história. Vale muito à pena assistir a como ela sempre reinventa o texto como diretora, como quando readaptou o próprio livro “Les Enfants”, o qual já havia sido adaptado pelo casal Straub-Huillet, e reinventa a linguagem com uma ferramenta tão simples: inverter a escalação de atores, fazendo com que adultos interpretem crianças e vice versa. Tudo graças ao olhar lúdico dela na condução dos filmes que é capaz de (re)escrever qualquer coisa com a câmera, tipo uma caméra-stylo (câmera-caneta, expressão francesa cunhada por Alexandre Astruc).  

E continue a seguir o podcast da Reserva Imovision para conferir ainda mais lançamentos nas semanas seguintes, como, por exemplo, a filmografia do mestre alemão Christian Petzold, como “Segurança Interna” (2000), “Yella” (2007), “Jericó” (2008), “Barbara” (2012) e “Fênix” (2014), a maioria protagonizada pela diva multilaureada Nina Hoss, e por isso mesmo foi convidado um insuspeito admirador de Petzold, o grande ator brasileiro José Dumont (de obras-primas como “A Hora da Estrela” de Suzana Amaral, 1985, e “Abril Despedaçado” de Walter Salles, 2001) para debater sobre direção de atores, preparação de elenco e as diferenças psicanalíticas na interpretação no Brasil e na  Alemanha, desde a introspecção ao silêncio usados de formas diferenciadas. (confira seguindo a página no spotify aqui). E nas semanas seguinte ainda chegarão alguns dos maiores ganhadores da Palma de Ouro em Cannes, do Urso de Ouro em Berlim e do Leão de Ouro em Veneza. Sem falar em vários filmes inéditos e pré-estreias exclusivas. Preparem-se!

E confiram logo abaixo a programação do Festival Estação Virtual organizada nas seções Panorama da Ficção Nacional, Panorama do Documentário Nacional, Pré-estreias e Curtas (abaixo, os títulos disponibilizados na primeira semana de programação).

LISTA DE FILMES DA PRIMEIRA SEMANA (6 a 12/05): 20 longas ficção + 20 longas doc + 10 pré-estreias + 40 curtas

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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