O antipetismo envelheceu (mas continua hype), por Julian Rodrigues

Desqualificar o maior Partido de esquerda do país não é exclusividade da direita: é esporte praticado também por certos setores progressistas que querem soar modernos e limpinhos

Lula (Ricardo Stuckert)
Escrito en OPINIÃO el

Certos intelectuais de esquerda vivem hoje um paradoxo: pretendem soar militantes, mas fazer análises críticas e pretensamente objetivas sobre o maior Partido de esquerda do país, em plena campanha eleitoral. Do alto de suas torres de marfim, não apresentam alternativas e não fazem mediações.  Praticam tiro ao alvo contra o PT: música aos ouvidos das elianes cantanhedes e mervais da vida.

Esse é  o caso do artigo de Rudá Ricci,  presidente do Instituto Cultiva (ONG mineira)  que atua “no aprimoramento da gestão pública e  apresenta uma fórmula relativamente simples para se construir um bom governo municipal, com dois componentes básicos: primeiro, ouvir – e negociar com – os cidadãos, atender suas demandas e, em segundo lugar, qualificar os servidores públicos; também sugere  a ong de Ricci (especializada em EAD e cursos de gestão pública)   que “o prefeito pode criar é a Escola da Cidadania. Em que se forma professores e organiza cursos regulares para conselheiros e lideranças de bairro.”

Rudá, sociólogo, ex-militante orgânico (e orgulhoso, a levar em conta sua biografia na Wikipedia) do PT, escreve platitudes como se estivesse nos apresentando a descoberta da pólvora. Quem o lê, não é informado que há quase três décadas estudiosos, tendências internas, dirigentes   apontam e criticam as mudanças estratégicas, táticas e organizativas que têm ocorrido no Partido. 

Certamente Ricci não desconhece o rico debate que é travado no interior do PT, a cada Congresso, a cada processo de eleição interna.  Se for um estudioso sério do PT ou um militante partidário, o autor não ignora a disputa interna complexa, permanente - nem toda a rica elaboração que as correntes da chamada esquerda petista constroem desde sempre. Aliás, mesmo entre a maioria da direção moderada, há contradições e matizes, bem mais ricos que a caricatura desenhada por Rudá.

Sinto muito, mas não dá para levar a sério um artigo que traz afirmações do tipo: “a base passou a ser menos exigente e mais idólatra. De sujeito da construção do PT, passou a ser objeto das manipulações marqueteiras”. 

 Pergunto: isso é fruto de uma pesquisa etnográfica ou sociológica? É observação empírica do autor? Faz parte de reflexões de alguém que é militante de esquerda, atua nos territórios e conhece as pessoas organizadas nas bases do PT? Ou é puro chute de presidente de um presidente de ONG especializada em dar curso de gestão pública?

Reparem: é fato que o PT vive dilemas, tem déficit de elaboração programática, sofre por não ter formado novos quadros, têm direções aquém do desafio de liderar a oposição ao neofascismo bolsonarista. Mas, isso tudo é sabido. E são temas debatidos intensamente no interior do Partido.

Falta dialética, falta mediação, falta conhecimento de causa no artigo de Ricci. O autor, aliás, é apoiador do PSOL em São Paulo e faz campanha para que o PT retire a candidatura de Jilmar. Nada é gratuito nessa terra redonda, né?

O que mais chama a atenção é que Ruddá meio que esquece geral da luta de classes.  Ignora solenemente as operações das classes dominantes, do imperialismo contra os governos Lula/Dilma e contra o PT. Vejam essa pérola, quando ele fala do atual núcleo de direção e ressalta a “diferença com o perfil de dirigentes históricos como José Dirceu ou Genoíno” 

Ora, desconstituir o núcleo dirigente histórico do PT foi um movimento fundamental do pré-golpe. Ou não? Dirceu e Genoino renunciaram da direção do PT ou foram presos em armações do aparato estatal pró-imperialista? Ricci desqualifica a reação dos petistas que atribuiriam todos os problemas como “resultado de uma campanha de destruição da imagem do partido”. Ora bolas.  Tal campanha não existe? Não teve golpe em 2016? Lula não foi preso e interditado?  Quem está sob ataque não deve se defender??

E vai piorando. De simplificador, o autor passa a mistificador barato.  “Como um camaleão, de partido rebelde se tornou um partido da Ordem.”  Que Partido da “ordem” é esse, estigmatizado e perseguido?? O ongueiro já avisou à burguesia, ao Trump, aos milicos e à Globo que o PT é um partido da ordem? Que estão eles todos errados ao deletar Lula da vida nacional? Que é melhor poro Lula de novo e tirar Bolsonaro?

Claro que esse tipo de artigo raso, que malha o PT faz sucesso. Entre gente boa e bem intencionada, mas entre também esquerdoides e ressentidos. Gera cliques.  Pero, ao contrário do que Ruddá   parece pensar, a derrocada do PT não favorecerá   ninguém,  a não ser a direita. Construir um outro Partido de esquerda de massas não é algo trivial, dado da realidade. Não há nenhuma garantia de que outra força de esquerda ocupará o lugar do PT, caso ele realmente perca relevância.

Vamos debater os limites do PT seriamente. De preferência fora do período eleitoral.

Aliás, o artigo do sociólogo ignora também a força do lulismo. Sua conclusão (depois de chamar o PT de um “partido de cartel”), “concede” que o PT é um partido nacional que tem entre 20 e 30% dos votos. Mas, tadim de nós, nosso partido não “gera paixões” !! Really, brô?  É o que de melhor você tem para apresentar como síntese?

Termino reproduzindo um trecho da tese que apoiei (da Resistência Socialista), no último Congresso do PT:

“O momento exige a recolocação do PT como um partido radical para ser capaz de derrotar o projeto neofascista, retomando o trabalho de base se adaptando às características da sociedade atual e às mudanças ocorridas no mundo do trabalho. 29. Para nos tornamos um Partido capaz de resistir e organizar a oposição ao bolsonarismo deveremos ser de massa, mas de massa militante. Girar nossa atuação para voltar a ter organização nas bases (nos territórios, mas também na juventude, no ativismo feminista, anti-racista, nas universidades). Precisamos retomar com prioridade a formação política intensiva, visando constituir quadros militantes. Resgatar o papel dos núcleos, com algum poder deliberativo, fortalecendo nossa organização territorial. Estamos desafiados a construir direções coletivas, constituídas de forma plural e diversa, na prática – composta com quadros dedicados, preparados e dinâmicos. A renovação geracional e a reconexão com a juventude é condição urgente sem a qual pereceremos A participação de negros e negras, dos indígenas, das mulheres.”

Da próxima vez que for debater o PT, Rudá Ricci podia estudar um pouquinho mais - e também explicitar seus “lugares de fala”.

*Julian Rodrigues, professor e jornalista, mestre em ciências humanas e sociais, ativista LGBTI e de DH, é militante do PT-SP