O dia em que conheci Flordelis

"A Flordelis que vi no lançamento do livro já era um produto, estético e midiático! Pompa e circunstância! Eu não estava diante de uma pessoa. Eu estava diante de um pacote a ser vendido"

A deputada federal Flordelis (Reprodução/Câmara dos Deputados)
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Não lembro muito bem a data, mas era ainda o primeiro semestre de 2011 quando fui convidado por uma amiga, que tinha trabalhado como ghostwriter de uma “autobiografia” de uma moça, pobre, do Jacarezinho, que adotou mais de 50 crianças. Sim, estou falando de Flordelis, que hoje ocupa 10 de cada 10 memes da internet e os mais variados ataques, principalmente os que acusam os evangélicos de hipocrisia, por conta da sua mais nova personagem.

Quando Flordelis chegou, não a reconheci. Eu, claro, já havia pesquisado (logo assim que recebi o convite) quem era a protagonista da noite e porque eu deveria estar ali. Era uma história de rara beleza e dedicação e em alguns vídeos cheguei a chorar com aquela moça, de cabelos pretos e cacheados que vi nas redes que dedicou sua vida a cuidar de crianças abandonadas.

Ledo engano! A Flordelis que vi no lançamento do livro já era um produto, estético e midiático! Pompa e circunstância! E mais, era apadrinhada por ninguém menos que Arolde Oliveira (hoje Senador pelo Rio de Janeiro), dono de uma das maiores empresas do “gospel” brasileiro: a MK. Eu não estava diante de uma pessoa. Eu estava diante de um pacote a ser vendido: pastora, pregadora, cantora e, agora, escritora! E ela cumpria bem esse papel.

Portanto, nada me choca nessa história que agora (?) vem à tona. Não me choca porque não tenho dúvidas de que, caso mergulhem nisso, descubram que não passa da ponta de um enorme iceberg, que esconde atrocidades muito maiores de um mundo apodrecido e perverso: o universo evangélico brasileiro das “celebridades”. Não hesito em afirmar que faz “Game of Thrones” parecer “Sessão da Tarde”.

Para Flordelis caberia bem as palavras de São Paulo aos Gálatas: “Em Cristo, nem nossa religião mais criteriosa nem a indiferença quanto a obrigações religiosas significam alguma coisa. O que importa é algo mais íntimo: a fé expressa em amor. Vocês estavam correndo muito bem! Quem os convenceu a se desviar do caminho da obediência? Por certo não foi aquele que os convocou para a corrida. Por favor, não pensem que isso é insignificante.”

Flordelis é, portanto, vítima e vilã. Não! Não estou “passando pano”. Ela é adulta e escolheu esse caminho, mesmo tendo um início que eu considero sincero, pelo pouco que vi. No entanto, aceitou as facilidades de um mundo perverso, onde o dinheiro, o poder e a aparência são o que verdadeiramente importam. A “Sociedade do Espetáculo” de Guy Debord encontra talvez sua face mais abjeta no espetáculo religioso. Porque ali a aparência é “divina”: onde é melhor matar (e talvez não ser descoberta) que separar.

Há muitas pontas mal contadas na história. Uma delas? Porque mulher e filhos queriam tanto matar o pai/marido? Dinheiro? Abuso? Violência? São tantas coisas que ocorrem aos montes e são silenciados em nome de Deus. Eu passaria horas desfilando os inumeráveis casos de adultérios que tenho conhecimento entre “homens de Deus” no Brasil. E isso não justificaria o assassinato, só para deixar bem claro.

É uma história de horror. De hipocrisia. De uso da religião para acobertar atrocidades e perversidades das mais diversas categorias. Repito: Flordelis é apenas a ponta de um enorme iceberg de violências, falcatruas, assassinatos, fraudes, extorsões, orgias, tráfico e muita, muita hipocrisia. Daquelas que só o “povo de deus” sabe fazer bem. E como faz.

Ah! E um recado à minha querida esquerda brasileira: Não é momento de tripudiar da fé evangélica. Não tire os evangélicos em sua totalidade pelos líderes que são mesquinhos, fundamentalistas e bandidos. A maioria do povo está neste momento abalada, assustada e escandalizada com essas tantas coisas. Muito cuidado para, ao chutarem o balde, não perderem os pés… e as eleições. Mais uma vez.

Vamos pedir piedade! Senhor, piedade!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum

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