O jogo político brasileiro através da teoria do jogo de Jesper Juul – Por Raphael Fagundes

Enfim, quem são os jogadores? Como na teoria de Jull, os jogadores não se encontram no jogo, mas fora dele. Não são os políticos, mas o Judiciário e a mídia. São estes que movem as peças do tabuleiro

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O psicólogo Jesper Jull, professor visitante da New York University Game Center, desenvolveu uma das últimas teorias sobre jogos na esteira de um debate que vem desde Johan Huizinga. Ao desenvolver os seis pontos que caracterizam um jogo, Jull afirma que “eleições não são jogos, pois as consequências do resultado são definidas e não sujeitas a negociação, mas as regras que gerem a execução da eleição são potencialmente utilizáveis para propósitos de jogo".[1]

Ou seja, até chegar às eleições, peças são distribuídas num tabuleiro no qual estratégias são adotadas para que, na iminência do pleito, o candidato tenha grande probabilidade de vencê-lo.

Mas quem são os jogadores? Engana-se quem acha que os jogadores são os políticos. De acordo com Jull, “as regras de um jogo fornecem uma máquina de estado”. E o que seria isso? O psicólogo lança mão de termos da ciência da computação para explicar. Trata-se de uma estrutura “que tem um estado inicial, aceita uma quantidade específica de eventos de entrada, muda seu estado em resposta a essas entradas usando uma função de transição de estado (isto é, regras) e produz saídas específicas usando uma função de saída”.

Esta passagem fica mais clara quando Jull destaca que “quando você joga, está interagindo com a máquina de estado, que é o jogo... Se você não pode influenciar o estado de jogo de nenhuma maneira... Você não está jogando um jogo".[2]

É lógico que são os jogadores que influenciam o estado de jogo, fazendo com que ele saia de um estado inicial chegando ao seu objetivo mediante o uso de regras. Mas os jogadores não são parte do jogo. “Estes são considerados externos ao estado do jogo”.[3]

A partir desta perspectiva, observamos que a teoria do jogo desenvolvida por Jull é de extrema utilidade para se compreender a política brasileira.

Um dia após a pesquisa do Ipec, que colocou Lula como um possível candidato que pode vencer Jair Bolsonaro nas urnas, o STF se mobilizou para tornar o petista elegível. Seria mera coincidência ou parte do jogo político?

Miriam Leitão em seu comentário no jornal da CBN disse que a preocupação com Lula dependerá de como ele se comportará e que se trata de um problema de médio prazo. O problema atual para o mercado financeiro é Jair Bolsonaro.

Ou seja, se antes até Bolsonaro servia para tirar o PT do poder, hoje até Lula serve para tirar Bolsonaro do poder. O tabuleiro se inverteu. Mas, é evidente, que a preferência seria dar voz para alguém do “centrão” que tenha a capacidade de se intitular antipetista e antibolsonarista e ganhar, assim, espaço em 2022.

Duas peças são jogadas no tabuleiro (Lula e Bolsonaro), para o aparecimento de uma terceira, que pode ser João Doria, Luciano Huck ou Eduardo Leite.

É um cenário muito diferente de 2018, já que Bolsonaro não vem satisfazendo os interesses dos jogadores.

Enfim, quem são os jogadores? Como na teoria de Jull, os jogadores não se encontram no jogo, mas fora dele. Não são os políticos, mas o Judiciário e a mídia. São estes que movem as peças do tabuleiro.

Fachin moveu uma peça ao tornar Lula elegível. Gilmar Mendes moveu outra ao votar pela suspeição de Moro. A mídia vem movendo peças exaltando Doria e desprezando Bolsonaro. Este último, por mais que adote medidas liberais, como o pacote de privatização da Eletrobrás e dos Correios apresentadas na Câmara dos Deputados. Mas a imprensa vai dizer que não foi ele quem o fez, que ele está fingindo, ou agradando seu superministro Paulo Guedes.

As regras do jogo não são determinadas pelo Judiciário, por mais que seja este que possui a palavra final. É o mercado financeiro que dita as regras do jogo. Ele não é o jogador, ele é a regra que faz a máquina de estado (que aqui fazemos uma analogia ao próprio Estado brasileiro) sair do estado inicial e chegar à função de saída). Embora o jogo seja a máquina do Estado brasileiro, as regras não são a Constituição, mas o neoliberalismo. Pode-se jogar fora das regras da Constituição, mas jamais fora das regras fornecidas pela teoria do Estado mínimo.

O Judiciário prendeu Lula ilegalmente quando o mercado financeiro se mobilizou para bancar uma política de desmonte do Estado. O mesmo agora age liberando Lula, já que o mercado financeiro observa que o petista é uma peça indispensável para confrontar Bolsonaro e útil para criar uma terceira opção, num cenário bipolar intencionalmente criado com o intuito de forjar uma solução mais sensata.

A situação de 2018 será resgatada com frequência no discurso para fazer o eleitor não querer que aquele caos não se repita, levando os cidadãos esperançosos a votarem em uma alternativa “moderada”.

Enfim, tudo é parte do jogo político brasileiro. O Judiciário não quer fazer justiça. A mídia, no momento, por sua vez, está mais preocupada com Bolsonaro que com Lula, mas só estará do lado deste quando o petista definitivamente colocar-se ao lado do projeto econômico do mercado financeiro. Por enquanto, sua função no jogo será apenas a de provocar a carnificina da política da bipolaridade.

A esquerda precisa se pôr contrária às regras do jogo. Burlá-las, violá-las, para em seguida apresentar as suas próprias regras visando um projeto socialista de sociedade.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.


[1] JUUL, Jasper. Half-life: videogames entre regras reais e mundos ficcionais. Trad: Alan Richard da Luz. São Paulo: Blucher, 2019, p. 49.

[2] Id., p. 65.

[3] Id., p. 69.