O Pernambuquinho e Bolsonaro – Por Chico Alencar

Em tempo: em 1966, apesar da tentativa de Almir Pernambuquinho de melar o jogo, o Bangu, "o esquadrão proletário" – legítimo vencedor naquela final – foi proclamado campeão carioca. É bom que Bolsonaro saiba disso

Foto: Almir Pernambuqinho sendo contido na final do Campeonato Carioca de 1966 / Museu Esportivo (Reprodução)
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Almir Pernambuquinho foi um jogador com passagens marcantes por times do Brasil e do exterior. Tinha muitas qualidades e chegou inclusive à seleção brasileira. Alguns, exagerando, o apelidaram de "Pelé Branco". 

Mas a carreira de Almir foi prejudicada pela personalidade difícil. Em campo era inteiramente descompensado e protagonizou inúmeras brigas com adversários. Foi, talvez, um dos primeiros bad boys do mundo do futebol. Acabou assassinado numa briga de bar em Copacabana, na Zona Sul do Rio, em 1973, quando já tinha encerrado a carreira.

Um dos episódios que o marcaram aconteceu na decisão do campeonato carioca de 1966. No início do segundo tempo, o Flamengo de Almir já perdia de 3 a 0 para o Bangu, que tinha um timaço, montado no ano anterior pelo inovador Elba de Pádua Lima, o Tim.

Revoltado, o Pernambuquinho prometeu que o Bangu não daria a volta olímpica como campeão naquele dia. Lá pelas tantas, saiu distribuindo bordoadas e interrompeu a partida a socos e pontapés. Não houve mais condições para que o jogo prosseguisse.

Pois o presidente Jair Bolsonaro ameaça repetir o que Almir tentou fazer há 55 anos: melar o jogo para impedir a vitória do adversário.

Enfrentando uma lenta, mas real, erosão de sua popularidade, cercado de gente acusada de corrupção e tendo pela frente uma CPI que vai deixar ainda mais a nu a sua responsabilidade por uma pandemia cujo número de vítimas pode chegar a meio milhão nos próximos meses, Bolsonaro ameaça fazer como Almir. Volta e acena com uma virada de mesa para tentar impedir a derrota.

Para tal, trata de desacreditar os processos eleitorais e lançar dúvidas sobre as urnas eletrônicas - mesmo sem qualquer base real para isso.

Uma coisa é defender que a urna eletrônica, além de registrar o voto do eleitor, também o imprima e guarde para que, em caso de necessidade, possa haver algum tipo de conferência posterior. Não deixa de ser uma garantia a mais, desde que não seja permitido que o eleitor leve consigo o voto impresso, o que comprometeria o necessário sigilo.

Outra, muito diferente, é o que faz Bolsonaro: lançar levianamente dúvidas sobre o sistema eletrônico sem nada concreto que as sustente.

Há mais de um ano ele já afirmou ter provas de que, em 2018, quando foi eleito presidente, teria sido roubado. Não fosse assim – garantiu - teria vencido já no 1° turno.

Na ocasião, vendo nessas palavras um comportamento irresponsável que representava grave ataque à democracia e ao sistema eleitoral em vigor, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedindo que o Judiciário intimasse Bolsonaro a mostrar as provas que ele afirmava ter. Para a entidade de jornalistas, não era possível conviver com aquele tipo de acusação. A corte, porém, preferiu botar panos quentes no assunto.

Agora, Bolsonaro - seguindo os passos de seu guru Donald Trump, este já devidamente defenestrado do poder e a caminho do ostracismo – retomou a cantilena contra o voto eletrônico. Agregou à primeira denúncia uma outra: a de que o tucano Aécio Neves teria vencido Dilma Roussef em 2014, numa eleição fraudada a favor da candidata petista.

Deu-se mal: o próprio PSDB veio a público afirmar que reconhecia o resultado proclamado pela Justiça Eleitoral.

No seu desespero, o presidente está indo ainda mais longe. Afirma que ou o voto será impresso - fonte de intimidações e fraudes no processo de apuração - ou não haverá eleição em 2022. Como se coubesse a ele decidir essa questão...

Assim, Bolsonaro põe em prática o “método Almir Pernambuquinho”: melar o jogo tentando evitar a consumação da derrota.

Ora, está comprovada a segurança da votação eletrônica. Em dezenas de eleições em que foi usada, não houve um só problema. E o processo foi auditado inúmeras vezes, com a supervisão dos partidos.

Diante do comportamento golpista de Bolsonaro, porém, é preciso que os democratas estejam alertas.

O que o presidente quer é, prevendo as dificuldades que terá em 2022, desde já lançar suspeição sobre o processo eleitoral. E preparar o terreno para que seus parceiros milicianos tumultuem a eleição.

Tem em mente a possibilidade de repetir com sucesso a presepada tentada por Trump ao estimular suas milícias armadas à ocupação do Capitólio, quando a derrota ficou patente nas eleições norte-americanas.

Isso é muito grave.

Os setores democráticos têm que estar atentos desde já a esses movimentos.

Se for o caso, que um conjunto de entidades da sociedade civil recorra de novo à Justiça Eleitoral para que ela determine ao presidente a exibição das provas do que diz. Ou, então, que se cale.

Se este ataque às instituições não for enfrentado o quanto antes, ele pode criar problemas mais adiante. Ainda mais porque Bolsonaro conta com o apoio de milícias armadas.

Em tempo: em 1966, apesar da tentativa de Almir Pernambuquinho de melar o jogo, o Bangu, "o esquadrão proletário" – legítimo vencedor naquela final –, foi proclamado campeão carioca. É bom que Bolsonaro saiba disso

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.