O Surto Necessário – Por pastor Zé Barbosa Jr

Surto, sim, pois não aguento mais pensar no que será do país com mais dois anos de Bolsonaro. O que restará de nós? Quem seremos? Haverá Brasil?

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“Eu não acredito em um cristão que, vendo a situação do nosso país, não surte.” Ouvi essas palavras em 2006, numa das aulas do curso de Teologia do Seminário Batista do Sul do Brasil. Foram ditas pelo meu querido hoje amigo, então professor, José Avenas, flamenguista como eu e salgueirense de coração. Essas palavras nunca mais saíram de mim. Assim como o surto.

Sim, sou um pastor que surta, que briga, que se expõe. Se você quiser uns mais calmos, mais “paz e amor”, posso te indicar um monte. Eu certamente não sou um deles. O sangue me sobe à cabeça quando vejo uma injustiça, ou quando sinto que estamos dando mais voltas em torno do próprio eixo que a Terra nesses bilhões de anos.

Surto quando vejo que o Brasil está sendo surrupiado, vendido, massacrado, esnobado, vilipendiado e nosso maior problema nos grupos de discussão é quanto ao Big Brother Brasil e se devemos ou não cancelar a “Patombá”.

Surto quando vejo que transformamos o padre Júlio Lancellotti numa espécie de herói que faz o que deveríamos fazer, mas não temos coragem. Ao invés de inspiração, torna-se catarse. Vou lá, faço meu post de apoio, e ele que se ferre sozinho nas ruas de São Paulo enfrentando tudo e todos. Meia hora depois daquela foto dele com a marreta nas mãos, era pra ter um exército de gente lá com ele tirando aquelas pedras. Na marra. Mas “tem a Covid”. Boa desculpa pra eu colocar sobre alguém o heroísmo e a responsabilidade do que eu não faço.

Surto vendo pastores e padres, evangélicos e católicos, defendendo o indefensável, inventando mentiras para apoiar Bolsonaro e tornando cada vez mais a fé cristã motivo de piada (de forma justa!) por conta de suas loucuras hermenêuticas para defender o mal e o homem mau que escolheram como presidente.

Surto quando vejo o governo debochando da imprensa e a mesma imprensa, vendida, não expor o que sabe. Todos sabem que Bolsonaro é miliciano, está até o pescoço envolvido com as mais perversas corrupções no país, mas ainda atende ao deus mercado, que banca as TVs, que por sua vez, são concessões públicas.

Surto quando vejo parte da esquerda fingir que não entende que não se pode falar em democracia no Brasil sem que os direitos políticos de Lula sejam devolvidos a ele e sem que seja reconhecido que Dilma saiu por golpe. É mais do que notória a farsa que foi a Lava Jato e o plano maligno de tirar Lula de uma disputa em que ganharia e não estaríamos vivendo o inferno que estamos hoje.

Surto, sim, pois não aguento mais imaginar o que será do país com mais dois anos de Bolsonaro. O que restará de nós? Quem seremos? Haverá Brasil? Como disse, se quiserem saber de líderes religiosos que não surtam, passo a lista. Quanto a mim, sigo tomando emprestadas as palavras de José Saramago, que saem da boca de Clara, em “A Segunda Vida de Francisco de Assis”:

“Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu fizeram-no de carne e sangra todo dia.”