Ou o presidente finge ignorância ou não faz ideia do que é cidadania

“A despolitização tem como objetivo burlar a verdade e produzir uma base popular de apoio desinteressada em política e que, por sua vez, aceite tudo que o mestre disser”, diz Raphael Silva Fagundes, em novo artigo

Foto: Agência Brasil
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Um jornalista disse uma vez: “A manipulação dos espíritos das crianças nos domínios da religião e da política provocaria nos pais uma tempestade de protestos... Mas, no mundo do comércio, as crianças são uma presa ideal e legítima” (1). Isso é extremamente curioso, principalmente em termos educacionais. O presidente Jair Bolsonaro disse: “Mudar as diretrizes ‘educacionais’ implementadas ao longo de décadas é uma de nossas metas para impedir o avanço da fábrica de militantes políticos para formarmos cidadãos”. O que está errado nessa frase? Ou o presidente se finge de burro ou não tem a mínima noção do que seja cidadania. Esta é justamente a manifestação política das pessoas; ter acesso ao livre debate político para se alcançar uma sociedade justa, isto é, onde as diferenças são administradas por meio do bom senso e da liberdade. Infelizmente, a nossa educação nunca foi capaz de produzir militantes políticos. Os movimentos políticos, a conscientização popular, vêm da conjuntura gerada pelo capitalismo, de modo que as contradições desencadeadas por ele acabam por suscitar a crítica, a revolta. Infelizmente, por falta de uma educação capaz de produzir militantes políticos, o fascismo ganhou força e a extrema direita chegou ao poder. Bolsonaro quer dar continuidade a esse sistema educacional, e pior, radicalizá-lo. O objetivo é transformar pessoas em capital humano, que sirvam de investimento para empresas e, em seguida, consumidores. Explorados duas vezes, na produção e sendo obrigados a comprar aquilo que o mercado julga útil vender. Deve-se formar pessoas que não tenham noção dessa lógica e que façam de tudo para se vender em troca de alimentos saturados de transgênicos, automóveis poluentes e equipamentos tecnológicos voltados para um entretenimento que nos convence a reproduzir alienadamente essa lógica. A manipulação em prol do mercado não pode ser contestada e, por isso, produz-se discursos contra a manipulação e doutrinação política e religiosa, tanto de um lado quanto do outro do espectro político. É necessária uma educação cidadã, inconcebível, diga-se de passagem, enquanto vigorar o capitalismo, já que nossa noção de cidadania moderna é indissociável da noção de democracia. O capitalismo é um óbice para a democracia, já que ele não permite que os Estados pensem primeiro nas pessoas, mas, antes de tudo, nos interesses do mercado. A democracia foi usada como instrumento de libertação em muitos conflitos ao longo da história, mas sempre que a noção de “povo” se aproxima dela as elites se mobilizam para despolitizar as massas, não por meio de uma educação oficial despolitizada, mas pelo massacre aos movimentos e na produção de discursos despolitizados, como o faz com grande primor o nosso presidente. Entretanto, cabe lembrar que o discurso despolitizado é politizado ao extremo, pois atende aos interesses de determinado grupo. A despolitização das massas é o principal objetivo político de um governo reacionário que quer aprovar medidas que prejudicam a população. É por isso que o mundo político está cheio de fake news às quais as pessoas compram como verdade. E as agências de investigação de notícias falsas são compradas; militam contra as fake news, mas veneram a desinformação. Sendo assim, uma frase como “a esquerda gosta tanto de pobre que acabou multiplicando-os” é pronunciada por um presidente. Mas a verdade é que a era Lula foi quando a pobreza foi mais combatida na história do Brasil, aliás, em nenhum lugar do mundo o índice de pobreza diminuiu em tão pouco tempo como nesse período. Mas a despolitização tem como objetivo burlar a verdade e produzir uma base popular de apoio desinteressada em política e que, por sua vez, aceite tudo que o mestre disser. (1)Breton, Philippe. “A manipulação da palavra”. Trad. Maria S. Gonçalves. São Paulo: Loyola, 1999, p.72.

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