Por uma ação antifascista em bloco nas redes sociais – Por João Cassino

Precisamos criar um “escritório do amor” contra os que têm um “escritório do ódio”. Ou melhor, um escritório dos que levantam as mãos pela democracia, dos que cerram os punhos em defesa dos direitos populares

Foto: Wikimedia
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Durante a 2ª Guerra Mundial, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas passou a integrar aviadoras mulheres no combate ao nazismo alemão de Adolf Hitler. De início, os comandantes da Força Aérea Soviética entregaram às jovens as piores aeronaves, inclusive aviões de pulverização utilizados em fazendas, para produção rural. Equipadas da maneira mais precária possível e com a missão de expulsar os invasores da Pátria Mãe, elas utilizaram de criatividade para realizar feitos dos mais notáveis e heroicos. As aviadoras do “588º Regimento de Bombardeio Aéreo Noturno Soviético” levavam seus aviões à máxima altura, protegidas somente pela escuridão da noite, desligavam os motores e vinham literalmente caindo silenciosamente sobre as tropas alemãs. No último momento, pegavam bombas com as mãos, atiravam nos soldados como se fossem granadas, religavam os motores e fugiam em alta velocidade.

Conta a história que os nazistas acampados não conseguiam mais dormir por medo das “bruxas da noite”, nome que atribuíram às aviadoras inimigas. Os ataques eram indetectáveis. Podia-se ouvir no máximo um zunido, dos aviões de lona caindo, o que era facilmente confundido ou mascarado pelo vento. O terror psicológico decorrente dos ataques-surpresa era pior do que o bombardeiro em si. No final da guerra, as aviadoras colecionavam mais de 23 mil voos noturnos em 1.100 noites de intensos ataques. Algumas delas receberam o título de “Heroina da União Soviética”, a mais alta condecoração militar daquele país. Quem quiser conhecer mais sobre essa fantástica passagem, recomendo a leitura do livro “Bruxas da Noite: A História não Contada do Regimento Aéreo Feminino Russo Durante a Segunda Guerra Mundial”, escrito por Ritanna Armeni e Eleonora Mancini, publicado em 2019.

Tal história deve servir como inspiração para combatentes antifascistas nas redes sociais digitais dos dias hoje. De um lado, temos as Big Techs, as grandes companhias de Tecnologia da Informação, que mantêm as gigantescas infraestruturas das plataformas. São essas corporações transnacionais que capturam, armazenam e processam nossos dados pessoais colhidos na Internet. Informações que são usadas para construção de perfis únicos, que são divididos em categorias psicossociais, que permitem uma modulação de entrega de conteúdos microssegmentados, aumentando a capacidade de persuasão das mensagens. As Big Techs têm como modelos de negócios a venda dessa máquina de propaganda para quem puder pagar por elas, sejam empresas interessadas em divulgar seus produtos ou para políticos que desejam ganhar a opinião pública, muitas vezes fazendo uso de artifícios antiéticos, como as fake news. Políticos que, com suas redes de apoio, despejam milhões e milhões de dólares nas plataformas para atingirem seus objetivos.

As forças antifascistas que utilizam as redes sociais, assim como as “bruxas da noite” da Segunda Guerra, não detêm o controle das melhores tecnologias. Como elas, os combatentes atuais devem usar da inteligência para enfrentar o inimigo, agora no campo virtual. Notícias verdadeiras apresentadas de forma que atraiam a atenção da audiência (click baits), construção de blocos semânticos convincentes, produção de narrativas persuasivas, astúcia comunicacional. Todas devem ser nossas armas nessa guerra online.

Porém, fazer de maneira individual é algo extremamente limitado. Precisamos criar um “escritório do amor” contra os que têm um “escritório do ódio”. Ou melhor, um escritório dos que levantam as mãos pela democracia, dos que cerram os punhos em defesa dos direitos populares. Precisamos de uma coordenação que direcione a inteligência coletiva, hoje completamente difusa, para que possamos agir como o 588º Regimento Aéreo e vencer o nazifascismo digital.

Como as aviadoras russas, devemos pleitear os melhores aviões, que, nos dias de hoje, seria equivalente à criação de uma infraestrutura controlada pelas forças populares e progressistas, que garantiriam a nossa soberania de dados, com categorias psicossociais alinhadas aos interesses dos trabalhadores, com um Big Data próprio, com uma Inteligência Artificial própria. Fácil? Claro que não. Assim como vencer as forças do Eixo não foi.

*Com a colaboração de Thiago Pelucio.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.