Quanto menos centrista Lula for é melhor. Está aberta a temporada de disputa sobre a natureza e o programa da candidatura Lula - Por Julian Rodrigues

"É totalmente anacrônico, equivocado e danoso encarar a campanha de 2022 como algo trivial - achar que o caminho para vitória de Lula é repetir 2002"

Lula visita fábrica em Diadema | Foto: Ricardo Stuckert
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Flávio Dino - de longe o melhor governador do país - é também um dos quadros mais promissores da esquerda/centro-esquerda brasileira. Trocou o PCdoB pelo PSB para melhor colaborar com a campanha Lula.
A Folha pinçou uma frase dentro de uma bela entrevista de Dino e, no seu conhecido estilo, transformou-a em manchete “Quanto mais centrista Lula for, melhor, diz Flávio Dino, governador do Maranhão”.

Esse debate está posto. No PT, na esquerda. E também nas classes dominantes - que se dividem entre a terceira via natimorta, o bolsonarismo repaginado ou incidir com tudo na campanha/governo Lula.

Qual será o Lula de 2022? Quais devem ser as linhas mestras de um governo Lula a partir de 2023?

Começo sendo bem realista. Não está dado nem que teremos eleições normais ano que vem (embora a força do bolsonarismo para dar um golpe venha diminuindo), nem que Lula vá vencer ou tomar posse, pacificamente.

Seguem as ilusões entre nós. A começar por alguns analistas do nosso campo que não param de decretar a morte de Bolsonaro (desde abril de 2019 fazem isso) ou espalhar histórias mirabolantes. Necessidade de ganhar cliques deveria ter limites, principalmente entre nós (fica a dica).

Ainda não caiu a ficha. Bolsonaro é resultado e peça de um golpe em processo, que começou em 2016. É uma baita liderança de massas, que anima milhões – líder de corrente neofascista de massas. Não é nem um presidente de direita normal, muito menos um despreparado que não sabe o que faz. Se articula internacionalmente com forças de extrema-direita, é apoiado pelos chefes do fundamentalismo cristão, Forças Armadas, milícias, e bando de setores da alta burguesia.

Derrotar o bolsonarismo será muito mais difícil (e vai demorar bem mais) do que derrotar Bolsonaro eleitoralmente.

Daí porque é totalmente anacrônico, equivocado e danoso encarar a campanha de 2022 como algo trivial - achar que o caminho para vitória de Lula é repetir 2002.

Ignorar o golpe de 2016 e esquecer que Lula ficou 580 dias preso – e mais, passar um pano na história, como se as elites e o centrão não tivessem eleito Bolsonaro e o sustentassem até hoje é romper qualquer contato com a realidade material, objetiva.

É natural que candidatura Lula – no atual contexto de destruição do país – tenda a se tornar, na prática, uma plataforma de união nacional contra o fascismo. Mas ela não será e nem deve ser.

Por uma razão simples. Vai ser preciso manter a polarização. Explicar para o povo porque chegamos nesse buraco. E não adianta bater apenas no neofascismo é preciso atacar o ultra-liberalismo de Guedes tão aplaudido pelo grande capital.

2022 não é 2002.

A campanha Lula não será morna, convencional e alianceira. Terá que ser (e será) um amplo movimento político-social-ideológico.

2022 deve ser 1989.

Como em 89, Lula-2022 deve ser um tsunami político-social-cultural-ideológico. Em 1989 Lula lá representou uma radical ruptura com o golpe de 1964 e com a transição transada do governo Sarney. Arrebanhou multidões.

Ano que vem Lula lá será a reconstrução da democracia e o desfazimento de todas maldades operadas contra o povo desde o golpe. Nos jogaram na República Velha – destruíram tudo.

O terceiro governo é a reversão do desmonte. Sem tergiversações rocambolescas, como as do governador maranhense na já citada entrevista na qual defendeu a manutenção do teto de gastos.

A aliança que Lula tem de priorizar é com o povo. Com a juventude. Com as pretas e pretos, com as mulheres, com as LGBTI, com os pobres, periféricos, todas e todos humilhados, oprimidos, empobrecidos nos últimos anos.

Nada tem de esquerdismo sectário aqui. O arrastão Lula passa, sim por todas conversas com partidos e lideranças da centro-direita, do “centrão” e afins. Sobretudo no Nordeste. Lula organiza o quadro político-eleitoral do país.

Mas, para o futuro presidente vir a cumprir o papel histórico de aplastar o neoliberalismo, repor os direitos sociais e desenvolver o país, desde já vamos ter que disputar o programa Lula.

A briga começa dentro do meu Partido. No PT já tem uma fila de conselheiras e conselheiros da super-moderação. Parece que se acotovelam para ocupar o espaço que foi, outrora, de Antonio Palocci.

Uma boa perspectiva é que o PSOL já decidiu vir para a campanha Lula. Uma força importante para tensionar à esquerda, no conteúdo e na forma.

A direção majoritária do PCdoB (que preferia ir de Ciro) é uma das forças a empurrar Lula para direita. Mas, não estão sozinhos, infelizmente.

Lulão se encontrou com os movimentos pretos da periferia. Também participou do programa da Telminha, com o Gil do Vigor declarando apoio total e a Linn da Quebrada introduzindo questões. Lula foi no podcast do Mano Brow – um troço impressionante. Nesta última sexta, primeiro de outubro, foi ter com os metalúrgicos de Diadema, matando saudades das fábricas do ABC.

É por aí. Lula dos jovens, das pretas, das LGBTI, dos operários. Das mulheres, sobretudo. A batalha é contra o neofascismo. Não cabem moderações.

Lula atrairá cada vez mais os setores sociais e o eleitorado “de centro”, quanto mais força tiver e quanto mais for o anti-bolsonarista. Não é se fingindo de moderadinho.

Será uma batalha mano a mano. Lula e Bolsonaro. O resto é pura enrolação.

Daí que o programa Lula vai ser a antítese bolsonarista-neofascista-neoliberal.

Nada de amenizar o discurso procurando um centro perdido. É polarizar à esquerda - ser anti-extrema-direita e arrastar todos setores democráticos.

A campanha tem de ser o prenúncio do governo. Povo na rua, engajamento voluntário, emoção. Acumular muita força na campanha para podermos começar o governo sem vacilos.

Eleito Lula, vamos fazer um super Forum Social Mundial, com protagonismo latino-americano : entre 27 e 31 de dezembro de 2022 em Brasília. Acumulando forças e articulando governos e movimentos em todo o mundo para apoiar o novo governo.

Em primeiro de janeiro de 2023 vai rolar a posse popular de Lula. Festival de cultura e arte. Milhares de pessoas em Brasília. Pablo Vitar vai abrir e depois Chico Buarque canta, e aí vem dezenas de artistas.

O Brasil precisa. Não só de se livrar do neofascismo.

Mas de uma campanha LULA que lave nossa alma. Um vendaval antifascista que aponte para um novo tempo. Muito amor e muita esperança.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum