Retrofascismo: na Guerra Híbrida o fascismo retorna como farsa

Em novo artigo Wilson Ferreira explica Fascismo histórico e Retrofascismo, leia

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[caption id="attachment_143852" align="alignnone" width="639"] Em 2011 este “Cinegnose” teve uma sombria antevisão: “o retrofascimo brasileiro só está à espera de uma tradução política para conquistar, mais uma vez, o Estado”, afirmava este humilde blogueiro. E este momento chegou! Só que dessa vez como farsa, diferente da tragédia do fascismo clássico do século XX. Conceito criado pelo pesquisador em Cultura e Tecnologia, Arthur Kroker, “retrofascismo” representa o mix dos motivos que fizeram surgiu o fascismo histórico com a hipertecnologia do século XXI. É necessário entender as nuances entre o fascismo do passado e o atual, como mais um lance no xadrez geopolítico da Guerra Híbrida brasileira: assim como no passado, o retrofascismo utiliza a matéria-prima psíquica da personalidade autoritária, mas dessa vez como estratégia de dissuasão midiática (e, por isso, como farsa) – criação da agenda da polarização em torna das questões identitárias, culturais e de costumes para esconder um programa de governo ruim de voto. Porém, produziu três efeitos residuais: o efeito “Uma Noite de Crime”; o efeito “A Ficha Caiu!”; e o efeito “Apertem os Cintos, a Grande Mídia sumiu!”.[/caption]   Em 2011 este Cinegnose concluía o artigo “Retrofascismo e a Bomba Tecnológica” (clique aqui) com um sombrio prognóstico: “Pior que as práticas isoladas de intolerância e preconceito é a preocupação de que o retrofascismo está à espera de uma tradução política para conquistar, mais uma vez, o Estado”... E sete anos depois esse momento chegou!
Naquela oportunidade, ocorriam pelo País, aqui e ali, episódios de racismo e intolerância: após as últimas eleições presidenciais em 2010 com a vitória de Dilma Roussef, redes sociais eram invadidas por mensagens incitando ódio aos nordestinos; vinte ciclistas tinham sido atropelados intencionalmente numa mobilização do grupo Massa Crítica em Porto Alegre; o grupo começou a receber ameaças anônimas elogiando o motorista e incentivavam novos ataques a ciclistas; começavam a se tornar recorrentes agressões a homossexuais na região da Avenida Paulista, São Paulo; crescimentos dos casos de bullyingdigital nas escolas com a criação de perfis falsos nas redes sociais para difamar pessoas.
Na oportunidade este humilde blogueiro apontava para um ponto em comum em todos esses casos: o novo fenômeno do Retrofascismo – o fascismo, que supostamente jamais voltaria a acontecer, retornaria como farsa, como forma latente de personalidade autoritária.

Fascismo histórico e Retrofascismo

“Retrofascismo” é um conceito cunhado pelo pesquisador canadense em cultura e tecnologia Arthur Kroker. Uma mistura entre os motivos que fizeram surgir o fascismo histórico (depressão econômica e senso do enfraquecimento do nacionalismo) com hiper-tecnologia atual que virtualiza o outro e a si mesmo nas tecnologias de convergência.
A questão é que o retrofascismo é o fascismo histórico que retorna como farsa. Nos anos 1990, Kroker relacionava o fascismo com a ascensão das tecnologias que virtualizam o organismo sócio-biológico-linguístico humano (clonagem, virtualização do eu nas redes etc.). O fascismo atual como formação reativa ao senso de desaparecimento do eu por meio da personalidade autoritária: limpeza sexual, limpeza étnica, limpeza intelectual, limpeza racial, limpeza do Estado (moralismo anticorrupção) – limpeza como paradigma universal.
No caso de um país periférico no século XXI como o Brasil essa natureza farsesca ressurge quando colocamos a campanha e vitória do candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro dentro do contexto da Guerra Híbrida iniciada em 2013 – quando o País foi colocado no radar das “primaveras” que pipocaram em todo o planeta dirigido pelo Departamento de Estado norte-americano.
A matéria-prima psíquica continua a mesma – a chamada “personalidade autoritária” como definiu Theodor Adorno nas suas célebres pesquisas empíricas realizadas nos EUA nos anos 1940 – sobre isso clique aqui. Tanto lá atrás no nazi-fascismo como agora com o crescimento da extrema-direita (e toda agenda de intolerância e racismo) no mundo, esse substrato psíquico é agenciado por líderes, movimentos ou partidos que tentam conquistar o Estado.
Porém, dessa vez como farsa: a personalidade autoritária (e seu agenciamento político, o fascismo) torna-se álibi ou pretexto para um objetivo estratégico dentro do xadrez global da guerra híbrida – submeter um país geopoliticamente importante como o Brasil à banca financeira internacional e aos piratas do petróleo, impacientes em por as mãos no Pré-Sal.
É necessário entender as nuances entre o fascismo clássico e o atual para compreender a verdadeira revolução midiática que a campanha eleitoral vitoriosa de Bolsonaro, que emulou, em muitos aspectos, a estratégia de convergência tecnológica de Trump – vitórias eleitorais que simplesmente ignoraram a grande mídia de massas, concentrando-se nas mídias e plataformas de convergência tecnológica.
Ao invés de técnicas hipodérmicas de propaganda política (massificação por meio de repetição, reforço e condicionamento), de agora em diante teremos viralizações meméticas.

Estratégia de dissuasão

Lá no passado, o nazi-fascismo surgiu como reação à condição de depressão econômica generalizada na Europa combinada com o senso de humilhação nacional.
Hoje, pelo menos no caso brasileiro, fez parte de uma elaborada estratégia de dissuasão: confundir a opinião pública com a polarização política que impediu qualquer debate racional – que se materializou na ausência de debates no segundo turno, enquanto o candidato líder das pesquisas eleitorais alimentava facetas da personalidade autoritária das maiorias silenciosas (o anti-comunismo e anti-petismo histérico, “caneladas” para criar dissonância cognitiva, conservadorismo sexual etc.) nas redes sociais, principalmente WhatsApp.
Apesar do sucesso das diversas primaveras pelo mundo usando redes sociais para criar Revoluções Populares Híbridas (RPH – sobre esse conceito, clique aqui), no Brasil havia um problema: historicamente, sempre a direita foi ruim de voto. Com a sua agenda política alinhada aos EUA e programas econômicos baseados no liberalismo selvagem que qualifica políticas sociais como “populistas”, a direita apenas conseguiu chegar ao Estado sempre por meio do golpe militar ou político.
Como criar uma RPH se a legitimação final dessa “revolução” através do voto seria improvável, a partir do momento que fosse colocada a plataforma neoliberal em debate? Privatizações e extinção de estatais estratégicas, entrega das riquezas nacionais e enxugamento das finanças às expensas das políticas públicas e seguridade social não é exatamente um conjunto de medidas fácil para ser colocado de forma franca em uma mesa de debates.
Para problemas complexos, soluções simples: então, porque não suspender qualquer tipo de debate, e no lugar incitar a verdadeira síndrome psíquica autoritária brasileira para tornar a atmosfera política densa? Os dados sócio-psicológicos já estavam dados. Por exemplo, na overdose de farmácias e igrejas neopentecostais no Brasil (nas periferias urbanas praticamente ambas em cada quarteirão) são evidentes indícios da doença física e psíquica que acomete o cotidiano brasileiro.