Roberto Biela, a dignidade da música ao vivo na vida do músico e seu público

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Ele devia ter uns 18 ou 19 anos no máximo e era o músico mais disputado de um bar chamado Carranca, que ficava na avenida Epitácio Pessoa, em Santos, bem no início da década de 80. Roberto, que vai saber porque, ganhou o apelido de Biela, cantava como poucos por ali e já era, na época, um grande percussionista.

O local, frequentado por estudantes, ficava abarrotado de gente que ia pra ouvir música brasileira. Assim que saiam aqueles discos antológicos de Milton Nascimento, Chico Buarque, Alceu Valença, Caetano Veloso entre outros, lá estava ele, com a sua voz aguda de tenor, a interpretar as canções.

O tempo passou, Roberto Biela se profissionalizou definitivamente e virou um dos fundadores do lendário bar Torto, que ganhou esse nome, dado pelo seu pai, o Seu Nei, por estar em um dos prédios mais inclinados da pitoresca avenida da praia de Santos. No local, ele, este que vos escreve e Luiz Cláudio de Santos, montaram o trio Jornal do Brasil.

O grupo, de maneira inusitada para uma casa noturna, fazia vocais abertos e colocava a garotada pra chacoalhar madrugada adentro com o que havia (e há até hoje) de melhor na nossa música.

Inquieto, Biela partiu mundo afora, alguns anos depois e fez uma trajetória ampla, que incluiu várias viagens para o Japão, em diversas temporadas, e depois Madri, na Espanha. Dessas paradas pelo exterior, passou a ser um dos primeiros músicos brasileiros a incorporar o cajon, instrumento espanhol que virou febre a partir de então, além de aprender a tocar teclado

No repertório, como sempre e nunca deixou de ser, a grande canção brasileira. Com o passar dos anos, ele incluiu entre as obras que gosta de interpretar, diversos sambas, daqueles tradicionais, paixão de criança das boas escolas de samba de Santos.

Tornou-se, enfim, um músico respeitado e pau pra toda obra. Gravou com diversos artistas, tocou com vários outros. Entre eles, seu irmão mais novo, o baterista Duda Mendes, que merece uma crônica à parte, também cria dos bons bares de Santos, que veio a gravar em vários discos da grande explosão do samba e do pagode da década de 90.

A próxima parada do Biela foi a capital paulista, onde virou referência de um simpático e pequeno bar da Vila Madalena chamado Roda Viva que, como o próprio nome indica, tinha como prato principal as canções do cantor e compositor Chico Buarque. Dele, Biela chegou a virar sócio, tamanha a identificação que teve com o público e o repertório.

De maneira heroica e apaixonada, Biela nunca deixou de levar para um público que, ao contrário de todas as expectativas, insiste em se renovar, o repertório dos mesmos artistas de quando tudo começou, lá no Carranca, no começo da década de 80.

Uma garotada apaixonada pelas canções e seus signos sempre o segue, atenta aos seus toques de exímio pandeirista, a maneira sutil e repleta de recursos com que toca percussão e, é claro, seu canto, sua voz bela, afinada à frente de um repertório irretocável.

A pandemia fechou os bares. Biela não se fez de rogado e partiu para as lives, onde conseguiu manter seu público atento e coeso.

Além e apesar do tempo tê-lo transformado em um mestre do ofício, o sorriso e a paixão com que Biela se apresenta entrega, finalmente, o seu segredo. Por trás do grande profissional em que se transformou, amado por tantos, ainda está lá aquele menino de 40 anos atrás.

Não sei de vocês, mas eu o vejo claramente ainda hoje.