Sobre animais (em especial jabutis) – Por Chico Alencar

Adulto, percebi que animais ditos racionais até governam... Mas, no caso de alguns, sem controlar os impulsos originais, costumam dar coices e patadas, mordendo a ponto de arrancar pedaços da alma nacional

Foto: ICMBio
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Aprendi nas primeiras séries da escola, com curiosidade, que a abelha zumbe, a arara palra, o urubu crocita, o bode bale, a vaca muge, o cão ladra, o pássaro trina, o pombo arrulha, o cabrito berra, a cigarra cicia, a cobra sibila, a coruja pia, o ganso grasna, a hiena gargalha, o tigre brama, o leão ruge, a onça esturra, o lobo uiva e o burro e o jumento zurram.

Menino, eu adorava um programa na Rádio Nacional: "Histórias do Tio Janjão – No tempo em que os bichos falavam".

Adulto, percebi – na Ditadura e nos dias que correm – que animais ditos racionais até governam... Mas, no caso de alguns, sem controlar os impulsos originais, costumam dar coices e patadas, mordendo a ponto de arrancar pedaços da alma nacional.

Já há quem fale na necessidade de camisa de força para o presidente Jair Bolsonaro. A cada dia ele mostra de forma mais evidente o seu descontrole. Ontem (21), só faltou agredir uma repórter que lhe perguntou por que estava sem máscara. As imagens são impactantes.

Nem mesmo o staff presidencial escapou do surto de Bolsonaro, que, aos gritos, mandou que seus integrantes calassem a boca.

A ira do presidente teve origem na cobertura dos veículos de imprensa às grandes manifestações do sábado passado, dia 19, quando o país atingiu a impressionante marca de meio milhão de mortos pela Covid-19. Os atos de rua responsabilizando Bolsonaro aconteceram em mais de 500 cidades do país e mostraram que o apoio a ele vai se esvaindo como um punhado de areia entre os dedos.

Embora eles ainda estejam tímidos, nos últimos atos foi possível encontrar antigos eleitores de Bolsonaro, hoje insatisfeitos com ele. A “Folha de S. Paulo” do último domingo ouviu alguns desses arrependidos.

O fato é que, hoje, os desafios são dois.

O primeiro é trazer mais gente para as manifestações contra o presidente. O “Fora Bolsonaro” é uma palavra de ordem geral, que cabe na boca de todos os que acreditam na democracia e na ciência, têm amor à vida, anseiam pelas vacinas e querem um futuro para o país que não seja a necropolítica que emana do Palácio do Planalto.

O segundo desafio é cerrar fileiras contra o verdadeiro processo de destruição nacional em curso, capitaneado pelo presidente. No momento, a boiada está passando no setor elétrico, que, aliás, tem outros bichos na sua área.

Pois bem... A Câmara dos Deputados aprovou, por 258 votos a 136, a Medida Provisória que abre caminho para a privatização da Eletrobras. O texto-base está recheado de jabutis, que são os penduricalhos acoplados à MP no Senado e que desvirtuam o foco da proposta original.

Olho vivo, pois já diz a sabedoria popular: "Jabuti não sobe em árvore: ou foi enchente ou foi mão de gente". No caso, falta a enchente e sobra mão de gente!

Enfrentamos a maior estiagem dos últimos 40 anos, o que põe em risco o abastecimento de energia no país (cuja matriz é 63,8% de energia hidrelétrica). No entanto, prevalece o lobby (mão de gente) em detrimento do interesse público. Isso se refletirá no bolso do consumidor: a conta de luz vai subir e o preço dos alimentos também. Absurda essa votação açodada sem o devido e amplo debate que o tema exige!

A Eletrobras é a maior empresa de energia elétrica da América Latina, responsável por 30% da geração e 50% da transmissão no Brasil. Entregar a Eletrobras à iniciativa privada significa abrir mão de uma empresa pública estratégica e lucrativa, fundamental para o futuro.

Não bastasse o absurdo da privatização, a MP aprovada avança na contramão do debate mundial sobre a necessidade de redução da poluição atmosférica, ao acenar para a ampliação do uso de termelétricas, mais caras e poluentes. Pode ser que, circunstancialmente, o uso de termelétricas no momento seja inevitável, mas é preciso, cada vez mais, investir em energia eólica e solar, não poluentes.

De qualquer forma, a população deve se preparar para pagar mais caro pela energia, cujo preço deve subir 20%. Isso, claro, impacta em quase tudo.

Assim, enquanto Bolsonaro e Guedes seguem a passos de cágado no combate à pandemia e na compra de vacinas, apressam a boiada no rumo do desmantelamento de empresas estratégicas, das privatizações sem compromisso com o interesse público e da degradação ambiental, econômica e social.

Mais do que nunca, precisamos salvar o país do BolsoCaro. Sobe o número de mortos pela Covid – resultado da política criminosa de Bolsonaro.

Sobe a cesta básica, sobe o preço do botijão de gás e, agora, sobe o preço da energia.

É hora de salvar o país, enquanto ainda há luz.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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