Sobre generais e o ridículo – Chico Alencar

Vale a pena as Forças Armadas, que são instituições permanentes, se confundirem com Bolsonaro e com seu governo?

Jair Bolsonaro com militares (Foto: Presidência da República)Créditos: Marcos Corrêa/PR
Escrito en OPINIÃO el

Sidarta Gautama, o Buda (563 a.C. - 483 a.C.), foi um dos maiores pensadores da Humanidade. Tendo vivido há 25 séculos, é lembrado até hoje. "Guardar rancor é como segurar um carvão em brasa para jogá-lo em alguém. Você é quem se queima" – disse, sabiamente.

Outra grande figura, nossa contemporânea, é o ex-presidente uruguaio José Mujica. Ele afirmou algo semelhante em seu recente discurso de despedida no Senado: "O ódio é cego, assim como o amor. Mas o amor é criador, enquanto o ódio nos destrói".

Muitos brasileiros têm razões para ressentimentos em relação às Forças Armadas, pelo papel que elas desempenharam na ditadura empresarial-militar (1964-1985). Depois de derrubarem um governo legitimamente eleito, implantaram uma ditadura que atropelou a democracia, aumentou as desigualdades, fez retroceder reformas sociais em curso, censurou imprensa e cultura e torturou e assassinou opositores políticos – vários deles desaparecidos para sempre. Terrorismo de Estado!

Algo, porém, deve ser reafirmado: o ressentimento, ainda que compreensível, não é bom conselheiro. Deixar-se levar por esse sentimento significa fechar os olhos. E de olhos fechados não se chega a bom porto.

Um país soberano – e, ainda mais, da dimensão do Brasil – precisa contar com Forças Armadas. Elas, em um Estado Democrático de Direito, têm um papel a cumprir: garantir a soberania e a defesa nacionais e a integridade territorial do país.

Não é positivo que elas sejam desmoralizadas. 

Mas precisam fazer por onde.

No Brasil, as Forças Armadas vinham passando por um processo de recuperação da imagem nos últimos 30 anos, a partir do fim da Ditadura Militar. Mesmo sem fazerem o necessário balanço crítico de sua atuação no regime autoritário e como tutoras políticas autoinstituídas, em períodos de crise. Agora, porém, ao se vincularem a um governo específico, passando a impressão de que deixaram novamente de ser instituições do Estado, fizeram mal a si próprias. Mais ainda quando se trata de um governo criminoso, chefiado por um ex-capitão tosco como Bolsonaro.

Que os militares não se enganem. Sua parcela mais lúcida ainda vai se arrepender amargamente da vinculação da imagem das Forças Armadas – e do Exército, em particular – ao governo atual.

Pior ainda quando o primarismo do comportamento de certos personagens envolvidos – entre eles o próprio presidente e alguns generais ministros – dão margem a galhofa.

Já não bastassem as declarações estapafúrdias de Bolsonaro, minimizando os riscos da pandemia e fazendo piadas de péssimo gosto com a necessidade da vacinação, outros acontecimentos afetam a imagem dos militares. É o que ocorre, por exemplo, quando o general Pazuello, ex-ministro da Saúde, usa o artifício de um atestado médico para fugir de um depoimento na CPI da Pandemia no Senado.

Ninguém acreditou que a história fosse verdadeira. Os próprios senadores governistas ficaram envergonhados, sem saber o que dizer.

Com a deserção, o general caiu no ridículo. O máximo que conseguiu foi adiar por alguns dias o seu depoimento, comprometendo ainda mais a imagem do Exército – já manchada pela sua atuação incompetente à frente da pasta da Saúde.

Militares podem ser aproveitados em cargos civis num determinado governo, claro. Mas com parcimônia, claro. Nunca na dimensão em que estão no governo Bolsonaro. E devem estar em áreas para as quais tenham formação específica. Não é o caso da maioria deles. Pazuello, no Ministério da Saúde, é um exemplo indefensável. É preciso dizer: as atuais nomeações parecem ter o único objetivo de proporcionar aos militares de alto escalão ganhos econômicos e angariar apoio político do Exército ao governo.

No tocante à vacinação – para usar expressão tão a gosto de Bolsonaro – não só Pazuello está sendo alvo de chacota. Outros generais do primeiro escalão do governo foram envolvidos em situações vexatórias. O chefe da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, sem saber que estava sendo gravado, reconheceu que tomou a vacina escondido de Bolsonaro. Afinal, o presidente faz pouco das vacinas – preferindo, de forma criminosa, defender o uso de medicamentos como a cloroquina para fazer frente à Covid-19.

"Tomei escondido, né, porque a orientação era para não criar caso, mas vazou" – afirmou depois Ramos a jornalistas.

Como se vê, o cidadão passou recibo de que se comportou como o menino que faz uma travessura às costas do pai.

A mesma “travessura” foi cometida por outros generais. Os ministros da Defesa, Walter Braga Neto, e de Minas e Energia, Bento Albuquerque, também oficiais, confessaram ter se vacinado às escondidas do chefe. Isso ajuda a imagem do Exército?

Os militares responsáveis precisam refletir: a compreensão crescente de que o catastrófico e criminoso governo Bolsonaro é um governo das Forças Armadas não as compromete?

A situação de Bolsonaro na sociedade piora a olhos vistos. Ainda que mantenha certo nível de apoio, a simpatia por ele e pelo seu governo caem a cada nova pesquisa. A CPI do Covid vai tornar a situação ainda mais difícil. Começa a se fortalecer a perspectiva de que o presidente não se reeleja em 2022 – isso, caso em outubro do ano que vem ainda esteja na Presidência, o que não é certo.

Vale a pena as Forças Armadas, que são instituições permanentes, se confundirem com ele e com seu governo?

Tem sentido que generais continuem fazendo papéis como esses que estamos vendo?

É o caso de lembrar um ditado chileno: “Del ridículo no hay vuelta”.

Numa tradução livre, seria algo como: “Caiu no ridículo, não tem mais jeito”.

É bom que os oficiais militares brasileiros tenham presente esta verdade.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.