Sociedade do espetáculo (medíocre) – Por Chico Alencar

Sobre a morte de Lázaro Barbosa, mais uma vez tentando fazer graça com a dor da população, o presidente perguntou rindo: "Não foi Covid, não?" Inclassificável

Foto: Presidência da República
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A caçada ao tal de Lázaro, serial killer, virou mininovela televisiva, acompanhada por milhões. Uma trama cara aos cofres públicos, que mobilizou helicópteros, equipamentos cedidos pelo Exército, 270 agentes, cães farejadores. O governo de Goiás arcou com o maior gasto para algo que a inteligência e policiais conhecedores da região fariam não em 20 dias, mas, possivelmente, em apenas dois. Os 38 tiros que mataram o fugitivo fecham a "epopeia"? Não.

O espetáculo final foi bem a cara da sociedade do espetáculo, onde o justo clamor por segurança pública é respondido com um show de exibicionismo, "parada" triunfalista, carros oficiais com sirene aberta, busca frenética por aplausos.

Afinal, no país da pandemia, do desemprego, da inflação dos gêneros básicos, da devastação ambiental e da crise hídrica, o "grande problema" foi Lázaro, o anti-herói homicida, o não ressuscitado e, como era óbvio, que já tinha a morte anunciada. Mesmo que sem julgamento.

Tal como em outros casos similares, como por exemplo o do capitão Adriano, chefe do tal Escritório do Crime, fica a dúvida: havia interesse da polícia em prendê-lo vivo? A pergunta procede, até porque há informações de que Lázaro atuava como matador de aluguel para fazendeiros locais. Vivo ele não poderia fornecer informações úteis para a polícia?

De qualquer forma, o ainda presidente da República comentou o assassinato do "inimigo temporário número 1 da nação" (nesse aspecto, seu concorrente...), no estilo debochado e insensível à dor dos mais de meio milhão, como sempre: “Lázaro, CPF cancelado”. O jargão grosseiro é usado por certos policiais ao se referirem à morte de alguém.

E foi além, mais uma vez tentando fazer graça com a dor da população: "Não foi Covid, não?", perguntou, rindo. Inclassificável.

Enquanto isso, a militarização institucional cresce: desde o início do mandato, o número de militares em cargos civis da administração federal aumentou em 122% hoje – são nada menos que 6.157 altos oficiais no governo!

As gratificações e outros "mimos" para esse setor só fazem crescer. É a “austeridade" seletiva. O desgaste das Forças Armadas com esse envolvimento também cresce. O blindadíssimo general da ativa (e do governo) Pazuello é o símbolo maior dessa degradação.

Mas, decididamente, a maré não anda boa para o presidente. As repetidas manifestações de destempero com repórteres (em particular se forem mulheres, numa suspeita demonstração de misoginia) mostram que ele está sentindo os golpes.

E que se prepare: vêm por aí outras más notícias.

Nesta quarta-feira houve a entrega na Câmara do que está sendo chamado de “superpedido” de impeachment – a consolidação dos mais de cem requerimentos já protocolados, exigindo a saída do presidente.

Foi, também, entregue nesta semana ao Supremo Tribunal Federal por senadores integrantes da CPI da Pandemia uma notícia-crime contra Bolsonaro. Nela, o presidente é acusado de prevaricação, por não ter tomado providências depois de informado das irregularidades nas tratativas para a compra das vacinas Covaxin.

Fatos como estes se sucedem, demonstrando que o desgaste político de Bolsonaro – confirmado em cada nova pesquisa – se intensifica.

Os jornalões, que no Brasil funcionam como uma espécie de estado-maior das classes dominantes, já desembarcam do apoio ao capitão. Com a exceção de algumas emissoras de TV aberta menos expressivas, compradas por publicidade oficial, o que há de mais relevante nos meios de comunicação faz uma cobertura claramente crítica a Bolsonaro.

A própria CPI da Pandemia, que, depois de um início contundente parecia estar perdendo um pouco a embocadura, reencontrou seu rumo com a revelação do escândalo envolvendo a vacina Covaxin, cuja compra, aliás, teria como intermediária uma empresa sediada num paraíso fiscal. Para complicar as coisas, o patrocinador do “negócio” é nada mais, nada menos, que o líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros, um expoente do centrão.

Se Bolsonaro o mantém no cargo, traz para o seu colo a pecha de corrupto. Se o substitui, desagrada o grupo que lhe fornece blindagem no Congresso contra pedidos de impeachment.

A anunciada quebra de sigilos bancário e telemático de algumas figuras próximas ao capitão-presidente, entre as quais o próprio Pazuello, é ameaça permanente e a qualquer momento pode trazer mais notícias ruins.

Bolsonaro ainda tem cerca de 25% de apoio na população, o que lhe dá certa retaguarda. Semana passada anunciou medidas voltadas para tentar recuperar a popularidade, entre as quais uma nova Bolsa-Família e a volta do auxílio-emergencial.

Resta saber se isso, aliado ao andamento da vacinação (que segue em ritmo lento, mas avança) vai permitir a recuperação de sua popularidade.

É pouco provável.

De qualquer forma, a aceleração do desgaste do presidente fez com que as frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular modificassem o calendário de atos de rua, antecipando as próximas manifestações para o próximo sábado.

É outra má notícia para o tosco necrogovernante.

Afinal, as ruas não só refletem o seu desgaste, mas o potencializam.

Pelo visto o presidente vai ter que rezar para que apareça um outro Lázaro para desviar a atenção da opinião pública.

Mas resta um problema: o Lázaro que ressuscitou foi outro, há mais de dois mil anos. Não vai ser fácil para Bolsonaro arranjar um a cada semana...

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.