Um Natal com fome - por Chico Alencar

Não é surpresa que este Natal seja o mais magro dos últimos anos

Foto: Pablo Bandeira/Creative Commons
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O Natal é uma festa que, mesmo tendo origem nas tradições cristãs, no Brasil ultrapassou fronteiras e foi incorporada por toda a população. É um momento em que - religiosos ou não – se celebra a paz, o amor, a amizade e a solidariedade. As pessoas trocam presentes e as famílias se reúnem num dia de congraçamento.

É, também, uma data em que, mesmo os mais pobres, fazem um esforço para conseguir uma mesa mais farta do que o normal. Ainda que, para isso, precisem juntar todas as parcas economias.

Pois este Natal não será assim. Por conta do governo Bolsonaro, vai ser um Natal de fome.

As informações sobre a desnutrição no País são impressionantes. Crianças desmaiando em salas de aula por não terem comido nada naquele dia. Milhões de chefes de família desempregados, pessoas revirando latas de lixo e caminhões em busca de ossos. Gente caçando calangos para comer, talvez com um pouco de farinha.

A fome atingiu 19,1 milhões de pessoas em 2020, no primeiro ano do governo Bolsonaro. E a situação piorou. Hoje, no contexto da pandemia, 116 milhões de brasileiros, num total de 55,2% dos domicílios, convivem com algum grau de deficiência na alimentação, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, realizado pela Rede Penssan (https://pesquisassan.net.br/). Essa rede é formada por especialistas independentes que estudam a segurança alimentar e nutricional no País.

Essa situação dramática diz respeito a uma alimentação de má qualidade, passa pela instabilidade no acesso a alimentos e chega à fome propriamente dita. Aliás, o número de brasileiros passando fome era de 10,3 milhões em 2018 – quando o atual presidente foi eleito - e foi para 19,1 milhões em 2020. O crescimento foi de 85% em dois anos. Ainda não existem os dados relativos a 2021.

Segundo a Oxfam — organização internacional que atua no combate à pobreza, desigualdade e injustiça social — no governo Bolsonaro o Brasil se tornou um dos focos emergentes de fome no mundo, ao lado da Índia e da África do Sul.

De acordo com estudos da Universidade Federal de São Carlos, uma em cada três crianças no País tem anemia causada pela falta de ferro no organismo. O ferro, componente essencial na alimentação humana, é encontrado no leite materno, na carne vermelha e em alguns vegetais, como o feijão e a soja. As crianças com esse tipo de deficiência alimentar têm alterações no desenvolvimento do cérebro. Mais adiante, isso se manifesta em dificuldades de aprendizado, sonolência e desânimo. Muitos desses problemas permanecem por toda a vida toda e são irreversíveis.

Em 2021, o consumo anual de carne bovina no Brasil deverá ser de 26,4 quilos por pessoa, o que representa uma queda de quase 14% em relação a 2019 e de 4% se comparado a 2020. É o menor nível de consumo de carne bovina nos últimos anos, segundo a série histórica da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), que teve início em 1996.

Essa redução de consumo é de fácil explicação. Até agosto deste ano, as carnes acumulavam aumento de preço de 30,8% nos últimos 12 meses, bem acima da alta de 9,68% da inflação, segundo o IBGE. A tendência de aumento de preços foi acentuada no ano passado pela alta do dólar, que estimula as exportações, reduzindo a oferta do produto no mercado interno. A carne, então, encareceu e foi desaparecendo do prato dos brasileiros mais pobres.

Outros indicadores da piora das condições de alimentação do brasileiro estão nos próprios alimentos consumidos. Enquanto caiu o consumo da carne, segundo dados da Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães e Bolos Industrializados) o de macarrão instantâneo movimentou R$ 3,2 bilhões em 2020. Era de R$ 2,7 bilhões em 2019.

Assim, não é surpresa que este Natal seja o mais magro dos últimos anos. Talvez seja o Natal do Miojo.

É um lamentável "presente de grego" do Papai Noel às avessas chamado Jair Bolsonaro.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum