Um olhar sobre a Sociologia da Educação – Por Ana Beatriz Prudente

O que o legado de Althusser, Establet, Bourdieu, Passeron e Gramsci nos ensinam sobre os processos sociais embutidos na aprendizagem?

Foto: Prefeitura Municipal de Linhares
Escrito en OPINIÃO el

A Sociologia da Educação analisa os processos sociais de ensino e de aprendizagem, tendo a escola como principal ponto para a resolução das desigualdades sociais. Nesse caso, a escola é considerada uma mola propulsora da mobilidade social. Essas considerações foram o norte da Sociologia da Educação até o final da década de 60, a partir daí e durante toda a década de 70, surgem outras análises sobre os papéis das instituições na sociedade e que vem na contramão das concepções liberais de Educação. Entre eles, há debates e estudos que citam Marx e as teorias de Louis Althusser, Roger Establet, Nicos Poulantzas, além de Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron, que trazem uma nova visão de Cultura e de Educação.

O que todas essas teorias têm em comum é que elas partem da crítica à sociedade estruturada pelas desigualdades sociais, onde a estrutura de classes é fruto da divisão social do trabalho, calcada na apropriação desigual dos meios de produção, assim como se posicionam contra a concepção liberal de Estado. Esses estudos partem do princípio de que o Estado é voltado para o interesse comum e que prega a Justiça igual para todos, e sustentam que, segundo Marx, o Estado liberal é um espaço de exercício do poder que não o do bem comum, servindo às classes dominantes. Assim, esses pensadores se debruçam sobre questões como a reprodução da sociedade num contexto capitalista e com um Estado liberal, detalhando como são as relações de produção e poder e como a divisão social do trabalho acontece nesse cenário.

Dessa forma, esses mesmos pensadores apontam que a escola, nesse contexto, reproduz as relações sociais existentes, pois espelham as desigualdades sociais, naturalizando-as, apresentando essa discrepância como uma meritocracia. A instituição escolar é também, portanto, uma espécie de sistema hierárquico, onde os princípios e conteúdos pedagógicos são definidos de maneira centralizada e mais autoritária. Essa composição, no entanto, vale lembrar, é definida de acordo com as relações sociais de força.

Todos esses estudos apontam que a escola procede de duas formas ao reproduzir as desigualdades sociais: 1 - Impõe uma ideologia (inculcação ideológica, nas palavras de Pierre Bourdieu), reproduzindo valores, pré-disposições para ações e preceitos intelectuais. 2 - Propagação desigual do conteúdo e da disseminação do conhecimento. Ou seja, as escolas particulares, por exemplo, acabam por transmitir conhecimentos vinculados às classes dominantes e tornam a escola um local de formação de mão de obra mais qualificada, enquanto as escolas públicas atuam para a formação de uma mão de obra também disciplinada para o mercado, mas com déficits, sendo uma mão de obra menos produtiva e qualificada.

Nesse sentido, como podemos definir então, a divisão social do trabalho? Existem diversas atividades produtivas e tipos de atividades intelectuais e manuais. Grande parte das profissões atualmente conta com ambos os trabalhos: intelectual e manual.  No contexto escolar, por exemplo, o conhecimento, valores e habilidades tendem a ser transmitidos, como destacam Althusser e Bourdieu de acordo com tipo de trabalho e sociedade que se tem em determinada época, ou seja, no período manufatureiro, por exemplo, a escola reproduzia e formava pessoas para as diversas divisões técnicas do tipo de trabalho disponível naquele momento, sujeitando o trabalhador a desempenhar seu papel produtivo.

Louis Althusser afirma que a escola é aparelho ideológico do estado, que forma trabalhadores para os seus respectivos lugares de classe. Em seus estudos, ele se debruça sobre a reprodução dos meios de produção (força de trabalho). Então, para Althusser, é a ação da escola que vai preparar o indivíduo para que ocupe seu lugar na divisão social do trabalho. O filósofo Nicos Poulantzas faz, justamente, uma crítica à Althusser, ao destacar que ele minimiza a importância da fábrica e do setor produtivo como reprodutora das classes sociais e elege a escola como principal agente reprodutivo das divisões sociais. No entanto, na sociedade contemporânea, a escola não ocupa este espaço sozinha. Mais importante que ela, nesse contexto, são as mídias, influenciadas por interesses ligados ao estado ou às empresas com próprios propósitos, que, muitas vezes, reproduzem informações vinculadas aos interesses das classes dominantes (temos a impressão de que estamos consumindo um conteúdo democrático, mas não é uma verdade).  Da mesma forma, acontece com as redes sociais. Sobretudo a mídia corporativa que acaba por predominar na gestão dos meios de comunicação e é uma ferramenta para a propagação de valores de grupos específicos e servem para impor valores e ideologias próprias desses grupos.

Na atualidade, por exemplo, o acesso à informação consumida rapidamente e feita sem compromisso com a verdade, acaba por desvalorizar as mídias convencionais, e, hoje, convivemos com uma avalanche de fake news.  O livro “Guerras Híbridas: das Revoluções Coloridas aos Golpes”, de Andrew Korybko, aborda um pouco este momento, que é a combinação de revoluções coloridas e guerras não convencionais para substituir governos, e que mostra que produção cultural atende aos nichos de classes dominantes. Se por um lado as redes sociais permitem a amplitude da comunicação, de outro são um campo vasto para informações falsas e desencontradas, ao mesmo tempo que concentram todas as informações pessoais de maneira nunca antes vista, misturando ou confundindo o público e o privado.  

Como já citei, Althusser mostra a escola como reprodutora de relações sociais, propagando sua própria formação estrutural enquanto sociedade, dando pouco espaço para o sujeito. Já para Bourdieu, embora uma visão também parecida, afirma que a reprodução da estrutura social se dá por meio da cultura, comportamento de classes e diz que, aparentemente, a cultura propagada na escola é neutra. No entanto, não há nada de neutro, ela reforça a reprodução capital econômico, o capital cultural leva a reprodução do capital econômico, das relações de produção. Tanto para Althusser quanto para Bourdieu a cultura é hierarquizada responsável pelas relações de poder existentes na sociedade e, por meio dessa transmissão, também se dará a reprodução das relações econômicas. No entanto, Bourdieu difere ao mostrar a instituição escolar com uma dinâmica própria, com uma certa autonomia e produtora de bens simbólicos. Ao não considerar a relação dela com o trabalho, também não considera o sistema de ensino técnico ou a educação tecnológica, por exemplo. Assim, ele diz que a escola reproduz um conhecimento para manter os interesses econômicos.

Todos esses pensadores se inspiraram em Antonio Gramsci, filósofo marxista, fundador do Partido Comunista Italiano (PCI). Gramsci (1891-1937) foi um ativista político, jornalista e intelectual italiano, um dos fundadores do Partido Comunista da Itália. Nasceu com uma deformidade na coluna, mas sua capacidade intelectual o ajudou a superar todas as dificuldades. No governo de Mussolini, Gramsci foi condenado e passou o resto de sua vida na prisão. Mesmo submetido a maus-tratos, Gramsci foi capaz de produzir uma grande obra: “Cadernos do Cárcere”, que reúne uma revisão original do pensamento de Marx, no sentido histórico e com tendências a modernizar o legado comunista e adaptá-lo às condições da Itália. Posteriormente, as cartas escritas aos parentes e amigos foram reunidas e publicadas na obra: “Cartas do Cárcere”.

 O filósofo tinha a preocupação com a melhoria e o desenvolvimento cultural da classe trabalhadora e, dessa forma, elabora uma análise sobre a escola unitária. Gramsci debruçava-se também sobre o estudo da linguagem e das características culturais: a expressão, a língua. Uma de suas maiores contribuições é a ampliação do conceito de Estado. Para ele, a sociedade política é parte constitutiva do Estado, ele estuda as transformações que aconteceram na sociedade, a partir da Primeira Guerra Mundial e aponta a necessidade de educar os trabalhadores e de formar intelectuais provenientes da classe trabalhadora (denominados por ele de intelectuais orgânicos), além de analisa a distinção entre sociedade política e sociedade civil.

Veja, se analisarmos nossa situação hoje, vemos que temos algumas forças políticas que, cada vez mais, pretendem mercantilizar todas as políticas sociais, ao invés de transformá-las. Nessa política neoliberal, querem que as pessoas consumam e não necessariamente que haja uma melhoria das suas condições de vida como trabalhadores, empreendedores e estudantes.

Já para Gramsci, a concepção de mundo se expressa em todas as atividades humanas individuais ou coletivas. Ele aponta que a ideologia é a prática social vivida no dia a dia.  Diz que estamos nos apropriando de hábitos práticos e reproduzindo isso no nosso cotidiano. Quando ele analisa o poder da classe dominante, por exemplo, afirma que ele é garantido principalmente pela hegemonia cultural que as classes dominantes exercem sobre as dominadas, com o controle do sistema educacional, das instituições religiosas e meios de comunicação. Assim, usando desse controle, os dominantes "educam" os dominados para que estes vivam em submissão, inibindo assim sua potencialidade revolucionária. Em nome da ação, os dominantes criam no dominado o sentimento de identificação com os exploradores, contra um inimigo exterior e a favor de um suposto "destino nacional" de uma sociedade concebida como um todo orgânico desprovido de antagonismos sociais objetivos. O poder hegemônico combina e articula a coerção e o consenso. Para ele, a hegemonia é o equilíbrio entre força e consenso e não existe uma sociedade que só use o consenso para instituir o seu poder dominante, da mesma forma, não nem existe uma sociedade que só use a força para conseguir a dominação – há sempre o uso híbrido dessas duas forças.

Gramsci diz que crise da hegemonia se manifesta quando as classes sociais politicamente dominantes não conseguem mais ser dirigentes de todas as classes sociais, isto é não conseguem resolver os problemas de toda a coletividade. A classe social subalterna, quando consegue apontar soluções concretas aos problemas torna-se dirigente e funda um novo bloco social, que se torna hegemônico. Para Gramsci, o momento revolucionário volta-se inicialmente para o nível, político, cultural, ideal, moral. Mas, trespassa a sociedade em sua complexidade, indo ao encontro de sua estrutura econômica, isto é, o conglomerado da estrutura e da superestrutura, as relações sociais de produção e seus reflexos ideológicos.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

Temas