Uma outra dívida da Igreja brasileira

Leia na coluna do pastor Zé Barbosa Jr.: "A Igreja cristã no Brasil (seja católica, evangélica ou espírita kardecista) tem uma dívida muito maior, que inclusive faz parte da estrutura do nosso país, que só após o cristianismo passa a se considerar assim, país: o racismo"

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Desde semana passada um dos temas mais comentados nos noticiários, nos grupos de Whatsapp e redes sociais de uma forma geral foi o tal “perdão” concedido à “dívida de 1 bilhão de reais” que as igrejas têm com o fisco (segundo as matérias publicadas). Já escrevi minha opinião, e continuo sustentando-a, mesmo após o pseudo veto do inominável presidente.

Mas não é dessa dívida que quero falar. Essas são passíveis de discussões jurídicas e, mais ainda, de alguma forma pagáveis. A Igreja cristã no Brasil (seja católica, evangélica ou espírita kardecista) tem uma dívida muito maior, que inclusive faz parte da estrutura do nosso país, que só após o cristianismo passa a se considerar assim, país: o racismo.

Na verdade são duas as dívidas históricas da igreja: o patriarcalismo (que se espalha em seus malditos ramos machismo, misoginia e lgbtfobia) e o racismo. Hoje quero falar desta última maldição. Sim, porque se há maldição, não é oriunda da negritude, mas da “suprema branquitude euroamericana” que chega aqui, fantasiada de fé cristã.

Sim! É preciso pedir perdão pela perversidade da fé que chega no Brasil excluindo indígenas e negros de terem direito a serem gente. Isso mesmo, índios e pretos foram considerados como “coisas”, animais desprovidos de alma, sem direito algum a não ser servir aos “doces e bondosos” brancos cristãos que aqui chegavam com a “missão” de transformá-los em seres “menos inferiores” através de uma catequese maldita e uma evangelização carregada de preconceitos e maldade.

Não. Não basta pedir perdão. Trazendo à tona a frase de Angela Davis: “Não basta não ser racista. É preciso ser antirracista!” e, também resgatando o Cristo não branco, da periferia, revolucionário, que desafia religião e império ao igualar pessoas, homens e mulheres, brancos e negros, sem distinção alguma, baseado na lei maior: o amor. É preciso agir contra a exclusão que há séculos ainda permeia a igreja no Brasil (pra só falarmos do nosso país…)

Meu lugar de fala é terrível, reconheço. Sou homem, cis, hétero, branco e cristão. Trago em mim quase todas as características do opressor e, portanto, trago estruturado em mim os males contra os quais eu luto e resisto. É preciso aprender! É preciso avançar!

É preciso pedir perdão pela pregação que excluiu negros e indígenas do direito de ser gente, direito este que nunca pertenceu aos brancos e nem a eles foi dada a prerrogativa de dizerem quem era e quem não era, mas, da mesma forma que outros ideais e bens, foi tomado dos negros, roubado, aviltado, retirado.

É preciso revisitar a história e “desromantizarmos” momentos de tirania e opressão, como o episódio da “Primeira missa no Brasil”, tão lindamente ensinado em quaisquer escolas de nosso território. Aquela cena é uma violência religiosa, um estupro da fé. Não há nada de bonito naquilo. É a imposição branca sobre a terra, sobre o direito à vida e a territorialidade.

É necessário o pedido de perdão, por parte do protestantismo brasileiro, por ter chegado no Brasil através de pioneiros escravocratas e racistas, alguns até mesmo trazendo seus escravos. Frutos de um evangelho distorcido e maldito que acolhia nas igrejas de origem, nos Estados Unidos, movimentos nojentos e anticristãos como a Klu Klux Klan.

É preciso um pedido de perdão por todos esses anos de silêncio diante da opressão dos negros, da escravatura, do genocídio moderno na juventude negra, dos processos de favelização e tantas outras faces desse racismo, muitas vezes estruturado e “abençoado por deus” pelas mãos de padres, pastores e médiuns racistas (sim… o espiritismo kardecista também tem seus episódios de racismo explícitos na história).

Por fim (deste texto e não das reparações necessárias), é preciso mais que um pedido de perdão, uma luta pelo pleno direito das religiões de matrizes africanas em nosso território. A “desdemonização” de nossas pregações e o acolhimento da fé diversa, como expressão sagrada e legítima de um povo roubado em riquezas, cultura e religião pelos cristãos. Sim, a África não é pobre e maldita, ela foi empobrecida e demonizada pelos brancos cristãos, que lhe devassaram as riquezas naturais e ainda lhe jogaram a pecha de “continente amaldiçoado”. A grande “maldição” da África tem nome: a exploração sofrida pelos brancos.

O racismo não pode mais existir. Não é possível que ainda vejamos irmãos e irmãs negros e negras como pessoas inferiores ou coisa assim. É inadmissível num país como o nosso. É inconcebível para o Cristo. É uma violência para a humanidade.

Essa é a pior dívida, que há séculos tem sido “perdoada” das igrejas.

E não é mais tempo de perdão. É tempo de luta!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum