Vice na chapa não é só para ganhar, é também para substituir – Por João Vicente Goulart

A nação brasileira está sofrendo muito, está querendo sair debaixo desse manto escuro que a cobriu. Está sufocada, desiludida

Alckmin e Lula em seu primeiro encontro oficial, no jantar do Grupo Prerrogativas (Foto: Ricardo Stuckert)
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Temos visto frequentemente em vários meios de comunicação, sejam eles progressistas ou conservadores, em sites diversos e em grandes veículos de comunicação, a possível montagem da chapa Lula- Alckmin, que vem sendo discutida após a saída do ex-governador de São Paulo do seu fiel e antigo PSDB. Tucano de alma e essência, ele agora espera as definições políticas da campanha do ex-presidente Lula a mais alta posição política da nação: a presidência da República.

Muitas resistências de líderes importantes do PT se manifestam sobre a não necessidade desta composição. Entre elas, a recente e lúcida entrevista de Rui Falcão, se posicionando contra a formação da chapa e a desnecessidade política de construí-la.

O ex-presidente Lula, é claro, tem uma afinada intuição política e deve estar vendo, lá na frente, algum ganho com esta formatação, no âmbito político e econômico, que o faz esperar até fevereiro a definição de Alckmin e seu ingresso no PSB.

Caso se confirme aquela velha expressão latina de que “El zorro pierde el pelo, pero no las mañas” (“A raposa perde seu pelo, mas não seus truques”), teremos um grande reacionário, de tradição católica das mais conservadoras - a Opus Day -, representando o pensamento marxista, no segundo cargo mais importante da nação, o de vice-presidente da República.

Se será um obediente cordeiro ou um conspirador, só o tempo dirá.

No processo democrático brasileiro, até o golpe de 1964, que instalou uma ditadura militar por 21 anos, tínhamos na Constituição de 1946 as diretrizes eleitorais da separação eleitoral entre o candidato à presidência e candidato a vice, votados separadamente, não só para uma maior legitimidade do vice-presidente eleito, mas para que, se houvesse necessidade de substituir o titular, não houvesse dúvidas da sua legalidade no processo sucessório.

Sob a égide da Constituição de 1946, tivemos algumas eleições, principalmente a de 1960, onde notoriamente na história nacional, os eleitos Jânio Quadros e João Goulart, presidente e vice, respectivamente, pertenciam a partidos e ideologias completamente diferentes, o que levou, após sete meses de governo, à renúncia do presidente, que desembocou em uma crise institucional provocada por ministros militares golpistas, que não aceitavam a posse do vice, eleito e com votação própria.

O movimento da Legalidade conseguiu construir uma página histórica nacional, no que se refere à proteção da democracia, mesmo tendo o Congresso Nacional aprovado às pressas a emenda constitucional nº4, revogada posteriormente via plebiscito.

Após esta introdução recordativa, haveremos de nos perguntar o que houve no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, quando claramente o seu vice, eleito sem votos e como cauda de cometa, o golpista Michel Temer, conspirou e produziu o famigerado golpe de 2016, com os sequazes do PMDB, Cunha, Aloysio Nunes, Ciro Nogueira, Simone Tebet, Raupp e mais seis senadores do PSB, outros do PDT, do PPS e outros, sem contar o imenso número de deputados ditos progressistas, que votaram a favor do impeachment.

Ora, será que a ida de Alckmin para o PSB o transformaria em socialista e daria a ele uma imagem mais confortável ao eleitor, que se questiona sobre a função do vice-presidente?

No Uruguai e na Argentina, onde por muitos anos da ditadura permaneci no exílio junto à minha família, presenciei inúmeras traições nos golpes dos dois países.

O vice não é como pregam alguns: “Com Lula, o vice não teria influência”. Talvez comparando esta situação com José Alencar, que além de ótimo caráter, era um grande empresário nacional, com visão de desenvolvimento em sua trajetória de visionário em suas indústrias de tecelagem, a Coteminas.

A nação brasileira está sofrendo muito, está querendo sair debaixo desse manto escuro que a cobriu. Está sufocada, desiludida, em lágrimas espirituais de muitas perdas, querendo mudanças para os seres humanos que nela vivem.

Querem, sim, comer três vezes por dia. Mas querem, também, a retomada de seu país, de sua soberania, de suas estatais, de emprego digno, de educação e moradia. Querem o fim da exploração capitalista sobre o trabalho.

Creio, sinceramente, que o candidato Luiz Inácio da Silva tem essa dimensão de reconstruir o Brasil, mas deve também pensar que nesta vida ninguém é insubstituível. Portanto, deve incluir em seus pensamentos de estadista, de conduzir o povo à redenção nacional, a possibilidade do desaparecimento físico no meio da travessia de seu povo, contra o modelo econômico que os sufoca e escraviza. Como líder, sabe que não pode, caso isto aconteça, deixar seu povo navegando na escuridão.

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Portanto, depois de tanta luta contra o fascismo; contra esse ultraliberalismo imposto pelo rentismo bancário; depois do negacionismo e da dor; faz-se necessário a união dos pensamentos contra o ódio e os ressentimentos para começarmos a propor a independência econômica nacional.

Com saúde, educação, distribuição da riqueza nacional e o combate à fome. A luta contra os privilégios de Fiesps, Febrabans, retomada de nossas empresas desnacionalizadas, devolução dos instrumentos de lutas sindicais e seu novo fortalecimento.

A luta será muito árdua, mas teremos que fazê-la.

Não está na hora de só ganharmos uma eleição e, sim, de pensarmos em estar atentos, prevenidos, e de nos perguntarmos quem será o responsável se ocorrer uma fatalidade, se nossa história terá que enfrentar outro caso de tragédia, como foi Tancredo?

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Ou como a Argentina, quando perdeu Perón, em 1974, e teve que aceitar atrás de Isabelita, um Lopez Rega que fundou a triple A, e a fez crescer e desembocar na tragédia Videla em 1976, com mais de 30 mil mortos e desaparecidos por um golpe sanguinário?

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.