Você sabia que Bolsonaro está tentando vender nossa autonomia tecnológica? – Por Deivi Lopes Kuhn

Em vez de procurar nossa soberania, o governo está vendendo a inteligência de Tecnologia da Informação e Comunicação governamental com a privatização do Serpro e da Dataprev e nos expondo a corporações e nações estrangeiras

Imagem: Tribunal de Contas de Pernambuco
Escrito en OPINIÃO el

Por Deivi Lopes Kuhn e Marco Sobrosa *

Edward Snowden de forma corajosa mostrou para o mundo que o governo dos Estados Unidos e seus aliados, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, invadiram o Ministério de Minas e Energia, a Presidência da República e a Petrobras. Os documentos compartilhados mostraram que os chamados “five eyes” utilizaram a “luta” contra o terrorismo como desculpa para obter informações privilegiadas por interesse comercial.

O National Security Agency (NSA), órgão de espionagem do governo americano, mapeou o comportamento de pessoas estratégicas da Presidência da República e roubou dados sobre as reservas de petróleo. Já o Canadá, maior competidor mundial do Brasil em recursos minerais, obteve informações estratégicas sobre jazidas minerais do nosso país. Na época, o Brasil implantou ações para proteger suas informações e que foram simplesmente abandonadas nos últimos anos.

Na estrutura do governo federal existem dois órgãos estratégicos na área de tecnologia da informação, o Serpro e o Dataprev. Eles possuem informações sobre todas as pessoas e empresas brasileiras e garantem a soberania tecnológica e proteção dos nossos dados. Até o momento não houve divulgação de nenhuma invasão de espionagem neles.

O governo Bolsonaro está anunciando a venda dessas empresas, justamente elas que garantem a nossa autonomia e capacidade de negociar de igual para igual com qualquer grande corporação ou país. Se olharmos o mercado privado é fácil perceber que as grandes empresas possuem sua própria área de tecnologia, e que a gestão é feita de forma cuidadosa. Provavelmente elas serão adquiridas por empresas norte-americanas ou chinesas.

Muita gente conhece o Serpro como a empresa do Imposto de Renda e a Dataprev como a que realiza o processamento do pagamento dos aposentados, soluções implementadas com excelência. Toda a movimentação financeira do governo federal, contabilidade, documentos pessoais, dados trabalhistas e notas fiscais são desenvolvidas e operadas por elas. Estamos falando de milhares de sistemas e de uma infinidade de dados armazenados nos grandes centros de processamentos do Serpro e Dataprev.

Ignorar o papel estratégico dessa área nos leva à riscos de segurança como as que ocorreram nas recentes invasões a órgãos da administração pública, como o STJ, TSE e Ministério da Saúde. O caso mais grave foi do STJ, pois os crackers simplesmente tomaram conta dos computadores e criptografaram todos os dados, que precisariam de uma senha de conhecimento exclusivo dos invasores para devolver o acesso aos mesmos. Invasões a sistemas do governo podem acarretar prejuízos incalculáveis. Por exemplo, alterar o titular de uma restituição do imposto de renda, do tipo de sangue de um paciente, de uma condenação da justiça ou da fila de espera de transplante.

O Serpro e a Dataprev têm como diferencial a segurança da informação e possuem como objetivos o sucesso na execução de políticas públicas e o interesse nacional. Enfim, atuam em função do nosso país e não de simples interesses comerciais. Esse papel estratégico acaba gerando um melhor nível de proteção nos sistemas utilizados pela administração pública.

Outro tema relevante é privacidade e proteção de dados. A aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (13.709/2018), que entrou em vigor em 18 de setembro de 2020, exige que os governos se ajustem para garantir os direitos dos cidadãos. O Serpro e a Dataprev possuem as melhores condições para proteger nossas informações. Ao ter apenas funcionários concursados e obrigados a atuar conforme os regramentos o objetivo não será apenas para garantir maior lucratividade. Colocar nossos dados nas mãos de empresas de outros países, regidas por outras legislações, pode levar a uma exposição das pessoas e empresas. Imagine o seu imposto de renda aberto, com dados de identificação, renda, bens, dívidas, dados bancários, doações, dependentes e rendimentos dos investimentos, sendo utilizado de maneira indevida.

A falta de visão estratégica do atual governo nos deixará um estado acéfalo, sem capacidade de se relacionar em condições de igualdade com as poderosas corporações de tecnologia. Estaremos submetidos aos riscos de ter nossos dados privados sob gestão de empresas que possuem como modelo de negócio coletar e processar todas as nossas informações para nos conhecer de forma profunda e vender isso a quem estiver disposto a pagar[1].

Já era esperado que o modelo neoliberal em execução pelo presidente Bolsonaro fosse afetar a capacidade do estado na execução de políticas públicas necessárias para a população brasileira. Mas a destruição foi além, várias estatais muito lucrativas foram ou serão vendidas a preços de ocasião com financiamento do próprio governo. Nossas contas públicas ficarão ainda piores. E ao vender o Serpro e Dataprev perderemos o resultado de um investimento de mais de 50 anos, iniciado no tempo em que os militares ainda eram nacionalistas, e significará o fim da nossa soberania, da privacidade dos nossos cidadãos, do poder de competição de nossas empresas.

Informações e conhecimento hoje, mais do que nunca, significam poder[2]. Sabemos que os EUA, prováveis compradores das empresas públicas de TI, continuam espionando vários países, inclusive aliados[3], para obter informações estratégicas. Entregar nossas bases de dados, sistemas e a própria autonomia do Brasil não se trata de política econômica, mas de um crime de lesa-pátria. O falso nacionalismo infelizmente enganou grande parte da população brasileira. Precisamos denunciar a entrega não apenas do nosso patrimônio, mas de toda a nossa tecnologia, inteligência e capacidade de competir.

O presidente Bolsonaro, ao concretizar essa venda, estará abrindo nossas portas justamente para quem nos roubou. Ao invés de saudar a bandeira norte-americana, ele deveria saudar a bandeira brasileira, nosso símbolo nacional.

Para saber mais acesse a campanha Salve Seus Dados.

*Marco Sobrosa é analista de sistemas, representante eleito dos empregados no Conselho Administrativo do Serpro e ativista pelo Estado democrático de direito, na luta pela preservação do Serpro e Dataprev como empresas públicas (colaboração)


[1]https://revistaforum.com.br/debates/voce-ja-se-imaginou-usando-uma-tornozeleira-eletronica-por-deivi-kuhn/

[2]    https://www.youtube.com/watch?v=RSc_IlFBWkw&t=4s

[3]      https://www.youtube.com/watch?v=I4TdQ61Hz9I