"Vou dar porrada!": O valentão honesto e o milagre das rachadinhas

Leia na coluna de Henrique Rodrigues: Demos mais atenção ao rompante fajuto de incivilidade e valentia (de um notório falastrão), ao ameaçar o jornalista, do que ao fato central: sua esposa recebe valores regulares do miliciano que opera uma rede criminosa de distribuição de dinheiro desviado de funcionários fantasmas

Escrito en OPINIÃO el

Bolsonaro é mesmo um homem com múltiplas habilidades, um polímata de quem devemos nos orgulhar. Levantemos as mãos para os céus e agradeçamos por sua liderança.

Já conhecíamos a face cientista deste gênio da espécie humana que nos governa. Certa vez, num de seus lindos pronunciamentos oficiais, com todo o porte de estadista que lhe cabe e em linguagem erudita, Bolsonaro disse que a Covid-19 não passava de uma gripezinha, que talvez matasse não mais do que 800 pessoas, para em seguida receitar a todos a milagrosa cloroquina. O medicamento tem tanto efeito quanto uma colherada de farofa e os mortos já passaram de 117 mil no Brasil.

Precisamos lembrar também que já era conhecido o seu lado historiador apurado, sociólogo da vida, quando afirmou que no Brasil não há fome e que a questão ambiental só interessava aos veganos porque eles comem apenas vegetais.

Um mito. Verdadeiro soberano sebastianista que nos conduzirá ao empíreo.

Agora, Jair Bolsonaro, o nosso farol de Alexandria, que nos guia pelos caminhos da verdade que só ele conhece (lembram da ridícula frase bíblica repetida cinicamente?), resolveu mostrar sua versão Maçaranduba, o épico valentão marombado de Casseta e Planeta nos anos 90, que a todo momento ia "dar porrada".

No último domingo, saindo de uma visita aos camelôs da Catedral de Brasília, Bolsonaro foi questionado por um repórter de "O Globo" sobre os 89 mil reais depositados por Fabrício Queiroz na conta de sua esposa Michelle. Nervoso e incomodado, como quem veste uma calça jeans molhada, o presidente ameaçou o jornalista na frente de todos, sem qualquer pudor.

"Minha vontade é encher tua boca de porrada!"

Tenho alertado àqueles que leem este espaço, há algum tempo, que a escalada autoritária do maior delinquente imoral que já tivemos na cadeira mais alta da República não vai parar do dia para a noite, como num passe de mágica, só porque setores do establishment tiveram uma conversa séria com ele, daquelas que os pais têm com os filhos problemáticos.

A sanha de Bolsonaro pelo poder absoluto e por implantar seu regime distópico de sociopatas não vai simplesmente murchar porque Rodrigo Maia e o centrão explicaram ao odioso e inveterado projeto de ditador fascista que isso não pega bem.

É necessário um esforço muito maior para cessar o avanço dessa mentalidade grotesca, sobretudo por vir de um homem que tem sua vida pública mais suja do que pau de galinheiro. Se não bastasse todo esse fuzuê assustador que Bolsonaro tenta emplacar, não podemos esquecer que falamos de um sujeito que enfrenta uma enxurrada de acusações de corrupção e desvio de dinheiro público por meio de uma rede gigante de laranjas e funcionários fantasmas atribuída a ele e seus filhos.

Um comportamento desses, ainda que viesse de uma pessoa com conduta ilibada até então, já seria inaceitável. No caso de Bolsonaro, é inacreditável a inação de todos os segmentos da sociedade e de todas as esferas de poder frente a alguém que se comporta como um jagunço defensor do pensamento medieval e que tem sobre suas costas toneladas de acusações de picaretagem acumuladas ao longo de décadas.

Demos mais atenção ao rompante fajuto de incivilidade e valentia (de um notório falastrão), ao ameaçar o jornalista, do que ao fato central: sua esposa recebe valores regulares do miliciano que opera uma rede criminosa de distribuição de dinheiro desviado de funcionários fantasmas.

Dinheiro não cai do céu e Fabrício Queiroz não é o Papai Noel. Esse volume de grana, seja em espécie, cheques ou transferências, sempre em datas regulares e com valores redondos, destinado a diferentes membros do clã, vindo de caixas-eletrônicos ou da maravilhoso fábrica de chocolates do Flavinho, não pode servir apenas como pano de fundo para nossa indignação.

Há muito mais coisa aí e essa trambicagem precisa permanecer como fio condutor das investigações que um dia podem levar à derrocada desse acidente histórico que pilota o Brasil.

Então você vai perguntar: e quanto às ameaças do pitbull do Planalto? Creio que devemos permanecer denunciando, alertas, mas fazendo ouvidos moucos para as bravatas do maior mitômano da História do Brasil (esta semana surgiu até um vídeo em que o parvo mentiroso compulsivo diz ao ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, ter combatido a guerrilha na Ditadura Militar).

Por fim, o que interessa é somente aquilo questionado pelo repórter em Brasília… Presidente Bolsonaro, por que sua esposa, Michelle Bolsonaro, recebeu 89 mil reais do Queiroz?

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum