"A esperança foi assassinada a pauladas": o emocionante relato do jornalista que conheceu Moïse Kabamgabe

Caio Barretto Briso publicou um relato sobre como conheceu o congolês em suas redes sociais e a postagem viralizou; leia aqui

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"Eu queria ter esperança, queria acreditar que as coisas podem melhorar, mas a esperança foi assassinada a pauladas atrás de um quiosque". Esta frase, escrita pelo jornalista Caio Barretto Briso, faz parte de um emocionante relato que publicou em suas redes sociais sobre como conheceu o congolês Moïse Mugenyi Kabamgabe, assassinado de maneira brutal após cobrar uma dívida de trabalho em um quiosque no Rio de Janeiro.

Briso conta que conheceu Moïse quando foi fazer uma reportagem na favela Cinco Bocas sobre a vida dos congoleses no Brasil. "Acabei me aproximando de um dos seus melhores amigos. Chadrac me apresentou a vários conterrâneos. Na hora do almoço, convidei-o para comer. Ele agradeceu mas recusou: não se sentiria bem almoçando em um restaurante enquanto amigos passavam fome. Fomos então ao supermercado e enchemos um carrinho de comida. Comecei a entender ali quem eram aqueles imigrantes: se um come, todos comem. Se um passa fome, todos passam fome", diz o jornalista no início de seu relato, que viralizou.

Briso autorizou a Fórum a republicar o relato. Leia abaixo a íntegra.

“Conheci Moïse quando fui à favela Cinco Bocas, em Brás de Pina, fazer uma reportagem sobre a vida dos congoleses no Rio. Acabei me aproximando de um dos seus melhores amigos. Chadrac me apresentou a vários conterrâneos. Na hora do almoço, convidei-o para comer. Ele agradeceu, mas recusou: não se sentiria bem almoçando em um restaurante enquanto amigos passavam fome. Fomos então ao supermercado e enchemos um carrinho de comida. Comecei a entender ali quem eram aqueles imigrantes: se um come, todos comem;  se um passa fome, todos passam fome. Conheci um economista congolês que falava francês, lingala, português e inglês. Sonhava ser contratado como tradutor na Rio2016, mas só conseguiu vaga como voluntário. Um administrador virou faxineiro. Chadrac, formado em Hotelaria, carregava pedras em troca de R$ 60 por dia. A coordenadora da Cáritas RJ (projeto social apoiado pela Agência da ONU para Refugiados), Aline Thuller, contou, à época, que empresários cariocas preferiam contratar imigrantes brancos, como os sírios. Congoleses, angolanos e haitianos só eram procurados para trabalho braçal – como carregar e descarregar caminhão de pedra, caso do Chadrac. Um mês antes de João nascer (filho de Caio), demos uma festa pra 100 pessoas lá em casa. Enchi a playlist de Fally Ipupa, Simaro Lutumba e chamei Chadrac e seus amigos. Moïse, mais sossegado, não foi. Vocês já viram um congolês vestido pra uma festa? São os mais elegantes e melhores dançarinos do mundo. No sábado à noite, Chadrac me ligou pedindo ajuda. Contou, chorando, que mataram Moïse. Não consigo pensar em outra coisa desde então, assim como não consigo esquecer um bebê recém-nascido, cujo pai, um homem chamado Luta, batizou-o de Vencedor. Era o primeiro carioca da família. Luta fugiu para o Brasil com sua mulher grávida. Sonhava em ser jogador no país do futebol, mas acabou no subemprego. Uma vez, liguei pra saber como estavam: Vencedor tinha morrido. Segundo o pai, de desnutrição, pois a família só tinha dinheiro pra comer ‘fufu’ (fubá em lingala). A situação dos congoleses, angolanos e haitianos no Brasil é terrível e atravessa governos de centro-esquerda e extrema-direita de forma surpreendentemente parecida. O racismo estrutural bloqueia avanços profundos. Eles têm as nossas lágrimas, mas só podem contar com eles mesmos. Eu queria ter esperança, queria acreditar que as coisas podem melhorar, mas a esperança foi assassinada a pauladas, atrás de um quiosque. Que Eduardo Paes faça algo por Cinco Bocas. Que Cláudio Castro priorize o caso Moïse. Vocês acreditam nisso? Eu não”.

https://twitter.com/caio_/status/1488558897858330628