PREVENT SENIOR

Caso Prevent Senior: “inquérito da delegada parece defesa da empresa”, dizem famílias

Polícia Civil arquiva investigação contra operadora; parentes de vítimas reagem com perplexidade, indignação e lágrimas.

Sede da Prevent Senior.Créditos: Divulgação
Escrito en SAÚDE el

Foi com perplexidade, indignação e lágrimas que familiares das vítimas da Covid-19 receberam a notícia do arquivamento da investigação, por parte da Polícia Civil de São Paulo, da Prevent Senior. O documento isenta funcionários da operadora de saúde dos crimes de homicídio e tentativa de homicídio em decorrência da prescrição para pacientes com coronavírus do chamado kit-Covid, coquetel de medicamentos sem eficácia comprovada.

De acordo com o inquérito instaurado pela delegada Lisandrea Colabuono, da 1ª Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes contra a Liberdade Pessoal, a análise de prontuários médicos não comprovou imperícia ou negligência por parte dos médicos da operadora, conforme denúncia.

“Fiquei irritada e chorei muito com a divulgação desse relatório que, pra mim, foi algo abusivo”, desabafou Andrea Rotta, viúva do empresário Fabio Senas, de 51 anos, que ficou internado com Covid-19 em um hospital da Prevent Senior, mas não sobreviveu.

“Eu me senti ridicularizada e invisível. É inadmissível que um relatório seja finalizado sem escutar a parte que mais interessa”, relata Andrea. A indignação dela é corroborada por Renato Simões, coordenador Executivo da Associação Vida e Justiça. Ele declarou à Revista Fórum que das 50 famílias que fazem parte da Associação Vida e Justiça, que reúne os parentes das vítimas, apenas cinco foram ouvidas no inquérito.

“Que provas ‘técnicas’ podem ser conclusivas para o arquivamento do inquérito, se a maioria dos prontuários dessas vítimas ainda está em posse do Instituto de Medicina Social e de Criminologia, o Imesc, desconhecendo-se o resultado das perícias realizadas? Valem apenas os cinco casos mencionados no relatório final para as conclusões do inquérito?”, pergunta Simões em nota distribuída à imprensa (leia a íntegra abaixo).

Cloroquina goela abaixo

“Eu pedi socorro, fui cinco vezes presencialmente à Prevent Senior, sem contar as vezes que nos falamos por telemedicina”, afirma Andrea. “Eles falavam pra mim: ‘volta e continua tomando o kit-Covid que isso vai melhorar’. Tem uma citação no relatório que diz que eles seriam perdoados porque o caso do Fabio aconteceu no início da pandemia, quando ainda não havia grandes estudos e nem protocolos definidos. É mentira, meu esposo faleceu depois de um ano que quase um mês de pandemia. No ano passado, no final de março, quando todos já sabiam que o kit-Covid era completamente ineficaz”, denuncia.

“Eles enfiaram goela abaixo do meu marido o kit-Covid pra não ter que internar, pra reduzir custos. Quando foi a sexta vez que eu fui com ele para o pronto-socorro internaram e ele já foi direto pra UTI e, no dia seguinte, ele já foi entubado e daí a 14 dias morreu, ele morreu. Omitiram socorro sim, eu vou morrer, mas eu vou provar isso”, encerra.

Inquérito parece defesa da empresa

Simões diz em sua nota que “os argumentos da encarregada do inquérito pelo seu arquivamento mais parecem obra da defesa da empresa, repetindo o mantra da direção da Prevent Senior de que todas as denúncias contra ela seriam apenas uma injustiça fruto de perseguição política”.

O CEO da Prevent Senior, Fernando Parrillo, usa frases muito semelhantes com as do relatório da Polícia Civil.

Relatório deve ser investigado

A antropóloga e pesquisadora Adriana Dias comentou durante o programa Fórum Onze e Meia, nesta quarta-feira (20), que o relatório da delegada deve ser investigado. “O que aconteceu dentro da Prevent Senior foi um caso de eugenia, um caso de uso de pessoas para experiência médica, com corpos humanos sem nenhuma autorização e também de utilização de remédios que não tinham nenhuma autorização.”

“Os médicos da Prevent Senior não estão muito distantes de Mengele [o médico nazista Josef Mengele, que realizou experimentos com prisioneiros de campos de concentração que seriam mortos posteriormente]. Esse relatório dessa delegada tem que ser inclusive investigado. Por que ela ignora todas essas associações”.

Adriana diz ainda que “foi a Prevent Senior que fez o protocolo que o presidente Jair Bolsonaro queria utilizar para o SUS. Há uma relação íntima entre governo e a operadora”.

Próximos passos

A nota de Renato Simões deixa claro que os familiares das vítimas não aceitarão o relatório final da delegada Lisandrea Colabuono. “Cabe ao Ministério Público as providências para que o inquérito continue com profundidade, transparência e isenção. A Polícia Civil pode fazer mais e melhor em defesa dos direitos da população num caso tão rumoroso e desafiador”, encerra o texto.

Leia a nota na íntegra abaixo:

Nota pública

O Grupo de Trabalho das Vítimas da Prevent Senior da Associação Nacional Vida e Justiça em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da COVID recebeu com perplexidade e preocupação o encerramento das investigações do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil paulista a respeito das graves denúncias de múltiplas violações de direitos humanos promovidos nas unidades de saúde daquela empresa.

Um singelo e mal alinhavado relatório de treze páginas, subscrito pela delegada Dra. Lisandrea Zonzini S. Colabuono, resume em suas alegações de forma singela os resultados de uma investigação quase que superficial, pela complexidade dos fatos trazidos a apuração pelos substanciosos estudos das CPIs da COVID do Senado Federal e da Prevent Senior, da Câmara Municipal de São - estes últimos, cujos trabalhos foram encerrados em 4 de abril, sequer foram considerados para análise mais detalhada daquele órgão policial.

Os argumentos da encarregada do inquérito pelo seu arquivamento mais parecem obra da defesa da empresa, repetindo o mantra da direção da Prevent Senior de que todas as denúncias contra ela seriam apenas uma injustiça fruto de perseguição política. Antecipa-se a delegada na abertura de seu relatório (fls. 696) que seu trabalho foi eminentemente "técnico", "afastando-se por completo de qualquer motivação político-partidária", quase a penalizar as vítimas por terem levado seu clamor por justiça a órgãos oficiais de investigação parlamentar, constituídos para apurar crimes praticados no contexto de uma pandemia que, no Brasil, em particular, ganhou contornos de verdadeiro genocídio.

Que relatório "técnico" é esse que exclui o depoimento das mais de 50 vítimas que já foram ouvidas pela força-tarefa do Ministério Público do Estado de São Paulo para investigação dos crimes da Prevent Senior?

Que provas "técnicas" podem ser conclusivas para o arquivamento do inquérito, se a maioria dos prontuários dessas vítimas ainda está em posse do Instituto de Medicina Social e de Criminologia, o IMESC, desconhecendo-se o resultado das perícias realizadas? Valem apenas os 5 casos mencionados no relatório final para as conclusões do inquérito?

Serão consideradas "técnicas" apenas as perícias disponibilizadas pela defesa da Prevent Senior, obviamente parciais?

A sra. Delegada levou em consideração, por exemplo, o laudo de 2022, emitido pela Agência Nacional de Saúde, que apontou mais de 50 irregularidades nas práticas da empresa Prevent Senior, ou apenas os laudos mencionados no relatório, referentes a 2020 e 2022?

Teria sido menos "técnica" a ANS em seu mais recente relatório, que aqueles emitidos no calor das primeiras denúncias?

As vítimas e seus familiares não aceitam esse triste desfecho de uma investigação que mal tinha começado e já foi abortada por esse relatório final inconsistente e parcial. Estamos requisitando cópia de inteiro teor do inquérito para uma análise mais detalhada e contestação de seus resultados a partir de uma leitura completa do trabalho produzido.

O encerramento precoce do inquérito surpreende, pela falta de conexão com as investigações do Ministério Público e pela falta dos requisitos que recentemente, na semana passada, estabelecemos com o Sr. Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Mário Sarrubbo: transparência, zelo na busca das provas, participação das vítimas e seus familiares nos quesitos das perícias encomendadas sobre os prontuários e outros documentos anexados aos autos, aprofundamento das várias linhas de investigação sobre a natureza e tipificação dos crimes denunciados.

Nada disso se verificou, lamentavelmente, nos trabalhos ora encerrados. NÃO ACEITAREMOS! Cabe ao Ministério Público as providências para que o inquérito continue com profundidade, transparência e isenção. A Polícia Civil pode fazer mais e melhor em defesa dos direitos da população num caso tão rumoroso e desafiador.

São Paulo, 20 de abril de 2022.

Renato Simões – Coordenador Executivo da Associação Vida e Justiça

Veja o relatório da Polícia Civil.

 

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