EMERGÊNCIA CLIMÁTICA

Calor extremo responde pelo aumento de causas de morte no RJ, mostra Fiocruz

Métrica desenvolvida em estudo considera o impacto cumulativo das altas temperaturas, decorrentes da crise climática, na saúde pública

População negra é afetada de forma desproporcional pelas altas temperaturas no Rio.Créditos: Tomaz Silva/Agência Brasil
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Um estudo da da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), revela que o calor intenso no Rio de Janeiro não é um chamado para aproveitar a praia, mas um fato de risco direto à saúde. A pesquisa “Quantificando a exposição ao calor e sua mortalidade relacionada na cidade do Rio de Janeiro”, aponta que as altas temperaturas estão relacionadas ao aumento de mortes na cidade, especialmente entre idosos e pessoas com doenças como diabetes, hipertensão, Alzheimer, insuficiência renal e infecções do trato urinário.

O estudo avaliou os 466 mil registros de mortes naturais entre 2012 e 2024, além de mais de 390 mil óbitos relacionados a 17 causas específicas, das quais 12 mostraram um aumento significativo na mortalidade de idosos durante períodos de calor extremo.

“Esses resultados dialogam com a literatura existente sobre o tema. A maioria dos estudos sobre calor e mortalidade concentra suas análises em doenças cardiovasculares e respiratórias, sobre as quais os efeitos fisiológicos no corpo humano são bem conhecidos. Mas, há estudos que relatam esses efeitos também para doenças metabólicas”, afirma João Henrique, autor do estudo.

O Protocolo de Calor da Prefeitura do Rio de Janeiro, implementado no ano passado, classifica os Níveis de Calor (NC) de 1 a 5, indicando riscos e ações a serem tomadas. O NC 4, caracterizado por temperaturas superiores a 40 °C por quatro horas ou mais, está associado a um aumento de 50% na mortalidade de idosos por doenças como hipertensão, diabetes e insuficiência renal. 

“Em Nível 5, de duas horas com Índice de Calor igual ou acima de 44 °C, esse mesmo aumento é observado e é agravado conforme o número de horas aumenta. Portanto, o estudo confirma que nesses níveis extremos definidos no protocolo o risco à saúde é real”, lembra o pesquisador.

As principais causas de morte na população carioca são se intensificam com calor extremo:

  • Gripe e pneumonia;
  • Hipertensão;
  • Infarto agudo do miocárdio (IAM);
  • Acidente vascular cerebral (AVC);
  • Doença de Alzheimer e outras formas de demência;
  • Diabetes;
  • Insuficiência renal.

Essa confirmação reforça o alerta para a gravidade das mudanças climáticas na região. No Rio de Janeiro, os dois últimos anos foram os mais quentes da história, e o ano de 2024 marca um novo recorde: a temperatura média global ultrapassou 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, de acordo com o Copernicus.

“Medidas individuais são importantes, mas é necessário ter políticas públicas que adequem as atividades e protejam a população. Populações específicas estão em alto risco - como trabalhadores diretamente expostos ao sol, populações de rua, grupos mais vulneráveis (crianças, idosos, pessoas com doenças crônicas), e populações que vivem nas chamadas Ilhas de Calor Urbano”, conta João Henrique.

Segundo ele, as medidas no Protocolo de Calor do Rio, como a criação de pontos de hidratação e resfriamento, ajustes nas atividades laborais, comunicação contínua com a população e a suspensão de atividades de risco em situações críticas, devem ser aplicadas de forma rigorosa e adotadas em outras cidades para proteger a saúde pública, especialmente dos grupos mais vulneráveis.

Nova métrica

A métrica utilizada pelo pesquisador é a Área de Exposição ao Calor (AEC), que leva em consideração um fator crucial que outras medidas ignoram: o tempo de exposição ao calor. O estudo demonstra que esse tempo é um fator determinante na mortalidade, especialmente para idosos. A exposição a 64ºCh aumenta o risco de morte em 50%, e a 91,2°Ch, esse risco dobra.

Para os idosos, uma AEC de 64ºCh aumenta em 50% o risco de morte por causas naturais, e esse risco dobra quando o índice atinge 91,2ºCh. O estudo destaca a onda de calor de novembro de 2023 como exemplo. No dia 17, quando Ana Clara Benevides faleceu após passar mal no estádio Nilton Santos e mais mil passaram mal, o índice de calor no Rio ficou acima de 44°C por oito horas, estabelecendo um recorde de AEC. No dia seguinte, 18 de novembro, foi registrado o maior número de mortes de idosos por causas específicas, totalizando 151.

“Ao considerar apenas medidas-resumo (médias ou máximas) podemos subestimar dias anormalmente quentes. Quando comparamos a performance dos modelos, ou seja, o quão bem conseguiram explicar a mortalidade, vemos que incluir os modelos utilizando a métrica AEC tiveram a melhor performance para 13 das 17 causas estudadas”, conclui o autor no estudo. A pesquisa completa da Fiocruz está disponível ao final da reportagem.

Políticas de clima e saúde ainda são desconectadas no Brasil

O relatório do Grupo de Estudos Saúde Planetária da USP, intitulado “Avanço e integração das políticas de clima e saúde no Brasil: percepções de stakeholders brasileiros”, alerta para o descompasso entre as políticas de clima e saúde no Brasil. Segundo o estudo, o Sistema Único de Saúde (SUS) está sendo cada vez mais sobrecarregado por pessoas afetadas por eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas e enchentes, propulsores de doenças como dengue, malária, zika e chikungunya e outros problemas que agravam a saúde pública.

Em diversas regiões do Brasil, trabalhadores e trabalhadoras que saem de casa para o trabalho já estão vivenciando os impactos da crise climática, muitas vezes sem perceber. O calor extremo e as chuvas intensas afetam principalmente os locais mais frequentados pela população, as áreas periféricas e atinge de forma desproporcional as comunidades mais vulneráveis, pobres, quilombolas e indígenas. É a realidade do racismo ambiental e climático.

No estado do Rio de Janeiro, um conjunto de diversos dados - e experiências - também revela as faces cruéis do racismo ambiental e as tragédias que ele já provocou e vai provocar nos próximos anos. Apesar da capital ter maior destaque nos estudos de impacto das mudanças climáticas, os dados dos municípios da Região Metropolitana expõem que são essas áreas e suas populações que mais sofrem com o racismo ambiental e climático.

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