Opinião

Pepe: 90 anos de arte e futebol – Por Gustavo Valente Souto de Castro

Pepe foi o maior na artilharia, só ficando atrás de Pelé, que espirituosamente é definido por ele como “vindo de Saturno”

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Pepe: 90 anos de arte e futebol – Por Gustavo Valente Souto de Castro
José Macia, o Pepe. Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC

Um merecido tributo a José Macia, mundialmente conhecido no universo futebolístico como “Pepe”, está ocorrendo no Museu Pelé em Santos, à Rua Marques de Monte Alegre, Largo do Valongo, com entrada gratuita, até 11 abril de 2026. O evento tem a curadoria e concepção de Claudia Toledo, Ney Caldatto, Gisa Macia e Paulo Monteiro.

A Exposição “Pepe: Futebol, Vida e Glória” reúne um acervo precioso que, através de registros históricos - prêmios, objetos pessoais, fotos das campanhas do Santos -, conta a trajetória do jogador.

Pepe sagrou-se o maior artilheiro do Santos em todos os tempos com 403 gols em 756 jogos, defendendo a camisa do Peixe de (1954 até 1969). Foi um dos maiores pontas-esquerdas da história do futebol, unanimidade entre os jogadores do passado e do presente.

Pepe foi o maior na artilharia, só ficando atrás de Pelé, que espirituosamente é definido por ele como “vindo de Saturno”, alusão a Pelé como sendo fora de comparação, fora dos limites do humano, frase corroborada pelo craque holandês Cruyff, que definiu o Rei Pele como “fora da lógica”.

Pepe teve uma carreira vitoriosa também como técnico do Santos, à frente do São Paulo (campeão brasileiro de 1986), na Inter de Limeira, Atlético Mineiro. Atingiu a incrível marca de 13 vezes campeão paulista, 11 como jogador e duas como técnico. A exposição, muito bem organizada cronologicamente, nos dá a dimensão de Pepe e o legado por ele deixado para as futuras gerações.

Cena da abertura do evento - Foto: Divulgação

Uma noite de gala para o futebol na abertura do evento no Museu Pelé, com presenças ilustres, como Jonas Eduardo Américo (Edu), que chegou ao Santos Futebol Clube em 1965 com apenas 15 anos. No ano seguinte estaria na Copa de 66, na Inglaterra. Edu, nostálgico e feliz, em entrevista generosamente concedida a mim disse:

“Um time igual ao Santos da década de 60, com aquela qualidade técnica e tática, nunca mais”.

O sergipano Clodoaldo Tavares de Santana, simplesmente Clodoaldo, outro craque, também chegou ao Santos muito cedo com apenas 13 anos. Começou nas categorias de base do clube, de origem muito humilde, tendo morado nos alojamentos do “Urbano Caldeira”, a popular Vila Belmiro.

Em 1966 fez sua estreia como profissional com apenas 16 anos. Aos 21 anos já era titular da seleção na Copa de 70. Um volante marcador, habilidoso, admirado.

Bonito, no entanto, é ver como jogadores da grandeza de Edu, Clodoaldo, Pepe, multicampeões por onde passaram, jogadores de seleções vencedoras, são tão amáveis e gentis com o público, com os fãs, com a imprensa e colaboradores de modo geral.  Isso, traduz por que esse time do Santos é até hoje referência de equipe e símbolo de futebol-arte, muito e sobretudo, por causa do talento dos jogadores, mas também pela postura ética, extremamente profissional e pela conduta desprovida de vaidades, de soberba, de estrelismo.

Contrariamente ao futebol atual, muito midiático, mecânico e protocolar, sem generalizar, é claro. Pepe e cia. têm essa simpatia e conexão com o povo, com os fãs, de modo natural e espontâneo.

Todos no grande Santos jogavam para o time, com o time e pelo time. Não por acaso, esse esquadrão encantou a cidade de Santos, o mundo e a Via-Láctea, com apresentações memoráveis, a exemplo, das vitorias sobre o Peñarol, por 3 a 0, em 1962, na Libertadores, e contra o grande Hamburgo, também em 1962. Em noite inspirada, o time deu aula de futebol em território alemão e foi manchete nos jornais do mundo todo.

Fica o exemplo para a geração atual de um timaço que nos ensina que é inútil o brilho solitário em constelação escura: é preciso brilhar coletivamente.

Outra coisa a notar é o sentido pátrio desses jogadores do passado, a responsabilidade que tinham e a consciência de estar representando um País, uma Nação. Pelé e cia. tinham essa percepção da responsabilidade de representar e personificar o sonho de milhões de brasileiros, daí porque o esforço e o compromisso, o sentimento de entrega em campo.

O futebol atual vive, visivelmente, uma entressafra e a nova geração precisa internalizar o resgate desse sentimento de nacionalidade, de entrega, a fim de retomar nosso respeito e ocupar o lugar que nos é de direito.

Senti, no evento de abertura da exposição, a falta de alguns expoentes do Santos de hoje, o que revela certa desconexão do “presente com o passado”. Reverenciar os mestres do passado não é mero saudosismo antiquado, muito ao contrário, é aprender com essa geração brilhante a conduta dentro e fora do campo.

É claro que cada época é uma época, cada geração tem seus desafios, seus códigos, sua filosofia de trabalho, suas glórias e percalços, sua própria identidade, seus erros e acertos, isso é fato. Contudo, revisitar e reverenciar os mestres é importante. O presente deve, necessariamente, dialogar com o passado, sob pena de cair na estagnação ou, pior ainda, no retrocesso, como temos visto no caso da nossa seleção canarinho. Talvez por conta dessa falta de diálogo, o futebol brasileiro tenha produzido sucessivos maus resultados nos últimos 23 anos.

Edinho, filho do rei, enfatizou emocionado: “Essa coisa da conduta desses jogadores da geração de meu pai, eles formavam uma família". Ele mesmo, o maior de todos, nosso Rei, que está aqui hoje, em essência, jogava para o time e dividia as glórias com o mesmo time. Resultado: uma equipe multicampeã que conquistou o respeito da África ao Velho Mundo.

O momento máximo da noite foi quando Pepe, sentadinho na cadeira no alto de seus 90 anos, junto de seus familiares, ouviu os depoimentos, gravados especialmente para ele, de craques de várias épocas, vários tempos, de vários templos, reverenciando o mestre. Um brilho no olhar característico daqueles que cumpriram sua missão a contento, a missão na vida e no futebol. Com olhar marejado de emoção, a cada fala eu via uma viagem nos olhos de Pepe. Além do talento enorme como jogador, um homem ético, gentil, generoso. Uma noite para guardar como um sinal de uma geração vitoriosa que deixa um legado de um futebol impecável, de ética, paixão, talento e compromisso com nosso povo e com nossa história.

*Gustavo Valente Souto de Castro é jornalista.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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