De novelas clássicas como Vale Tudo a realities como A Fazenda ou Casamento às Cegas, muita gente liga a TV só para reclamar. É o prazer contraditório de odiar o que se assiste e, ainda assim, continuar assistindo. O fenômeno, conhecido como “hate-watching”, é mais comum do que parece e envolve uma mistura de curiosidade, ironia e uma certa vontade de se sentir acima do que se critica.
A diferença entre assistir com culpa e assistir com ódio é simples: quem sente culpa ainda gosta do que vê, mas tem vergonha de admitir; já quem assiste com raiva sente irritação, mas não consegue parar. Há prazer em zombar dos personagens, prever o próximo desastre e comentar nas redes. É o tipo de entretenimento que transforma o desprezo em diversão coletiva.
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Assistir com ódio não é apenas sobre desgostar de algo. É uma forma de experimentar emoções negativas de maneira controlada, quase como observar um incêndio à distância — há desconforto, mas também fascínio. No fundo, trata-se de um modo de interação emocional com o absurdo, com o exagero e com tudo o que, de algum jeito, provoca identificação e repulsa ao mesmo tempo.
O prazer de odiar: uma forma de pertencimento
O “ódio assistido” nasce de uma mistura de fatores. Há um certo elitismo: a sensação de ser mais esperto, mais crítico ou “acima” do que se está vendo. Rir do ridículo é uma maneira de se sentir no controle. Também há o apelo da nostalgia — mesmo quando um programa nos irrita, ele pode evocar lembranças de uma época em que víamos algo parecido com encanto. Continuamos assistindo não porque é bom, mas porque desperta memórias.
Outro elemento é a dissonância entre o que rejeitamos e o que secretamente nos atrai. Às vezes, o incômodo vem justamente de reconhecer em cena desejos, conflitos ou atitudes que preferiríamos negar. É essa tensão — entre o riso, a vergonha e o fascínio — que mantém o interesse.
A curiosidade também pesa. Observar o colapso emocional dos outros, as brigas, os exageros e os dramas cotidianos é uma forma de explorar o que é tabu ou proibido sem precisar vivenciar nada disso. O reality show, nesse sentido, funciona como uma vitrine segura para o caos humano.
Quando o hábito passa do ponto
Assistir com ódio não é necessariamente ruim. Pode até levar a reflexões sobre valores pessoais e preferências culturais. O problema surge quando o hábito se torna constante, moldando o olhar para o mundo sob uma lente crítica e negativa. Quanto mais tempo se passa zombando dos outros, mais difícil é escapar da sensação de estar sendo julgado também.
As redes sociais amplificaram essa tendência. A cada nova temporada de A Fazenda ou Casamento às Cegas, o prazer em comentar e ironizar se transforma em uma espécie de evento coletivo. Falar mal virou uma forma de se conectar e, ao mesmo tempo, de alimentar o próprio entretenimento que se despreza.
Em pequenas doses, rir do absurdo pode ser divertido. Mas quando a diversão depende apenas do desprezo, o que era catarse vira espelho. E talvez o que mais incomode nesses programas não sejam os outros, mas o quanto nos reconhecemos neles.