A mulher inteligente, segundo o patriarcado

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Peço desculpas antecipadas pelo tema escolhido, já que a querida Paula Mariá já falou nesse post sobre a dualidade entre estética e sabedoria. Por isso, talvez eu caia no erro de me repetir um pouco. 

Dia desses, me vi num debate via twitter com algumas amigas sobre a questão "beleza versus inteligência". Uma relação antagônica e opressora que no fim das contas deseja nos calar, nos silenciar (como sempre). A questão é que desde crianças somos treinados para reconhecer apenas esses dois signos: A beleza e a inteligência, pois é comum os pais (e as pessoas em volta da criança) elogiarem a inteligência e a beleza delas, deixando de observar que existem outras características notáveis.

As mulheres, em especial, são cobradas pela beleza - e por "beleza", entenda "padrão de beleza" - desde cedo. Falo por mim e por outras, pois tenho certeza que não sou a única: minha primeira dieta foi por volta dos 10 anos de idade, assim que entrei na puberdade e ganhei algum peso. Fiz alisamento nos cabelos aos 12 anos. Me depilei pela primeira vez também com essa idade. Contudo, a beleza é uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que nos cobram beleza para participar minimamente de um sistema de sociedade castrador e machista, nos dizem que beleza não é o suficiente para que sejamos compreendidas como seres humanos, agentes de nossas vidas. A beleza nos põe ocupando a função que o patriarcado exige das mulheres: meramente decorativa. Não estou com isso tentando desvalorizar aquelas mulheres que são vaidosas, longe de mim, apenas estou explicando como se dá a cobrança por um padrão inatingível para muitas pessoas.

Exemplo de imagem que separa
mulheres em para pegar e para casar
No momento que nos damos conta de que ao mesmo tempo em que somos cobradas pela beleza, somos chamadas de fúteis, de vazias, nos exigimos o outro signo, o da inteligência. Só que a inteligência que nos requisitam e que é premiada nas mulheres não deveria ser chamada dessa forma. Quem por aí não se deparou com relatos sobre a figura mitológica da mulher para casar? A mulher para pegar é aquela cuja beleza é preponderante e a mulher para casar é aquela cuja ~~inteligência~~ , acompanhada de beleza ÓBEVEO, é essencial. Não faltam memezinhos na internet demonizando mulheres e que expressam essa diferença de tratamento. Contudo, a mítica mulher inteligente, da qual tratam as imagens, só é chamada assim quando o seu pensamento se alinha ao pensamento masculino, ao pensamento daquele homem que se interessou por ela. Mulher inteligente, aos olhos de muitos homens, é aquela que não o questiona. E isso não pode ser chamado de inteligência.

Antes dos haters aparecerem perguntando "E é errado que ela concorde com ele em alguma coisa?", vou logo esclarecer: Não significa que as mulheres não devam concordar com os homens, não é disso que esse texto trata, mas da forma como costumam categorizar uma mulher como possuidora de inteligência. 

Essa polarização de beleza e inteligência é extremamente frustrante, porque faz com que esqueçamos que as pessoas não se reduzem a uma característica única. As pessoas podem ter outras características ou talentos dignos de admiração, como coragem, ousadia, determinação, bondade, solidariedade, saber dançar, pintar, tocar um instrumento e etc. Muitas coisas podem tornar uma pessoa interessante para alguém. Essa idealização da mulher dentro de certas características é muito engessadora, pois tolhe a diversidade, a pluralidade. Exaltar outras características é garantir liberdade para que sejamos quem de fato somos.

Além disso, e principalmente,  esse esforço em reduzir o conceito de inteligência às afinidades de uma mulher ao pensamento de um homem é também uma espécie de Backlash. Pois, a mulher que é valorizada é aquela cujo pensamento se alinha ao status quo e é moldada por, e para, homens.  A liberdade da mulher é uma ameaça ao patriarcado, e ao mesmo passo ele reage, imputando-lhe a idéia de que não questionar é que é ser inteligente.

Para ilustrar, eu vejo muitas amigas postando por aí a seguinte imagem:


Sério, gente? sofrer calada? Sofrimento silencioso é muito conveniente para a manutenção de relacionamentos abusivos, por exemplo. Essa é uma idéia muito torta. Internalizar o sofrimento para não parecer emocional, não parecer que se importa e etc. Por que sofrer calada? Simples: Porque se não fizermos isso, seremos desqualificadas. Porque mulheres inteligentes não reclamam de homens. Alguém dirá que a imagem fala em sofrer com dignidade. Mas que dignidade é essa que nos silencia assim? Isso para mim tem outro nome: opressão.

No dia internacional das mulheres desse ano eu me perguntei: "Mas cadê os elogios às mulheres que subvertem a ordem? Mulheres trans, lésbicas, vadias, peludas, revoltadas, militantes, sindicalistas, abortistas, rebeldes com armas em punho? Essas se tornam invisíveis ao patriarcado, para essas não existem elogios."

E é exatamente disso que se trata essa manutenção da dualidade beleza versus suposta inteligência, se trata de não dar à mulher o direito à sua própria opinião, o direito de questionar e subverter. E rejeitar sistematicamente aquelas mulheres cuja forma de pensar, agir e viver se distancia de um ideal patriarcal de mulher.