Nota de repúdio à decisão judicial de negar o aborto à mulher com gravidez de risco

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Aí você acorda como todos os dias, acessa a internet no seu computador e se depara com uma notícia que atenta contra os direitos reprodutivos da mulher. Acho que isso está virando rotina, sabe? Quando se trata de aborto, o punitivismo é centralizado na mulher. A mulher, essa irresponsável que não se preveniu, que sabia dos riscos, é ela afinal, que deve ser punida. Se preciso for, e muitas vezes é, será punida com a morte. E talvez até com o aval da justiça.

Imagem da página "Nós denunciamos"
O caso mais recente aconteceu em Belo Horizonte. Você pode ler nesse link. Resumindo a situação: Uma mulher portadora de doença cardíaca entrou na justiça para obter o direito ao segundo aborto, devido à gravidez de alto risco. O juiz, alegando ser esse um direito já auferido pela requerente em outra ocasião, passou por cima da determinação legal de que o aborto no país é permitido em caso de risco para a saúde da gestante. Tomou como partido suas próprias convicções. Acusou-a de não se prevenir, acusou-a de ser negligente. E assim, sei lá com que propósito que não seja punir a mulher e torná-la um daqueles exemplos tenebrosos em que a justiça foi algoz de um inocente, um juiz sentenciou uma mulher à morte. Ou melhor, ele aumentou severamente a possibilidade dessa mulher perder a vida, seja por levar até o fim uma gravidez de risco, seja por tentar um aborto ilegal.

Ainda que ela realmente não tenha usado algum método contraceptivo (o que parece ser apenas uma suposição), é preciso notar como é recorrente nesses casos em que se alega "negligência" da mulher (nunca do homem, a contracepção é sempre responsabilidade dela) que ninguém tente entender os processos que levam uma mulher a não se proteger. Não analisam a vergonha que é, por exemplo, para uma mulher comprar camisinha em uma farmácia. É um constrangimento causado pelo julgamento da sociedade e dela mesma sobre si. Sabe por quê? Usar um método contraceptivo, exceto nos casos em que é receitado por médicos por questões de saúde, significa que a mulher faz sexo. E ter uma sexualidade livre, desprendida, bem resolvida, é algo que nossa sociedade reprime fortemente nas mulheres. 

Imagina só que ainda temos o costume medieval de chamar de "puta", a mulher que usa roupa curta, que vai curtir a noite, que é baladeira e principalmente a mulher que gosta de sexo. Ainda chamam de "rodada" aquela mulher que escolheu ter vários parceiros. As escolhas pessoais de uma mulher sobre o assunto "sexo" são cercadas de julgamentos. Se existe a tal negligência com a contracepção ela decorre de um processo de opressão em que mulheres internalizam esses julgamentos e aplicam sobre si mesmas. 2013 bate na porta, mas o Medievo não quer sair, sabe? Tenho ouvido um tanto de gente dizer que "tem mulher que não se dá ao respeito", um pessoal separando mulheres em "para pegar" e para "casar", uma galera falando em "mulher de verdade" (Sério, gente, chega de chorar de saudade da Amélia) e até mesmo em "mulher virtuosa" e tudo isso baseando-se nas condutas sexuais das mulheres. Condutas que dizem respeito apenas a elas. 

Por outro lado, homens não se sentem na obrigação da contracepção. E por favor, entendam que falo do panorama geral e sei que existem exceções. Sabe aquela expressão "golpe da barriga"? Ela é expressamente dirigida às mulheres, porque é DELAS, não deles a função de se proteger da gravidez. Assim, começamos a punir as mulheres antes mesmo da gravidez, apenas por ela ser capaz de engravidar. E é claro, existe também o fato que as mulheres são comumente invisibilizadas em relacionamentos onde há desigualdade de poder e consequentemente, de voz, de ação.

A moça de Belo Horizonte cometeu três crimes terríveis: Engravidou, abortou (legalmente) devido ao alto risco da gravidez, engravidou de novo. Ah não, espera, nada disso é crime! Porém, mesmo não sendo uma criminosa, ela foi condenada por um juiz, mas também por toda uma sociedade que retira das mulheres o poder de manifestar opinião e tomar decisões a respeito de seus próprios corpos. Ao pedir o segundo aborto, ela não está "banalizando" o aborto, ninguém fica feliz de passar por uma experiência traumatizante dessas, ela está apenas requisitando o direito legítimo de continuar vivendo.  Enquanto a sexualidade da mulher for passível desse tipo de comentário, enquanto juízes poderosos acreditarem que mulheres devem sofrer por engravidar, enquanto todo mundo fizer apontamentos sem analisar a opressão que recai sobre as mulheres, casos como o dessa moça serão normais.