Murdoch, como Napoleão, é um grande homem mau

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Murdoch, como Napoleão, é um grande homem mau

Por: Conrad Black, Financial Times, Londres. Tradução: Coletivo Vila Vudu

14/7/2011

Conrad Black foi diretor e editor-chefe dos Telegraph Newspapers e de vários outros jornais. Foi condenado em cinco processos por fraude e obstrução da Justiça em 2007. Cumpriu 29 meses de prisão, até que a Suprema Corte o absolveu. Uma corte de apelação restaurou duas das condenações e Black deverá cumprir mais 7, ½ meses de prisão. Ele continua a jurar inocência. Escreve coluna semanais para a National Review.

Rupert Murdoch é provavelmente o mais bem-sucedido proprietário e operador de empresa de comunicação da história. Não há o que dizer contra sua firmeza, visão e capacidade para fazer, na conquista do mercado britânico de tablóides, na liderança da integração vertical da mídia, unindo estúdios de cinema e estações de televisão, na quebra do monopólio dos EUA na televisão britânica, e é um dos mais notáveis pioneiros da televisão por satélite e na criação de uma rede conservadora-populista de notícias. (Foi para reduzir a dependência da News Corp, do Tea Party de Roger Ailes, que Murdoch tanto insistiu em gastar $13,3 bilhões de dólares para comprar o controle acionário da BSkyB.) Também é preciso admitir que o Wall St Journal é o único produto de qualidade que Mr. Murdoch algum dia comprou e, de fato, aprimorou.

Teve sorte algumas vezes, sobretudo quando Margaret Thatcher isentou de qualquer regulação seu satellite telecasting (apesar de ela só estar retribuindo os favores que recebeu do Sun); quando perdeu o leilão para comprar MGM, pouco antes da crise financeira quase mortal de 1990; e quando a British Satellite Broadcasting foi gerida com tal inépcia por Granada e outros, que morreu em seus braços há vinte anos. Mas sorte é parte pequena, na explicação de seu sucesso.

É pouco provável que Mr. Murdoch, seu filho James, ou Les Hinton tenham cometido crimes (Mr. Hinton é homem muito decente). Gente de discernimento não se deve deixar impressionar pelo processo, que conheço tão bem, como o conhecem outras vítimas dele, de uma mídia hostil que vive de solenemente citar professores de Direito e fontes que se escondem no anonimato (quase sempre mera expressão de fantasias tendenciosas pessoais dos próprios jornalistas), em comentários sobre as dificuldades que os Murdochs enfrentam hoje com a justiça. Ninguém deve invejar The Guardian, a BBC, a CNN, o New York Times e outros que se divertem à custa dessas dificuldades, nem levar excessivamente a sério o que dizem. Mr. Murdoch é, como Clarendon disse de Cromwell e o historiador britânico David Chandler atualizou para Napoleão, “um grande homem mau”. É errado lançar dúvidas sobre sua grandeza, a partir do que nele é mau.

Denegrir Murdoch tem sido, até bem recentemente, suja atividade na qual se empenham, principalmente, os invejosos, a extrema esquerda e os comercialmente não competitivos, comentaristas incapazes de leitura não interessada, quase sempre – mas nem sempre. Quanto a isso, pelo menos, essa é a hora da verdade.

Por décadas, o establishment britânico professou desprezo por Mr. Murdoch mas não o contrariou e sempre lhe foi servil (“Desaprovo Rupert profundamente, mas até que gosto dele” foi o refrão mais tedioso), como quando se viu bem claramente que boa parte da Londres ‘que pensa’ esperava que ele derrotasse o Daily Telegraph na guerra de preços que lançou em 1993. É motivo de algum orgulho para nós, do Telegraph que, então, não tenhamos sido derrotados. Por mais que queira responder resposta robusta aos britânicos, nem por isso preciso praticar o desarmamento verbal unilateral.

Surpresa será se alguns dos empregados da News International não se envolveram em crimes, revelando o clima de imunidade que regeu o modus operandi do grupo ao longo de décadas. Sucessivos governos na Grã-Bretanha submeteram-se de modo supinamente obsequioso a ele. Quanto mais os títulos de livros de jornalistas do grupo vituperavam a família real, mais seus livros apareciam resenhados no Sunday Times.

Apesar de ser homem de personalidade em geral bem agradável, Mr Murdoch não é leal a nada e a ninguém, exceto ao seu negócio. Tem dificuldade para cultivar amizades; raramente mantém a palavra por muito tempo; é especialista em explorar o desconforto dos outros; e traiu todos os líderes políticos que algum dia o ajudaram em vários países do mundo, exceto Ronald Reagan e talvez Tony Blair. Todos os seus instintos apelam aos mercados populares: não é apenas sensacionalista de tablóides; é mal intencionado fazedor de mitos, assassino da dignidade dos outros e de instituições respeitáveis, tudo sob a máscara do antielitismo. Finge-se de pilar do populismo contemporâneo ilustrado na Grã-Bretanha; e de conservador sensível nos EUA – mas há anos lambe botas em Pequim.

Sua noção de entretenimento público e valores civis são os mesmos do seriado de televisão “The Simpsons”: todos os funcionários públicos são escroques e o público é um lumpenproletariat ignorante. Nada há de ilegal nisso, e tem aspectos engraçados, mas é inadequado em alguém que tem sido alvo de tanta reverência e favorecimento oficial.

Antes de a empresa News Corp desistir da proposta para comprar o controle acionário da BSkyB, eu ainda acreditava que, se se tratasse apenas de alguns jornalistas que subornaram alguns policiais e invadiram algumas privacidades, as autoridades deveriam aplicar-lhes as devidas palmadas e deixar que o negócio se consumasse. Que seria coisa pequena. Ninguém precisa de intrusões regulatórias tolas, e tudo acabaria como mais uma das trapaças camufladas de Rupert, que voltaria com oferta para comprar por melhor preço.

De fato, não vejo qualquer diferença prática, no que tenha a ver com interesse público, que Mr. Murdoch já controle, como controla, a BSkyB, ou que venha a ser único proprietário da empresa. Se, mas só nesse caso, a empresa News Corp for considerada legalmente culpada de crimes institucionais – e os réus têm sempre a seu favor a presunção de inocência (por mais que esse direito só muito raramente seja respeitado) – a licença da empresa para transmitir por satélite deve ser cassada.

Trata-se de recuperar a integridade das elites inglesas governantes, e nada conseguirão com as frágeis racionalizações de Alastair Campbell que o Financial Times publicou na 2ª-feira, nem com o pouco convincente recurso a princípios, de Ed Miliband.

É preciso resgatar o que sobre de décadas de covardia do establishment, frente a alguém cuja natureza todos conheceram sempre muito bem. Errou o establishment britânico. E não pode deixar-se seduzir e intimidar tão profundamente e por tanto tempo, outra vez.

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