Rony Marques: Marcha das vadias: "o feminismo nunca matou ninguém, o machismo mata todo dia"

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Em minhas andanças tenho conhecido jovens que têm me mostrado que a luta vale a pena.

Rony Marques é um deles: o conheci durante uma oficina sobre redes sociais, está no segundo ano de jornalismo e desde que começou a faculdade acompanha o Maria Frô.

Durante a oficina ele me disse que cobriria a Marcha das Vadias e se eu tinha interesse em publicar o material produzido. O blog existe pra isso, para a construção de um jornalismo colaborativo e de fato que trate a informação como algo de interesse público e não como mercadoria. 

O resultado da produção do jovem estudante é trabalho de gente grande: vídeo, fotos e texto de qualidade. A blogosfera  e o jornalismo só têm a ganhar com a geração dos futuros Ronys.

Conheça aqui o vídeo que ele produziu: Rony Marques na cobertura da Marcha das Vadias: “A nossa luta é todo dia, contra o machismo, o racismo e a homofobia”

Álbum: todas as fotos são de Rony Marques

Marcha das Vadias 2013, São Paulo, SP. Fotos: Rony Marques

Marcha das Vadias

Por Rony Marques, especial para o Maria Frô

05/06/2013

Por que elas ainda lutam? Hoje em dia elas já têm tudo! Ficam reclamando por nada; só sabem criar tumulto.” Está é uma das frases que é repetida à exaustão, quando o assunto é o movimento feminista ou, mais especificamente, a Marcha das Vadias.

Porém, eu e as mais de três mil pessoas (segundo a PM, foram 1.000 pessoas) que andaram da Av. Paulista até a Praça Rosa (Antiga Roosevelt) cantando em coro músicas como “A nossa luta é todo dia, contra o machismo, o racismo e a homofobia” ou “Se cuida, se cuida, se cuida seu machista; a América Latina vai ser toda feminista!”, não concordamos com essa visão.

Aparentemente há uma dificuldade de entender como o machismo ainda está fortemente enraizado em nosso país. As pessoas que não entendem não vivem em um Brasil onde 42.700 mulheres foram assassinadas nos últimos 10 anos. Um lugar onde 43,1% das mulheres já foram vítimas de violência em sua própria residência. Essas pessoas vivem em um país completamente diferente.

Mas sei que minha mãe, por exemplo, vive no Brasil real. Ela ganha 25% menos que outros homens que ocupam o mesmo cargo e ainda tem 65% de chance de ser violentada por algum conhecido ou parente – ao contrário da visão popular que acha que estupradores são desconhecidos escondidos em um beco escuro (só para situar, em 89% dos casos, a agressão parte do companheiro ou companheira da mulher).

E mesmo sofrendo um número grande de violências, a mulher brasileira – aquela que tem de aguentar todo dia abusos físicos e psicológicos em locais públicos e privados; tendo de suportar uma análise milimétrica de seu corpo, afim de saciar o machismo alheio – essa mesma mulher brasileira ainda se mantem calada.

Quebrando o silêncio na MdV-SP

Por isso, neste ano de 2013, o coletivo das Marchas das Vadias Sampa teve como tema e objetivo “Quebrar o Silêncio” das mulheres que sofreram algum abuso. Por medo de retaliações, de não haver nenhuma mudança ou falta de ajuda e apoio (67% dos estados não têm nenhum centro de apoio à mulher e o governo federal só investiu um terço dos recursos financeiros prometidos), elas não se pronunciam e o já profundo e solitário silêncio se torna pior.

A Marcha é o inicio do rompimento deste silêncio para muitas mulheres. “A importância de estar na manifestação, é você romper a lógica do patriarcado de que o lugar da mulher é dentro da casa, cuidando dos filhos, no espaço privado. Então nós vamos aos espaços públicos para combater a violência contra a mulher”, contou Melissa, estudante da USP.

O coletivo Marcha das Vadias de São Paulo explica. “Sabemos que muitas vezes as vítimas de violência de gênero não conseguem sequer tocar no assunto. Nossa intenção é incentivar essas mulheres a “quebrarem” o silêncio ainda que isso signifique, simplesmente, conversar com uma pessoa de confiança.”

Para incentivar a denúncia contras os agressores e mostrar a importância da denúncia – além de lembrar que a culpa da agressão é do agressor e não da vítima –, o coletivo de São Paulo distribuiu mais de 3 mil panfletos e cartões com números e endereços (listados no final da matéria) de serviços de auxílio às mulheres que sofrem violência física e/ou psicológica. Todos foram dados às participantes da Marcha e para as mulheres que passavam pela manifestação.

Esse cartão representa a postura ativa da mulher de quebrar o silêncio, de  denunciar, de procurar ajuda que é uma necessidade que a gente sente casada com àquela ideia de que a mulher, por vários motivos, acaba achando que é culpada pelo que fez”, falou a integrante Samanta Dias, de 28 anos, em nome do coletivo da MdV-SP.

Em movimento

Mesmo sendo o terceiro ano do evento, muitas pessoas ainda se perguntam se podem participar da Marcha ou sobre a segurança de ir a um evento desses; já que algumas pessoas querem levar os filhos.

Segundo o capitão Kiryu, comandante da 3ª companhia do 11º batalhão, não houve nenhuma ocorrência na manifestação. “Só um grupo de homens tentaram jogar alguns ovos nas ativistas. Mas nós os detivemos antes que arremessassem qualquer coisa“.

Essas tentativas de agressão, que ocorreram já em outras Marchas, justificam por si só a necessidade de sair a rua e lutar contra a opressão. Isso só é causado pela ignorância das pessoas que se vêm perdendo seus privilégios, enquanto outros ganham os direitos que já deveriam ser deles, sem qualquer luta.

São exatamente estás pessoas que querem manter calada a mulher, oprimindo-a para que ela não consiga seu direito mais básico como ser humano: o direito à liberdade.

Apesar disto, foi um evento muito seguro, tanto para a polícia quanto para quem participou. Prova disso foi Mirna Taíno, de 33 anos, que levou a sua filha de 5 anos para a passeata junto à ela.

Perguntei a outra mãe que fazia parte da manifestação o que ela achava de trazer a filha desde pequena para a Marcha das Vadias. Ela me mostrou o cartaz que segurava e onde estava escrito, “Eu sofri violência doméstica, minhas filhas não! Vadia é mulher que luta“. Ela ainda me disse que acha bem muito tranquilo e bem normal levar a filha.

A participação do homem também é importante, já que a agressão sofrida vem, em maioria, de nós. “A importância de somar com as mulheres nesse movimento é fundamental. Mas os homens têm de se recolher de vez em quando, não precisam ser protagonistas em tudo.”, disse o ativista Bruno Vieira Maia, 31 anos, conhecido como Todd Tomorrow. “O respeito ao próximo, seja homem, mulher, intersexo... É fundamental. Então é importante que as pessoas venham ajudar”, concluiu.

(Mas) por que vadia?

Vadia, segundo o coletivo da Marcha, é o termo usado para mulheres que tenham uma “ação minimamente desviante dos padrões de comportamento impostos” a elas. “No momento em que ela é violentada, ela se torna uma vadia. As pessoas começam a procurar em tudo o que ela é, alguma justificativa que a culpe pelo que ela sofreu”.

Muitos ainda não se acostumam com a palavra. Normalmente eles relacionam a algo pejorativo e acham que isso afeta a visão que as pessoas têm da manifestação.

Mas o coletivo da Marcha e outros manifestantes se indignam com essa visão. Uma delas pergunta, “A palavra vadia te assusta!? E os dados da violência que a mulher sofre? E a própria violência; isso não assusta, é normal?”.

A origem da Marcha das Vadias é no Canadá. Em 2011, o policial Michael Sanguinetti discursou na Universidade de Toronto, pois algumas estudantes tinham sido estupradas. Ele disse para que as “mulheres evitassem se vestir como vadias (em inglês, Slut), para não serem vítimas”.

Enfurecidas com o que o policial disse, estudantes, ativistas etc. se uniram em 3 de abril de 2011 na cidade de Toronto e criaram a SlutWalk, que reuniu mais de 3 mil pessoas, para clamar por segurança e mostrar que a culpa não era delas por serem estupradas.

Em cada país, os coletivos são independentes, mas mantém comunicação entre si.

A Marcha das Vadias de Sampa é “um coletivo feminista que defende a autonomia da mulher sobre o seu próprio corpo e luta para as vítimas de violência sexual e domésticas não sejam responsabilizadas pelos crimes cometidos contra elas“.

O coletivo paulistano é um dos mais importantes, mas não por conta de estar numa das maiores cidades do mundo. A importância existe, pois a cidade é umas das que menos computa dados detalhados sobre a violência feminina e é uma das regiões que tem menos centro de atendimentos, comparado à região Norte, que tem 71,4% dos locais que dão apoio a mulher.

Então, como disseram as manifestantes, “Vem! Vem! Vem pra rua vem, contra o machismo!”.

Informações para ajuda

Caso precise de proteção ou ajuda ou assistência de alguma forma, aqui está alguns locais a que recorrer na cidade de São Paulo:

Assistência Policial:

1ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM)

R. Dr. Bittencourt Rodrigues, 200 – Parque Dom Pedro

Tel.: (11) 3241-3328 ou (11)  3241-2263

Atendimento 24 horas, nos sete dias da semana.

Assistência Jurídica:

Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM)

R. Boa Vista, 103 – Centro

Tel.: (11) 3101-0155, ramal: 233 ou 238

Site: www.defensoria.sp.gov.br

E-mail: [email protected]

Atendimento das 13h as 17h, de segunda a sexta-feira.

Assistência à Saúde e Psicossocial:

Hospital Pérola Blyngton – Ambulatório de atendimento integral à mulher em situação de violência sexual

Av. Brigadeiro Faria Lima Antonio, 683 – Bela Vista

Tel.: (11) 3248-8099 ou (11) 3242-3433

E-mail: [email protected]

Atendimento das 8h às 17h, de segunda a sexta-feira.

Centro de Referência:

Núcleo de Defesa e Convivência da Mulher -  Centro de integração social da muher I/ Associação Fala Mulher

R. dos Estudantes, 281/279 – Liberdade

Tel.: (11) 3207-4743 ou (11) 3271-7099

Atendimento das 9h às 18h, de segunda a sexta-feira.

Além, é claro, do número da Central de Atendimento à Mulher (180). A ligação é gratuita.

Tenha sempre à mão um documento de identidade, seu e de seus filhos. E nunca se esqueça, você não está sozinha.