Como uma 'redução de danos colaterais', o Estadão deve desculpas à usuária
Por Luís Fernando Tófoli*
O Estadão estampou em sua primeira página uma foto identificável de uma participante do 'Braços Abertos' consumindo crack com o uniforme do programa. Esta foi a carta que eu escrevi ao Fórum de Leitores do jornal.
"O programa 'Braços Abertos' do município de São Paulo tem características ousadas que o diferenciam de todas as tentativas prévias - e falidas - de solução para a chamada 'Cracolândia'.É necessário reconhecer que ele tem pontos de fragilidade e sinais de improvisação. Compreendo a posição política do jornal o leve, em seu editorial 'Braços abertos para quê?', de 16/01/2014, a bater no programa com severidade - e provavelmente cedo demais.
O que me parece no entanto injustificável, sob qualquer visão, é estampar na primeira página da edição de 17/01/2014 a imagem identificável de uma participante do programa consumindo crack com o uniforme do 'Braços Abertos'.
A decisão de publicá-la transmite miopia por parte do jornal em não tentar compreender e explicar para o leitor o que são as estratégias de redução de danos ao uso de drogas, fulcrais na visão da Organização Mundial da Saúde.
Não bastasse isso, a identificação compromete seriamente o processo de tratamento da pessoa fotografada, e há notícias de que a cena de capa teve um impacto negativo na usuária.
No universo de frágil estabilidade dos usuários de crack, um impacto como esse pode ser mais do que suficiente para estraçalhar o potencial efeito positivo do programa em um indivíduo. A meu ver, como uma 'redução de danos colaterais', o Estadão deve desculpas à usuária.
Luís Fernando Tófoli* é médico psiquiatra, professor da Faculdade de Medicina da Unicamp, especialista em políticas públicas de saúde mental.