Outros carnavais: Vila Madalena e São Luiz do Paraitinga

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Bebericando num bar da Vila Madalena, vejo passar gente pra cima e pra baixo, parte cantando meio desafinado e dançando, parte dirigindo-se à folia de Carnaval de algum bloco ou regressando dela, parte querendo voltar para casa, muitos procurando carros estacionados em alguma ruma próxima. Alguns, cansados e cambeteando com uma garrafa ou lata de bebida não mão, param para perguntar sobre como chegar à estação mais próxima do metrô. Pontos de ônibus existem muitos ali perto, mas sem ônibus: as ruas por onde eles passam, ou passavam, estão fechadas para o trânsito. No domingo de manhã, na minha caminhada cotidiana, me deparei com um ônibus perdido numa rua arborizada e cheia de curvas, que não é nem nunca foi trajeto para o transporte coletivo. O motorista parou perto de mim, abriu a porta e perguntou como fazia para chegar às proximidades do Fórum, que dali sabia chegar ao seu destino final, a estação Vila Madalena do Metrô. Estava perdido. Descendo pela rua Cardeal Arcoverde, ele deveria entrar na rua Mourato Coelho, mas ela estava fechada para o trânsito, teve que seguir adiante e se perdeu. Bom, e o dia inteiro teve Carnaval na região. Muitos blocos. E na segunda-feira reclamações de moradores que falavam da “barulheira desafinada”, de bêbados invadindo seus jardins ou urinando na porta... O Carnaval de rua explodiu na Vila Madalena. Coisa de pouco tempo, há cinco anos não se via um bloco ali. Agora a festa é tão grande e intensa que até incomoda muitos moradores. E me lembrei então do Carnaval de São Luiz do Paraitinga. Tornou-se grande demais. A cidadezinha de menos de dez mil habitantes espera 150 mil foliões para o Carnaval deste ano. Não todos juntos, claro, isso seria a soma dos quatro dias de festa. Frequentador de São Luiz do Paraitinga, não passo nem perto de lá no Carnaval. Gente demais para o meu gosto. A ironia é que eu participei do começo da “reinvenção” do Carnaval na cidade. No começo do século XX, a cidade minúscula mas muito festeira e musical já tinha um Carnaval animado. Mas era e é uma cidade religiosa. Na época um padre proibiu a festa que dizia ser do capeta. E a população aceitou. Lá por 1980, jovens músicos e festeiros em geral começaram a achar que isso não estava certo. Reunidos nos bares, como convém, resolveram peitar o padre. Eu no meio. E já no Carnaval seguinte saímos todos em pequenos blocos de Carnaval, divertidos, animados, com músicas próprias. E a festa foi progressivamente tomando corpo, ganhou fama, foi crescendo a cada ano, até chegar ao que é atualmente. Milhares e milhares de pessoas em blocos que tocam marchinhas, como antes, mas com carros de som poderosos. Agora soube que a prefeitura de lá resolveu privatizar o Carnaval. Não sei como vai ser essa privatização, mas não me agrada, embora eu não tenha nada com isso, porque não vou lá nessa época. Mas bate a saudade de um tempo de Carnaval sem som eletrônico, em que lá nem havia pousadas. Hoje são muitas, boas e caras. Antes havia dois hotelecos bem modestos, com um banheiro em cada um, para todos os hóspedes. Eu me hospedava na chácara de um amigo. Já em 1984, acho, muita gente queria ir de São Paulo e do Rio para o Carnaval luizense, mas não havia onde se hospedar. E deu-se um jeito. Na chácara em que eu ficava, por exemplo, o dono, meu amigo Américo, improvisou um camping no quintal, entre pereiras, caquizeiros, bananeiras e outras fruteiras, para umas quinze barracas. Sem cobrar nada. Era para amigos, que ainda poderiam usar o banheiro da casa e a cozinha. Um desses amigos, o Plínio, chegou lá querendo contribuir com alguma coisa, já que não pagaria nada. Resolveu levar frutas para a gente consumir: pera, caqui, banana... tudo que tinha sobrando nas árvores da chácara. Virou gozação. Dizíamos: “Plínio, se não fosse você a gente ia passar fome aqui. Entrávamos na cozinha, pegávamos uma banana madura direto de um cacho pendurado numa viga e comíamos dizendo: “Ah, se não fosse o Plínio...”. Muitos caquis colhidos na chácara, e peras também, ficavam em bacias, juntas com as trazidas pelo Plínio. E todo mundo gozando quando comia uma dessas frutas: “Ah, se não fosse o Plínio”. Claro que a música do nosso bloco, chamado “Peida n’Água”, que saía da chácara em direção ao centro, naquele ano foi uma marchinha chamada “Ah, se não fosse o Plínio”. Bons tempos, de ótimo Carnaval. Claro que nessa expressão “bons tempos” há lembrança de que na época eu tinha cabelo, e a minha barba era preta. E eu aguentava quatro dias seguidos de zorra, parando pouco pra dormir.