Que pena: o Campeonato Paulista não é mais aquele

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Por Mouzar Benedito Cadê a Portuguesa? Cadê o Guarani? Cadê o Comercial de Ribeirão Preto? E o Juventus? E o Taubaté? E o América de São José do Rio Preto? Epa! Não vi o nome de nenhum deles na tabela. Está começando o campeonato paulista de futebol, da chamada série A. Antes era simplesmente primeira divisão. De uns tempos para cá, arrumaram um jeito de colocar um montão de times na primeira divisão: é que ela contém agora as séries A, B e C, cada uma com vinte times. A antiga quarta divisão é que é a segunda divisão agora, equivalente a uma série D. Mas essa série A, cujo campeonato era antes chamado pomposamente de “Paulistão”, pela sua importância, agora é tratado com menosprezo, chamado de “Paulistinha”, disputado num turno só em que nem há confronto entre todos os times. E já falam também em baixar o número de times para dezesseis. Já foi mesmo um campeonato importante. Tanto que o Corinthians era chamado de “Campeão dos Centenários” por ser o campeão de 1954, quando a cidade de São Paulo fazia seu quarto centenário. Depois disso, a fonte secou: ficou 23 anos sem ganhar o “Paulistão”. Virou gozação. No final de cada ano, gozadores faziam previsões para o ano que viria e começavam dizendo: “O Corinthians não vai ser campeão”. Corintiano começou a ser chamado de sofredor, e assimilava tudo, mantendo-se fiel ao time, daí veio a expressão “fiel torcida”, que acabou sendo aproveitada no nome da Gaviões da Fiel. E quando se fez o primeiro transplante de coração no Brasil, veio a marchinha de carnaval em que um corintiano, com o coração “cansado de sofrer”, faz um transplante mas acaba recebendo outro coração corintiano. Por fim, aleluia! O Corinthians superou o trauma de não ganhar e, em 1977, antes de completar o 24o ano sem ser campeão, venceu a final contra a Ponte Preta, no Morumbi, e a festa em São Paulo foi das maiores que já aconteceram na pauliceia. Atravessou a noite. Um delírio total. Foi talvez até maior que festa de campeão mundial. O bar das batidas, chamado “Cu do Padre”, porque funciona atrás da igreja do Largo dos Pinheiros, era de um corintiano fanático, seu Narciso, que chamava todo mundo de “sócio”. A decoração do bar incluía distintivos do Timão e uma coleção de flâmulas penduradas no teto também. Durante muito tempo ele esperava ansioso que o Corinthians ganhasse um campeonato paulista (na época não havia o nacional), com duas promessas. Uma delas é que ele tiraria o pó dos provolones e mortadelas pendurados só quando o Corinthians fosse campeão – “o que vai demorar muito”, gozavam os “sócios” até meados da década de 1970. Outra é que no dia seguinte à conquista do campeonato pelo Corinthians, os fregueses poderiam ir lá e retirar do teto o que quisessem, inclusive as flâmulas, o que fez até palmeirenses colecionadores de flâmulas torcerem pelo Timão, cobiçando as raridades que havia lá. Pois bem. No dia seguinte da vitória por 1 x 0 sobre a Ponte Preta, antes do bar abrir já havia uma multidão na porta. Mas, surpresa: seu Narciso havia levado tudo para casa na véspera. E era o Campeonato Paulista, esse que agora muita gente não leva a sério! Pelé devia ser corintiano Foi com essas lembranças que voltei aos tempos de menino “assistindo pelo rádio” os jogos do campeonato paulista, embora morasse no Sul de Minas. As emissoras de rádio de Belo Horizonte eram pouco potentes e não eram ouvidas na minha região, então “assistíamos” os jogos do campeonato paulista e do carioca. Tinha muito corintiano lá, além de santista e são-paulino. Palmeirenses eram raros. Eu deixei de ser da “fiel” quando acabou a Democracia Corintiana. Voltando ao assunto, fui conferir a tabela. Não estão no campeonato muitos dos times do meu imaginário dos tempos de corintiano. Jabaquara, Prudentina, Taubaté, América de São José do Rio Preto, Juventus, XV de Jaú... Lembro-me que para enfrentar o Juventus, time modesto mas que crescia diante dos grandes, a gente ficava torcendo para que ele não justificasse mais uma vez o apelido “Moleque Travesso”, derrotando o Timão. Outro que costumava endurecer contra o Corinthians era o XV de Jaú, principalmente quando o jogo era na casa dele. Não raramente vencia o Corinthians. Aliás, tudo quanto é time endurecia contra o Corinthians. Até o Santos. Aliás, acho que o próprio Pelé deve muito de sua carreira gloriosa ao Corinthians. Por exemplo: quando cheguei em São Paulo, em 1963, uma das primeiras coisas que quis fazer foi assistir a um Santos X Corinthians no Pacaembu. Na época, havia meses que Pelé vinha sendo um verdadeiro perna de pau. Não se achava em campo. Pois nesse dia se achou: marcou quatro gols contra o Corinthians. Aí continuou sendo “o Pelé”, até que uns tempos depois voltou a ficar não tão bom, parecia ter perdido o élan. Novo jogo contra o Corinthians e o Pelé virou Pelé de novo: dois gols. O Santos virou um verdadeiro tabu na era Pelé. Não conseguia vencer de jeito nenhum. Pelé podia estar nas piores fases, que contra o Corinthians voltava a ser gênio. O Corinthians o reanimava. Jabaquara x Nacional: o clássico! Então, continuo lembrando dos times daqueles tempos. Tinha a Portuguesa Santista, que costumava encarar o Santos e até vencer, em plena era Pelé (uma coisa que muitos não sabem: Neymar passou pela Portuguesa Santista). O Jabaquara, também de Santos, chamado Jabuca, foi ficando ruinzinho e caindo de divisão em divisão, até chegar à série D, que hoje se chama segunda divisão, de onde nunca mais saiu. Tinha muitos (entre aspas, porque sua torcida era pequena) torcedores intelectuais, inclusive Plínio Marcos. Há uns dois anos, num bar da Vila Madalena, encontrei um homem empolgado, o Vicente, torcedor do Nacional, time da zona norte paulistana que já foi bom também. Vestido com a camisa do time, ele comemorava um grande clássico da quarta divisão: Nacional x Jabaquara. Eu disse para ele que torcia pelo Jabaquara, brincamos, e na outra vez que o encontrei no mesmo bar ele trazia uma camisa do Nacional para mim. Uso com prazer a camisa do meu “adversário”. Falando em Jabaquara, ele tinha o apelido de Leão do Macuco (referindo-se ao bairro de sua sede, em Santos). O Taubaté era chamado de Burro da Central. Naqueles tempos em que as cidades paulistas eram identificadas pela linha ferroviária que as serviam, Taubaté ficava no roteiro da Central do Brasil, daí o “da Central”. Burro porque no campeonato da segunda divisão de 1954, quando ele estava com um timaço, venceu o Comercial de Ribeirão Preto por 6 x 3, mas perdeu os pontos porque escalou, “burramente”, um jogador irregular. Mas mesmo assim foi campeão, passou para a primeira divisão e adotou o burro como mascote. E já que citei o Comercial, há cidades que perderam clássicos de grande rivalidade, como é o caso de Ribeirão Preto, onde a cidade ficava toda ouriçada em dia de Come-Fogo, quer dizer, Comercial x Botafogo (que continua na série A). Em Campinas, havia o “Derby” (eta palavra esquisita) Ponte Preta x Guarani. Mas o Guarani foi rebaixado. Vendo os times que disputarão a série A, encontrei um tal de Red Bull Brasil. Cacete!, pensei. Isso é nome de empresa, não de time. Fui ver, é de Campinas. Então, a grande disputa campineira agora é Ponte Preta x RB Brasil. Mas quem torce para um time com um nome desses? Já o Audax-SP, que também não sabia nem de onde é, fui ver e soube que é de Osasco, surgiu como Pão de Açúcar e mudou de nome. Continua com nome de empresa, né? Pode ser bom, mas não me atrai. Porém, não são só esses times que me causaram estranheza. Água Santa, que diabo de nome de time é esse? Procurei saber e vi que é de Diadema, surgiu numa rua chamada Água Santa. Gostei. Outro que não identifica a cidade é o Oeste, de Itápolis. Aí também não é nome de empresa, é geográfico, gostei também. Procurei saber por onde andam outros times que disputaram pra valer o campeonato paulista e hoje nem ouço falar deles. E concluo lembrando que muitos times do interior que tiveram bons momentos agora estão lá pela série B ou C, quer dizer, pelos meus critérios, segunda ou terceira divisão. Fora o Guarani, que chegou a campeão brasileiro, há times que surpreenderam, como o Bragantino, a Internacional de Limeira, o São Caetano... E fora eles, o Rio Preto, o Velo Clube de Rio Claro, o São José (de São José dos Campos), a Esportiva de Guaratinguetá, o Paulista de Jundiaí, o Marília, o Santo André e outro que eu apreciava muito, o Noroeste de Bauru. Enfim, são muitas dezenas de times de um campeonato que merece respeito, vencido 27 vezes pelo Corinthians, 22 pelo Palmeiras e 21 pelo Santos e pelo São Paulo, sem contar outros vitoriosos menos frequentes. Ah... Estou me prometendo há muito e ainda não fiz isso: hei de assistir a um jogo do Juventus, na rua Javari. Alguém me acompanha até à Mooca? Quem sabe num clássico da série B, contra a Portuguesa... Dois times que têm a minha simpatia. Foto: EBC