Tiros lá, beijos aqui

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Esta semana começou na França um novo julgamento de um homem preso há quase vinte anos e já condenado a duas prisões perpétuas. Trata-se de um venezuelano chamado Ilich Ramires Sanchez, apelidado Carlos, o Chacal. Que nos anos 1970 e 80 era o homem mais procurado do mundo. Filho de pai comunista, sua fama de terrorista ganhou o mundo em 1975, quando sequestrou onze ministros de países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que se reuniram em Viena, na Áustria. Três pessoas morreram, e ele fugiu. Era temido, muito temido. Para qualquer reunião de líderes políticos europeus, ou simples aparição pública de alguma autoridade, montava-se um esquema de segurança enorme, com centenas de policiais, e mesmo assim temiam que o Chacal cometesse um atentado. Acreditava-se que entre os seus patrocinadores estava o líbio Muammar al-Khadafi e alguns líderes de facções guerrilheiras árabes. Mas isso nunca foi esclarecido. O certo é que corriam muitos boatos sobre onde estaria Carlos, o Chacal, quem estava na mira dele. E lá pela Europa e algumas outras partes do mundo, poderosos tremiam de medo dele. Ele só foi preso em 1994, no Sudão, pela polícia francesa. Teve que fazer uma cirurgia nos testículos, num hospital de Cartum, e lhe aplicaram uma anestesia geral. Inconsciente, foi colocado num avião e levado para a prisão, em Paris. Em 1997 foi condenado à prisão perpétua. Em 2011 recebeu mais uma pena de prisão perpétua, pelo assassinato de onze pessoas na década de 1980. Agora vai a mais um julgamento. Mas o que tem isso a ver com um colunista que tem como principal assunto a cultura brasileira? É só uma comparação que tem a ver com a antiga teoria do brasileiro cordial. Na época, aqui no Brasil também se montava um grande esquema de segurança em qualquer evento com a presença de pessoas importantes. Fossem shows, comícios, qualquer coisa. Medo de assassinato? Não! Medo de beijos! Enquanto na Europa temia-se um grande matador, aqui, apesar de vivermos numa ditadura que já havia massacrado os que tentaram resistir a ela pela via das armas (não só por essa via, claro. Muita gente se ferrou sem ter optado pela luta armada), temia-se um homem apelidado Beijoqueiro, que tinha mania de beijar gente famosa. A grande preocupação aqui era impedir que José Alves Moura, o Beijoqueiro, um taxista do Rio, nascido em Portugal, beijasse uma celebridade em qualquer evento em público. Em janeiro de 1980, o Maracanã lotado com 175 mil pessoas para um show de Frank Sinatra, havia um grande esquema de segurança, mas o Beijoqueiro conseguiu chegar ao palco e beijar o cantor, que levou um grande susto. Na posse de Leonel Brizola eleito governador do Rio de Janeiro, o Beijoqueiro mais uma vez chegou lá: furou o esquema de segurança e beijou o governador, que levou o caso numa boa. Quando João Paulo II veio ao Brasil, o Beijoqueiro foi preso por antecipação, no Rio. Antes dele chegar aqui, puseram o Beijoqueiro atrás das grades para ele não tentar “aprontar” mais uma e só o soltaram quando o Papa seguiu viagem. Mas o Beijoqueiro tinha patrocinadores anônimos que se divertiam com sua maluquice. Financiavam suas viagens. Assim, logo que foi solto seguiu para São Paulo, parada seguinte do Papa. Mas o prenderam aí também. Solto em São Paulo, seguiu para Curitiba, atrás do Papa. E acabou preso de novo. Finalmente, seguiu para Manaus, parada seguinte de João Paulo II. Lá não o prenderam. Então furou a segurança e beijou os pés do Papa. Faço um parêntese aqui, lembrando Darcy Ribeiro. No final do século XX, planejavam construir um memorial para ele, na Universidade de Brasília (UnB) e por recomendação do próprio o espaço deveria ser denominado “beijódromo”. Ele morreu pouco depois de propor isso, mas o “beijódromo” foi construído e inaugurado em 2008. Lugar bom para namorar. Darcy Ribeiro era mesmo cheio de boas ideias! Fecho o parêntese. Passou esse tempo em que o sujeito perigoso tinha como arma o beijo. Agora o medo tem mais sentido. O Brasil está cheio de matilhas furiosas de chacais travestidos de ovelhas e outros bichos que até voam... O ódio tornou-se amplo, geral e irrestrito. Está presente em todos os meios. Não existe mais espaço para um beijoqueiro maluco, brincalhão e ingênuo.