O ódio de classes e o novo normal

Para derrotar Bolsonaro será necessário derrotar o novo normal. É preciso derrotar essa naturalização da bizarrice, da tragédia e de um tipo de criminoso que se tornou protagonista da política

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O governo Bolsonaro é uma tragédia sob qualquer ponto de vista. Vivemos no meio de uma pandemia catastrófica sem que haja da parte do governo ações de combate ao drama. O desemprego nunca foi tão alto. Os preços da cesta básica explodiram. Cada vez mais territórios são dominados por milícias e a violência cria mais medo e desesperança. Tudo isso acontece e Bolsonaro continua com seus 30% de aprovação. O que explica isso? Por que um presidente tão bizarro e incompetente consegue sobreviver politicamente e ainda ser considerado um candidato forte para 2022? Parece que o bizarro a que ele se propôs interpretar criou um efeito teflon em sua imagem. Tudo é possível de ser naturalizado frente às atrocidades éticas e morais que já cometeu e defendeu. Não se pode esquecer que Bolsonaro já havia dito a deputada Maria do Rosário que “ela não merecia ser estuprada”. Que disse que ia “acabar com essa petralhada” usando um tripé como se fosse uma metralhadora. E na linha das maiores bizarrices ainda falou no CQC, ao então repórter Rafael Cortez, que já tinha feito sexo com uma galinha na juventude. Uma pessoa que faz tudo isso e se elege, parece estar blindado a fazer qualquer coisa no exercício do cargo. E de alguma forma é o que está acontecendo. Ontem, por exemplo, se descobriu que a Abin está sendo usada para investigar a favor do filho do presidente, Flávio Bolsonaro, que é suspeito de operações criminosas no exercício do mandato de deputado estadual. Entre outras coisas, de enriquecimento ilícito com base em roubo (rachadinha é roubo) de dinheiro dos cofres públicos a partir do uso de assessores que não trabalhavam. Qual foi a reação das instituições e mesmo da mídia a isso? Quase zero. Não houve indignação, jornalistas escandalizados, manifestos de advogados ou juristas e nem passou pela cabeça de alguém bater panelas para protestar. Para derrotar Bolsonaro será necessário derrotar o novo normal. É preciso derrotar essa naturalização da bizarrice, da tragédia e de um tipo de criminoso que se tornou protagonista da política. Os tais “cidadãos de bem”. Essa categoria social que odeia pobres, negros, gays, Estado e tudo que signifique direitos. Esse tipo de cidadão que ama os EUA e vive enrolado na bandeira do Brasil. É preciso que o povo passe a ter raiva desta gente, ódio. Que perceba que foram eles que levaram o país a essa tragédia e que lhe impede de comer arroz com feijão e bife. Que lhe impede de ter um pingo de dignidade. Sem esse ódio não romperemos a carcaça da banalização. Sem derrotar esse segmento da sociedade, não derrotaremos o novo normal e por consequência Bolsonaro. A esquerda precisa pensar muito em como vai proceder, por exemplo, na disputa da presidência da Câmara. Se fizer de conta que é possível dialogar com essa gente e fizer acordos institucionais com uma parte deste bando bolsonarista, se mostrará ao povo como um poodle. Aquele cachorrinho inofensivo que só late, mas não morde. As pessoas não querem mais gente fazendo política assim. Querem ter clareza de lados. Saber com quem estão. Querem gente que fale o que pensa e age conforme o que fala e pensa. É por isso que Bolsonaro a despeito deste governo trágico tem sobrevivido politicamente. Ele entrega essa “honestidade de propósitos e ações”. As pessoas o veem como sincero, como alguém que tem coragem de comprar brigas e enfrentá-las. Por isso, a esquerda se quiser virar o jogo vai ter de cair pra cima. Numa situação dessas, alimentar o ódio de classes não é algo que se deva ignorar. Ao contrário, pode ser a salvação de muitas vidas que estão sendo devastadas por um governo que mata pela pandemia, pela fome e pela violência.