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(texto originalmente publicado em 13 de outubro de 2008, quando este blog ainda era um "quase-blog")
Li, com enorme prazer, "Joseph Fouché", de Stefan Zweig (no Brasil, a obra está no catálogo da Editora Record).
O escritor austríaco - que se suicidou em Petrópolis (RJ), em 1942 - escreveu o livro em 1928.
É uma leitura fácil e saborosa. Zweig traça o perfil desse político francês que teve papel primordial durante a Revolução.
Ao contrário de Danton, Robespierre, Desmoulins e tantos outros líderes revolucionários, Fouché sobreviveu ao terror e à guilhotina. E sobreviveu porque dominava como ninguém a arte de trair na hora certa, para aderir ao partido vencedor. Era uma trânsfuga, um homem fiel apenas à própria sobrevivência política. Nada demais, certo?
Lembrei de Fouché ao ver, nos jornais da semana passada, a foto do centenário Oscar Niemeyer oferecendo apoio a Fernando Gabeira no segundo turno da eleição carioca [tratava-se da eleição municipal de 2008].
No Rio, dificil saber onde está o verdadeiro Fouché!
Ex-esquerdista, hoje atucanado, Gabeira busca em Niemeyer um verniz comunista para lembrar os velhos tempos.
Um salvo conduto para dizer à esquerda festiva carioca: "não mudei tanto assim".
Será?
Quando voltou do exílio, Gabeira se transformou em defensor de teses libertárias. Vestiu a tanga de crochê, o uniforme de ambientalista e a estrela do PT. Mas, no início do governo Lula, rompeu com os petistas e se bandeou para a oposição. Integrou a banda de música demo-tucana durante as investigações do Mensalão. Passou meses falando exatamente o que o "JN" da Globo queria ouvir.
Agora, Gabeira concorre à Prefeitura pelo PV, com apoio do PSDB e, no segundo turno, também terá a mãozinha amiga de Cesar Maia, do DEM.
Do outro lado, está Eduardo Paes. O rapaz - que nos anos 90 se lançou na politica como "prefeitinho da Barra" (uma espécie de Administrador Regional) de César Maia - conseguiu virar o candidato da "esquerda" neste segundo turno. Ganhou apoio do PT, do PCdoB... Logo ele, que integrava a mesma banda de música anti-lulista durante o Mensalão. Chegou a chamar o presidente de "chefe da quadrilha". Agora, corre atrás do apoio de Lula. Nada demais, certo?
Stefan Zweig, que tem vários livros brilhantes, ficou famoso nos trópicos quando escreveu "Brasil - o país do Futuro", em 1941, logo depois que decidiu viver em Petrópolis.
Que futuro será que ele viu? Um ano após escrever o livro, Zweig tomou uma dose cavalar de veneno e se matou.
Não teve tempo de perceber que o Brasil é também o "país do Fouchè".
Trânsfugas e oportunistas existem em toda a parte: de Moscou a Cingapura. De Paris a Nova York.
Mas Fouché, no Brasil, ficaria tonto com tanta concorrência.
Zweig mostra como Fouché, um ex-seminarista, converteu-se ao jacobinismo e foi dos mais ferozes lideres anti-clericais... No auge da Revolução, queimou Igrejas e trucidou adversários (especialmente em Lyon). Também votou pela execução do rei Luiz XVI em 1793.
Mas, quando o vento mudou, e a turma de Robespierre perdeu apoio na Convenção, Fouché na última hora ajudou a empurrar a cabeça do "Incorruptível" para a guilhotina. Com isso, manteve a própria sobre o pescoço.
Na sequência, aderiu ao Diretório, e ainda ajudou Bonaparte a empunhar o poder. Como prêmio, virou chefe da Policia do cônsul e (depois) Imperador Napoleão. E, pasmen, ganhou título de nobre: o ex-jacobino transformou-se em duque de Otranto.
Mas, como ninguém é de ferro, quando viu que o Imperador estava perdido, Fouché conspirou a favor da volta dos Bourbon. Assim, ganhou um Ministério de Luiz XVIII, no governo da Restauração.
Ou seja: cortou a cabeça de um Bourbon em 1793 (Luiz XVI), e duas décadas depois pôs a própria cabeça a serviço de outro rei da mesma dinastia, Luiz XVIII.
Foi a última tacada desse gênio do mal. Sobre ele, Zweig escreveu:
"(...) só quando a vitória está decidida é que Fouché se posiciona. Assim foi na Convenção, no Diretório, no Consulado e no Império. Durante o combate, ele não está com ninguém, no final do combate sempre fica com o vencedor."
Zweig era um humanista sem partido, e um dos primeiros intelectuais a pregar a idéia da Europa unificada (isso antes ainda da Primeira Guerra).
Judeu, filho de família rica, teve que fugir de seu país quando Hitler anexou a Áustria ao Reich.
Podia escolher qualquer lugar do mundo pra viver. Escolheu o Brasil.
Se você quiser saber mais sobre Zweig e sua obra, sugiro a biografia escrita por Dominique Bona, disponível no Brasil, também no catálogo da Editora Record.
P.S.
Justiça seja feita: na eleição carioca, só Niemeyer não merece figurar no clube dos Fouché.
Mas, coitado, sem perceber acabou também no meio dessa triste confusão.