Tracking permite ver impacto das denúncias

Incomodado com a falta de visão global dos dados apresentados pelo tracking* Vox/iG/Band, o leitor Bruno Moraes, doutor em Física Teórica, fez uma análise aprofundada das informações. Seu artigo contextualiza as intenções de voto e desenha hipóteses.

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Incomodado com a falta de visão global dos dados apresentados pelo tracking* Vox/iG/Band, o leitor Bruno Moraes, doutor em Física Teórica, fez uma análise aprofundada das informações.  Seu artigo  contextualiza as intenções de voto e desenha hipóteses. A análise é uma contribuição de Bruno para o Escrevinhador. *O tracking é uma pesquisa diária de intenção de voto Por Bruno Moraes Escrevi uma pequena análise sobre o tracking Vox/iG/Band. Minha motivação veio devido à ausência, até agora, de gráficos mostrando globalmente a evolução desde o início do tracking. No site do iG, só dá para acompanhar com as flechas, e é difícil ter uma visão global. Portanto, fiz um gráfico com todos os dados desde o primeiro dia do tracking (1° de setembro). Segue abaixo: [caption id="attachment_3640" align="alignnone" width="500" caption="Gráfico 2: "Fit" para os dados do gráfico 1 usando uma função com três parâmetros (uma parábola). As cores seguem as definições do gráfico 1."]
Gráfico 1: Intenções de voto segundo o tracking vox/ig/band. As curvas correspondem a Dilma (vermelho), Serra (azul), Marina (verde) e indecisos (cinza). As linhas verticais indicam os lançamentos de “crises” (sigilo de Verônica Serra, VEJA Erenice, VEJA Propina)
Antes de interpretar os dados, gostaria de discutir rapidamente a lógica por trás do meu procedimento. Imagino que este tipo de raciocínio seja conhecido por alguns, mas acho importante explicitar que tipos de métodos e suposições estou utilizando. Como todos sabem, pesquisas de opinião são estudos estatísticos, ou seja, utilizam-se de certas hipóteses para extrair comportamentos globais a partir de um “grande” número de dados individuais. A definição de “grande” depende do caso estudado e de muitos fatores que prefiro não discutir, sob risco de falar besteira. Pois bem, como todo estudo estatístico, os resultados estão sujeitos a flutuações. Porém, após 20 dias de tracking, imagino que dê para extrair tendências. Para isso, propus-me a utilizar “fits” dos dados para extrair funções matemáticas representativas das tendências. Este é um processo um pouco delicado. Se utilizo funções com poucos graus de liberdade (“simples” demais), posso perder informações contidas nos dados. Se escolho funções com muitos graus de liberdade (“flexíveis” demais), posso acabar olhando todas as pequenas flutuações e perder a “visão da floresta”. Para ver as “árvores”, não preciso de funções: basta olhar para os dados puros. Se a explicação acima pareceu muito técnica, resumo o problema: como extrair tendências sem “poluir” demais o resultado com oscilações devido somente a margens de erro, mas ao mesmo tempo sem perder informações importantes? Para começar, tentei “fitar” os dados utilizando uma função com três parâmetros (uma parábola), mesmo sabendo que tal “fit” seria provavelmente restritivo demais. Segue o resultado:
[/caption] Arrisquemos uma interpretação deste gráfico. Primeiramente, vemos que Marina Silva e Indecisos possuem intenções de voto praticamente constantes. Por enquanto, esqueçamos ambos e concentremo-nos na dinâmica Dilma-Serra. Parece claro que Dilma vinha em curva ascendente e Serra em curva descendente. Podemos arriscar a interpretação de que tal tendência tem a ver com o início do horário eleitoral e a grande qualidade do programa do PT, se comparado ao programa do PSDB. Podemos talvez citar também o aumento do conhecimento de Dilma, embora isto possa ser mais controverso, pois os votos não parecem estar saindo dos indecisos, e sim de Serra. Porém, pode-se sempre argumentar que indecisos simplesmente trocaram de Serra (em quem votariam por “recall”) para Dilma. Em todo caso, o que fica claro é a tendência de subida de Dilma e de descida de Serra num primeiro momento. Porém, ao longo das duas primeiras semanas de setembro, a tendência se inverteu, o que parece indicar que as duas “crises” tiveram seus efeitos. É claro que uma “crise” não tem efeito imediato, então creio que seria difícil creditar aspectos específicos da curva a momentos específicos das “crises”. Porém, o efeito visto na curva parece fora de contestação: nas duas semanas de setembro houve uma reversão da tendência de subida de Dilma e queda de Serra. Evitemos a tentação de interpretar tal fenômeno como “consequência das crises”. Interpretações são sempre perigosas, e na minha opinião é melhor falar de possibilidades. Eu formularia assim: a inversão das tendências pode estar ligada a fatores como o impacto das “crises” midiáticas, o movimento subterrâneo de ataque à posição pró-aborto de Dilma e também à sua atuação política na época da ditadura e, por último, talvez à aproximação dos respectivos teto e piso dos candidatos, que se não contribui para uma inversão, pode muito bem contribuir para a desaceleração da tendência de fim de agosto/início de setembro. Porém, será que captamos todas as informações relevantes? Tentemos um novo “fit” com um parâmetro adicional (agora são quatro): [caption id="attachment_3643" align="alignnone" width="500" caption="Gráfico 3: "Fit" para os dados do gráfico 1 usando uma função com quatro parâmetros. As cores seguem as definições do gráfico 1."][/caption] Neste gráfico, vemos que a progressão é um pouco mais sutil do que pareceu antes. Comecemos por descartar Marina Silva, que mesmo numa função com mais detalhes continua praticamente constante. Analisando o resto do gráfico, podemos ver que há duas novas informações presentes. A primeira é a ligeira reversão da tendência de queda de Dilma Rousseff. A segunda é a oscilação no número de indecisos. Analisemos uma a uma. A ligeira subida recente de Dilma é ainda um fenômeno muito recente para ser interpretado de maneira segura. Pode dever-se à saturação do impacto das “denúncias” das últimas duas semanas. Talvez esteja ligada igualmente à entrada em cena mais “violenta” do presidente Lula na última semana, com declarações fortes contra a campanha Serra, contra o DEM e contra a atuação da mídia. Ainda é cedo para saber quais fatores são os mais importantes e qual é a solidez desta tendência. Se se dever à redução do impacto das “crises”, tal tendência de recuperação pode ser revertida novamente com o impacto de novas “denúncias”. Já a curva de indecisos traz uma nova informação interessante. Com a entrada no ar das campanhas televisivas, o número de indecisos vinha caindo constantemente. Com a insistência nas “crises”, e principalmente em torno da “crise” da semana passada, o número de indecisos parece subir, e isto às custas de votos em Dilma. Muito se falou do “recall” do Serra, mas talvez aqui esteja um efeito do “recall” do Lula. Pessoas que não fazem parte da base de sustentação mais sólida de Dilma, mas que estariam votando em Dilma por gostarem do governo Lula (sem portanto admirarem este governo incondicionalmente). Porém, com a explosão de “crises”, começam a ver aspectos negativos na candidatura Dilma e ficam na dúvida, passando a integrar os Indecisos. Se esta interpretação for coerente, então fica explicada a subida recente de Dilma, concomitante com a redução de indecisos: pessoas que ficaram na dúvida, após a entrada em cena do presidente Lula, voltaram a declarar voto em Dilma. Uma outra parte de indecisos poderia estar ligada a eleitores de Serra que, desestimulados pela campanha televisiva estariam hesitantes mas, devido às novas denúncias contra Dilma voltaram a declarar voto em Serra. Nos próximos parágrafos, tentarei utilizar a análise acima para traçar um quadro passado e um quadro futuro da situação. Quanto ao passado, a grande dúvida consiste em interpretar as novas informações presentes no gráfico 3: posto que estas oscilações são pequenas, podem estar sendo geradas por oscilações estatísticas (margens de erro). A informação sólida que podemos tirar, olhando os dois gráficos, é que Serra reverteu a tendência de queda e voltou a subir, atingindo aproximadamente o patamar em que estava no início de setembro. Quanto a Dilma, a grande dúvida é: os resultados dos últimos dias indicam uma recuperação ou são simplesmente uma oscilação estatística? Em todo caso, os “escândalos” parecem ter causado o efeito desejado pela Oposição. É fácil ser profeta do passado. Em ciência, sabemos que para um conjunto de dados, múltiplas hipóteses podem ser formuladas. O que leva à escolha de uma teoria é sua capacidade de prever resultados ainda não observados que se confirmem posteriormente. Arriscarei o meu pescoço com uma análise futura. A minha interpretação é que essas curvas indicam que Dilma Rousseff, embora com votação expressiva, sofre de certa vulnerabilidade frente à artilharia pesada da Mídia. Por outro lado, eu arriscaria dizer que a reversão desta última semana está ligada à subida de tom de Lula face à Grande Mídia e à Oposição. A pergunta que fica é: se a Mídia aumentar o tiroteio, Dilma voltará a cair, ou sua candidatura somada à blindagem de Lula são sólidas o suficiente para segurar o nível atual de não tençoes de voto? Eu acho, humildemente, que a Oposição ainda não chegou perto de lançar as possíveis “denúncias” que poderiam ter mais efeito junto ao eleitorado, a saber, lançar uma grande ofensiva contra as posturas “não-religiosas” de Dilma e contra o seu passado de combate à ditadura militar. Por conta disso, eu discordo do Ricardo Guedes e acho que, vendo-se o efeito das “crises” na evolução das intenções de voto até agora e levando-se em conta também que a obrigatoriedade de dois documentos pode reduzir a quantidade de votos pró-Dilma em algumas áreas, o risco de termos um segundo turno é real. Um subproduto dessa análise é que, por enquanto, parece besteira o conceito de tentar fazer subir a candidatura Marina para levar a eleição ao segundo turno, levando-se em conta que o próprio Serra parece estar em curva ligeiramente ascendente. Tudo isso é meio vago e talvez não fosse necessário uma análise tão detalhada para chegar a essas conclusões. Mas confesso que a visão desta tendência global no tracking me fez “respeitar” um pouco mais o poder dos escândalos midiáticos. Coloco abaixo os mesmos gráficos com os “fits” acrescentando os dados reais, para uma comparação direta: