A era do ativismo político via internet

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B&D no Correio: A era do ativismo político via internet

11/02/2013

A ampla sala da Casa 14 de um conjunto residencial do Lago Sul não recebe mobília definitiva há mais de um ano. A brancura das paredes é quebrada por cartazes de manifestações e bandeiras de movimentos sociais dispostos no ambiente. As bandeiras dos movimentos Sem Terra e Sem Teto dividem espaço com um cartaz de cores verde e rosa, em que o símbolo do sexo masculino é adornado pelas palavras “homem, deixe o feminismo te libertar”. Em um tripé mais adiante, um banner ostenta o slogan dos jovens moradores da Casa 14: “Imaginar para revolucionar”. Eles têm entre 22 e 26 anos. Quando mudaram para o imóvel de dois pavimentos, na tranquila rua da quadra QL 28, os rapazes pretendiam passar por uma vivência política intensa. Integrantes do Brasil e Desenvolvimento (BeD), grupo político que nasceu no universo estudantil da Universidade de Brasília (UnB), sonhavam interferir na realidade política e social do Brasil. “Revolução”, dizem, “é lutar por uma nova política, mais inclusiva e participativa, mais justa e mais humana”.

Assim começa a matéria a respeito do B&D e de vários coletivos que, em todo o país, se uniram para fazer política transformadora. O texto foi publicado na edição impressa de hoje (11) no jornal Correio Braziliense, o maior da capital. Publicamos, abaixo, o texto na íntegra.

Aqui, para ler no site do jornal: Correio Braziliense

B&D - na Casa 14

Correio Braziliense: A era do ativismo político via internet 

Seja para discutir temas nacionais ou fiscalizar a aplicação de recursos públicos, jovens formam grupos com a mesma característica: o uso das redes sociais como ferramenta de mobilização

Juliana Colares

A ampla sala da Casa 14 de um conjunto residencial do Lago Sul não recebe mobília definitiva há mais de um ano. A brancura das paredes é quebrada por cartazes de manifestações e bandeiras de movimentos sociais dispostos no ambiente. As bandeiras dos movimentos Sem Terra e Sem Teto dividem espaço com um cartaz de cores verde e rosa, em que o símbolo do sexo masculino é adornado pelas palavras “homem, deixe o feminismo te libertar”. Em um tripé mais adiante, um banner ostenta o slogan dos jovens moradores da Casa 14: “Imaginar para revolucionar”. Eles têm entre 22 e 26 anos. Quando mudaram para o imóvel de dois pavimentos, na tranquila rua da quadra QL 28, os rapazes pretendiam passar por uma vivência política intensa. Integrantes do Brasil e Desenvolvimento (BeD), grupo político que nasceu no universo estudantil da Universidade de Brasília (UnB), sonhavam interferir na realidade política e social do Brasil. “Revolução”, dizem, “é lutar por uma nova política, mais inclusiva e participativa, mais justa e mais humana”.

O BeD funciona num modelo de coletivo voluntário, participativo e suprapartidário que não só é espelhado na agenda política do país, como ajuda a pautar agentes políticos, a imprensa e a própria academia. Formato que vem ganhando força e espaço no país, é movido por pessoas que querem interferir nas tomadas de decisão do poder, fiscalizar a atuação dos eleitos para representar o povo e propor mudanças ao ordenamento jurídico. Muitas vezes, não têm sede própria nem fontes de recursos que não sejam as próprias carteiras. Não à toa, o salão da Casa 14 chamou tanto a atenção de seis amigos que integram o BeD. Quando decidiram mudar para lá, eles já tinham a ideia de transformar aquele espaço em um lugar de discussão e troca de conhecimento, assim como a rede mundial de computadores.

“A internet é fundamental. É nossa principal ferramenta de articulação e participação política. Lá, postamos vídeos que suscitam discussões, publicamos artigos e nos conectamos com outras pessoas e até com outros coletivos, o que nos ajuda a montar e participar de ações mais amplas”, disse Edemilson Paraná, jornalista, mestrando em sociologia e analista de comunicação do Ministério Público da União que milita no BeD.

Entre as ações do grupo, pode-se listar desde consultorias jurídicas e logísticas gratuitas a movimentos sociais até vídeos humorísticos que usam a ironia para falar de conhecidas figuras da política nacional. “Não somos um movimento social. Somos um agrupamento de pessoas que acreditam num conjunto de pautas e defendem um modelo de sociedade. Grupos como o nosso possibilitam a oxigenação, de fora para dentro, da estrutura tradicional de representação política”, disse Paraná.

Denúncias O sociólogo da UnB e pesquisador do mundo virtual Antônio Flávio Testa lembra o poder que esses grupos têm de interferir na agenda política, levantando debates, fomentando denúncias e até interferindo na criação de projetos de lei. “Discussões iniciadas por alguns movimentos na internet acabam desembocando em legislações e obrigando o Congresso a se posicionar sobre o assunto”, disse. Mas ele não acredita que ações pontuais consigam interferir de forma contundente nos complexos processos decisórios. “Não enquanto a população não acordar para discutir essas coisas. As pessoas não acompanham o dia a dia dos políticos. Se dá o voto, tem que acompanhar”, defendeu.

Os protestos e abaixo-assinados não foram capazes de impedir a eleição de Renan Calheiros (PMDB-AL) à presidência do Senado. “O Congresso não tem o direito de decidir contra o desejo da sociedade”, disse um dos diretores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Márlon Reis, pouco antes da confirmação do nome que irá comandar o Congresso nos próximos dois anos. Nos dias que antecederam a eleição, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), também disse o que pensa sobre o assunto, em entrevista publicada no Correio: “Isso (o movimento na internet contra Calheiros, que ontem somava 1,34 milhão de assinaturas) pode ter efeito externo, não aqui dentro”.

Mobilização Conheça as propostas de alguns grupos da sociedade criados para acompanhar e influenciar a política

Ocupe a Câmara  Grupo nascido nas redes sociais depois que vereadores de Belo Horizonte tentaram aumentar o próprio salário em 61,8% no apagar das luzes de 2011. Internautas se organizaram nas redes sociais com a proposta de nunca deixar a Câmara Municipal vazia.

Brasil e Desenvolvimento (BeD)  Reúne jovens que têm o objetivo de estimular as discussões sobre política, pautando não apenas a academia, como a imprensa e a própria atividade dos legisladores.

Transparência Hacker  Apesar do nome, não são piratas virtuais. Os especialistas em computadores apenas trabalham com dados que são abertos. A ideia é divulgar informações governamentais que já são públicas, tornando-as mais acessíveis.

Direitos Urbanos (DU)  Fundado no Recife, o grupo promove discussões sobre políticas que envolvem a capital pernambucana, como urbanismo e trânsito.

Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral  Reúne 51 entidades nacionais de todo o país com foco no processo eleitoral. Foi responsável pela campanha que originou a Lei da Ficha Limpa. Hoje, trabalha com um projeto para a reforma do sistema político brasileiro.

A serviço da transparência 

Também nascido da vontade de provocar mudanças, um outro grupo, o Transparência Hacker, acredita no poder do conhecimento e trabalha coletivamente para munir a sociedade com informação. Com braços em São Paulo, Belém e Brasília, trabalha para transformar dados desconexos em textos passíveis de interpretação pelo cidadão comum. O grupo de Brasília reuniu, por exemplo, todas as emendas parlamentares rubricadas pelos deputados distritais em 2012 e montou um mapa geolocalizado que permite que o usuário saiba para quais ações os recursos estão sendo direcionados, possibilitando a consulta por região administrativa do Distrito Federal. O resultado está no site www.eufiscalizo.com.br. Agora, eles estão fazendo o mesmo com as emendas de 2013. O resultado está sendo publicado no emendas.crowdmap.com.

“A palavra hacker foi deturpada. Hacker é aquele que revela o que está velado, partindo do conceito de que o conhecimento pertence a toda humanidade”, disse o servidor público formado em telecomunicações e informática Dênis Lima, 37 anos. “Nós costumamos fazer hackerdays. Pegamos um dia e reunimos pessoas com conhecimentos em áreas diferentes, como contabilidade, gastos públicos, direito e informática, e criamos aplicativos em que a população consegue acessar informações, não apenas dados não processados”.

As reuniões do grupo são feitas em espaços cedidos ou até em praças de alimentação. O dinheiro para pagar os domínios dos sites e as hospedagens dos bancos de dados saem dos bolsos dos participantes. “Não é preciso ter sede. Pode-se simplesmente fazer uso das redes sociais, por exemplo”, diz Antônio Flávio Testa. (JC)

O modelo de cidade 

É nas redes sociais que o grupo recifense Direitos Urbanos (DU) se organiza, promove discussões que fomentam ações coletivas. A mais conhecida é a luta para evitar que um cartão-postal da capital pernambucana, o Cais José Estelita, hoje ocupado por armazéns há muito em desuso, dê lugar a 13 edifícios. A obra, defendem, alteraria a paisagem e impactaria o trânsito.

O DU conseguiu pautar a imprensa e chamar a atenção da sociedade recifense. “Esse fenômeno que estamos vivendo é novo e importantíssimo”, defende Raquel Rolnik, ex-diretora de Planejamento da Cidade de São Paulo. Mas ela não doura a pílula quando fala na capacidade que esses grupos têm de interferir nas relações de poder. “Esses movimentos ainda são minoritários, mas estão crescendo. Quando eles vão ter força suficiente para incidir na agenda política real, veremos.” (JC)