a propósito do Brasil dividido nas eleições 2006

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veja o mapa:


Agora leia a letra da canção:

Nordeste Independente
Elba Ramalho

Composição: Bráulio Tavares/Ivanildo Vilanova

Já que existe no sul esse conceito
Que o nordeste é ruim, seco e ingrato
Já que existe a separação de fato
É preciso torná-la de direito
Quando um dia qualquer isso for feito
Todos dois vão lucrar imensamente
Começando uma vida diferente
De que a gente até hoje tem vivido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Dividindo a partir de Salvador
O nordeste seria outro país
Vigoroso, leal, rico e feliz
Sem dever a ninguém no exterior
Jangadeiro seria o senador
O cassaco de roça era o suplente
Cantador de viola o presidente
O vaqueiro era o líder do partido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Em Recife o distrito industrial
O idioma ia ser nordestinense
A bandeira de renda cearense
“Asa Branca” era o hino nacional
O folheto era o símbolo oficial
A moeda, o tostão de antigamente
Conselheiro seria o inconfidente
Lampião, o herói inesquecido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

O Brasil ia ter de importar
Do nordeste algodão, cana, caju
Carnaúba, laranja, babaçu
Abacaxi e o sal de cozinhar

O arroz, o agave do lugar
O petróleo, a cebola, o aguardente
O nordeste é auto-suficiente
O seu lucro seria garantido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Se isso aí se tornar realidade
E alguém do Brasil nos visitar
Nesse nosso país vai encontrar
Confiança, respeito e amizade
Tem o pão repartido na metade,
Temo prato na mesa, a cama quente
Brasileiro será irmão da gente
Vai pra lá que será bem recebido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Eu não quero, com isso, que vocês
Imaginem que eu tento ser grosseiro
Pois se lembrem que o povo brasileiro
É amigo do povo português
Se um dia a separação se fez
Todos os dois se respeitam no presente
Se isso aí já deu certo antigamente
Nesse exemplo concreto e conhecido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Povo do meu Brasil
Políticos brasileiros
Não pensem que vocês nos enganam
Porque nosso povo não é besta

E por fim veja o texto que é um bom guia de leitura do mapa. Entretanto, um adendo, discordo da conclusão final do autor. Ela tem um cheiro de discurso alckmista. O que seria "modelo de desenvolvimento" para esse país?

O voto de quem teve sua vida tornada menos miserável pelas políticas sociais (que o autor reduz a puro assistencialismo) não é válido?

Ops! Uma mudança concreta na vida do cidadão é inferior ao tal "projeto de desenvolvimento?"

Que tal considerar nesta análise a ampliação do índice de desenvolvimento humano no quesito diminuição da mortalidade infantil pela melhora na alimentação?

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Votação de alto contraste
Quinta, 19 de outubro de 2006, 07h58
José Roberto de Toledo


À primeira vista, o que mais chama a atenção no mapa de votação do 1º turno é o seu forte contraste, como que a indicar uma cisão nacional. As áreas tingidas de vermelho vivo (Veja a imagem ampliada aqui: http://img.terra.com.br/i/2006/10/18/409802-9188-in.jpg) marcam os municípios onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu por uma margem superior a 50% dos votos válidos. A mancha azul-marinho representa as cidades onde Geraldo Alckmin (PSDB) cativou mais da metade dos eleitores que votaram em algum candidato a presidente.

São duas partes bem distintas, de fronteiras definidas e com poucas intersecções. Um retrato sob sol a pino, claro e escuro acentuados, sem meios-tons. São raras as regiões pintadas de rosa ou de azul turquesa. Essas cores representam vitórias de Lula e Alckmin, respectivamente, mas por uma diferença insuficiente para definir a eleição já no primeiro turno - ou seja, nessas cidades nenhum dos presidenciáveis obteve maioria absoluta de votos.

Dos 5.564 municípios brasileiros, Lula conseguiu mais da metade dos votos em 2.790 (50,1%). Se dependesse apenas dessa parte do País, o petista teria sido reeleito no 1º turno. Alckmin, por sua vez, superou 50% dos votos válidos em 2.134 cidades (38%).

Isso significa que em apenas uma parcela mínima do Brasil, equivalente a 12% ou 640 municípios, a maioria do eleitorado votante não pendeu decisivamente para um dos dois presidenciáveis favoritos. Dos 21,072 milhões de votos válidos dessa região de transição tucano-petista, Lula ficou com 9,149 milhões, e Alckmin, com 8,783 milhões. Na prática, um empate técnico, com os votos de um anulando os do rival.

Na área vermelho escura, Lula arrebanhou praticamente dois terços dos válidos, somando 25,871 milhões de votos. Desses municípios saiu 55% da sua votação total. Do outro lado da fronteira, Alckmin computou 20,540 milhões de votos na região azul marinho do mapa, o que equivale a 58% do eleitorado votante dessas cidades e a 51% de todos os votos que recebeu no País.

Falar, porém, em secessão é exagero. As votações do petista e do tucano em terreno adversário são minoritárias, mas nada desprezíveis. Foram esses eleitores "infiltrados" que garantiram a realização do 2º turno. Lula teve 11,6 milhões de votos na porção alckimista do território. Isso significa um terço do eleitorado. Alckmin, de sua vez, bateu nos 10,6 milhões em plagas predominantemente lulistas, ou 27% dos votos válidos. Em caso de confronto entre as partes, o cenário estaria mais para Iraque pós-Saddam do que para a guerra da secessão norte-americana.

A divisão geográfica dos votos é clara. Lula dominou as áreas mais pobres, e Alckmin, as mais ricas. A linha de Tordesilhas eleitoral "desce" desde o Amapá, corta o leste do Pará, engloba Tocantins, evita Goiás e traça uma diagonal pelo meio de Minas Gerais até desembocar no Rio de Janeiro. A leste, o eleitorado é Lula. A oeste, Alckmin.

A principal ilha lulista em meio ao mar alkimista é o Amazonas. Lula obteve nada menos do que 78% dos votos amazonenses, só perdeu em 1 dos 62 municípios do Estado e ainda impôs um retrocesso ao adversário. Foi uma das raras três unidades da Federação em que Alckmin teve proporcionalmente menos votos do que José Serra (PSDB) em 2002. As outras foram Paraíba e Pernambuco.

O município mais pró-Lula do País também fica no Amazonas, às margens do rio que dá nome ao Estado. O presidente obteve nada menos do que 93,4% dos votos válidos em Manaquiri: 5.982 contra 425 dos adversários. A principal explicação para a goleada é o Bolsa Família. De janeiro a agosto deste ano, o governo federal deu R$ 565.646,00 a 1.494 famílias do município, cerca de R$ 380 para cada uma, em média.

É pouco, mas dá para Maria Adalgiza da Silva de Carvalho comprar a comida dos filhos. Para ela, para outras 259 Marias de Manaquiri e para milhões de Josés, Marias e Joões distribuídos pelo Nordeste, pelos vales do Jequitinhonha e do Mucuri e pelas periferias das principais regiões metropolitanas brasileiras. O mapa do Bolsa Família (Veja o mapa do Bolsa Família aqui: http://img.terra.com.br/i/2006/10/18/409820-7029-in.jpg) se superpõe ao mapa de voto de Lula.

Seja por medo de perder o benefício caso o presidente não se reeleja, seja porque o dinheiro dos repasses federais movime nta a economia das localidades pobres e, indiretamente, ajuda até quem não tem um cartão do Bolsa Família, grande parte do eleitorado pensou com o bolso na hora de teclar o número do presidenciável na urna eletrônica. Há uma forte correlação estatística entre o percentual de famílias pobres atendidas pelo programa federal e a votação do Lula nos municípios mais beneficiados.

Um bom exemplo é Minas Gerais, um dos Estados mais divididos eleitoralmente do País. Dos seus 853 municípios, Lula venceu em 550, e Alckmin, em 303. Somados os mineiros, o petista saiu com pouco mais de 1 milhão de votos de vantagem sobre o tucano: 5,2 milhões a 4,1 milhões. Nas áreas fronteiriças com a Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro, onde mais de um terço das famílias recebem dinheiro do Bolsa Família, Lula foi quase hegemônico no 1º turno.

Já em regiões próximas a Brasília, Goiás e no sul de Minas (área de influência paulista), onde há menor penetração dos programas assistencialistas federais, o resultado foi oposto: Alckmin venceu com mais de 50% dos votos em cidades como Unaí, Itajubá, Lavras, Araxá, Poços de Caldas, Alfenas e Varginha.

Os efeitos do Bolsa Família são geograficamente limitados. No Nordeste, onde o governo federal despejou R$ 2,947 bilhões em auxílio financeiro às famílias pobres este ano, a uma média de R$ 57 por cabeça, Lula conseguiu aumentar sua votação em 46% na comparação com o 1º turno de 2002. No Sul, que só recebeu R$ 514 milhões, ou um terço do valor per capita dado aos Nordestinos, o presidente perdeu 1,6 milhão de votos em relação à sua votação de quatro anos atrás.

A Manaquiri de Alckmin chama-se Ipiranga do Sul e fica no norte gaúcho. Lá, o tucano arrebanhou nada menos do que 82,8% dos válidos: 1.209 votos contra 206 de Lula. Atingidos em cheio pela crise do agronegócio, os eleitores ipiranguenses parecem não estar nem aí para o Bolsa Família e os R$ 24.920,00 pagos a 94 famílias do município até agosto. E não são os únicos. Dos 496 municípios gaúchos, o tucano foi o mais votado em 449. Foi a primeira vez que Lula perdeu uma eleição no Rio Grande do Sul desde o 2º turno de 1989.

O presidente também perdeu eleitores em São Paulo, seu berço político. Lula teve 1 milhão de votos a menos do que em 2002. Alckmin abriu quase 4 milhões de votos de vantagem sobre o petista e fez um resultado 90% melhor do que Serra há quatro anos. Ganhou em 564 dos 645 municípios paulistas, inclusive na capital e nas duas outras maiores cidades do Estado: Guarulhos e Campinas. Lula venceu em São Bernardo do Campo, Diadema e Osasco.

O resultado paulista serve para demonstrar as limitações eleitorais do Bolsa Família. Com uma proporção menor de sua população atendida pelo programa federal do que Santo André, bem como um repasse médio por família mais baixo, São Bernardo deu 51% de seus votos para Lula. Ao mesmo tempo, a cidade vizinha, apesar de ser governada pelo petista João Avamileno, deu vitória a Alckmin. O mesmo vale para Osasco e Guarulhos, por exemplo.

Nas grandes cidades, onde os programas assistenciais não têm recursos para atender mais do que 20% da população, outros fatores parecem influenciar o eleitor além do próprio bolso. Não custa sonhar que entre eles estejam a visão política do eleitorado e sua opção por um modelo de desenvolvimento para o País.


José Roberto de Toledo, 40, jornalista há 20 anos, é diretor da PrimaPagina (www.primapagina.com.br), editor-chefe do Jornal do Terra e vice-presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Trabalhou por 13 anos na Folha de S.Paulo, colaborou para veículos como Carta Capital e BBC, e é professor convidado do Centro Knight de Jornalismo para as Américas (Universidade do Texas).