Com Serra o Brasil pode mais: mais caos na segurança pública

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Gerenciamento do Caos

Por José Vieira da Silva Júnior ( servidor público/SP do blog Brasil Crítico)

A segurança pública no estado de São Paulo e no Brasil há muito tem sido objeto de estudos, teses e ações pontuais de professores, da sociedade civil organizada e do próprio poder público, responsável por mantê-la, em face de sua intrincada situação de ineficácia ante os terríveis crimes que acometem os cidadãos.

Em São Paulo, há quinze anos vive-se uma situação de profundo temor e descrédito por parte da população, ao mesmo tempo em que o efetivo policial ciente desse problema, atua desfalcado, desmotivado e repleto de chagas que a corrupção e o abuso de autoridade não deixam fechar, inobstante ações firmes de seus órgãos corregedores e a necessária e crescente disposição da sociedade em denunciar esses maus profissionais.

Já o Governo do Estado, ao longo desse mesmo período, realiza ações no setor baseadas em estatísticas cujos resultados sempre são questionados ou questionáveis sob a ótica de especialistas isentos, por não apresentarem a realidade vivida pelos cidadãos, deixando de manter uma política de segurança pública, ou, ao menos, uma simples diretriz de trabalho para os profissionais do setor que fosse inteligível pela população.

Não bastasse a falta de planejamento a médio e longo prazo para alicerçar o combate à criminalidade, os governos não deram ouvidos aos profissionais do setor, preferindo embasar suas ações em teses e idéias de pessoas que nem sempre têm ou tiveram alguma bagagem prática nessa área.

É preciso que a realidade venha à tona e que o povo, responsável pelo custeio de todo esse caos, tenha ao menos noção do tratamento dispensado pelo Governo do Estado à segurança pública e aos policiais de São Paulo, os problemas que envolvem a rotina desses profissionais, sem perder de foco o quão insatisfatório tem sido o atendimento prestado pela Polícia aos cidadãos, seja por inabilidade dos policiais ou pela falta de estrutura que o poder público deveria oferecer.

A Polícia Civil de São Paulo, centro das atenções neste artigo, sempre teve a missão de investigar crimes após sua ocorrência, com o objetivo de estabelecer com a máxima certeza possível: que fato considerado criminoso ocorreu, quando, onde, como e por que razão se deu, além de identificar seu autor, eventuais co-autores e partícipes. Esse era o conceito clássico, comum à atividade policial judiciária, que em decorrência da “modernização do crime” e da difusão do conceito de inteligência policial, passou a contemplar também a atribuição de tentar, por meio de técnicas de investigação diferenciadas, atuar de modo a tentar impedir a própria prática de ações delituosas, antepondo-se ao criminoso, sobretudo àquele organizado, para desmantelar sua estrutura e frustrar seus objetivos.

Não é preciso dizer que tais atribuições não são fáceis e demandam investimentos maciços em treinamento de pessoal, equipamentos e na estrutura física das unidades policiais, a fim de atenderem melhor à crescente demanda na área.

Nesse ponto, os últimos governantes de São Paulo realizaram alguns investimentos acompanhados pela simples modernização da frota de viaturas e das armas utilizadas, o que não pode ser considerado mérito extraordinário, pois tais ações são necessárias e periódicas em qualquer administração pública que se preze, ao contrário dos exorbitantes gastos em publicidade para divulgar como investimento na segurança pública aquilo que é uma obrigação de rotina. É o mesmo que uma dona de casa alardear para a família, amigos e vizinhos que está fazendo uma grande inovação em sua casa, comprando uma marca melhor ou nova de arroz ou de feijão. Dentro dos limites do orçamento doméstico, é isso que se espera sempre, ou seja, que o dinheiro seja utilizado da melhor maneira possível para a manutenção das necessidades fundamentais da família, o que vale também para o governo.

Já no campo da remuneração, nunca há dinheiro para pagar dignamente os policiais. Sempre existe a velha desculpa do cobertor curto. Mas basta observar o Diário Oficial do Estado e verificar que o que realmente falta é a vontade política de valorizar esses profissionais. Digo isso porque, ao contrário dos policiais civis da ativa que não tiveram aumento de salário, mesmo sem realizar qualquer movimento por melhorias salariais, Procuradores do Estado receberam majoração de seus razoáveis vencimentos, enquanto Delegados, Escrivães de Polícia e Investigadores almejam apenas dignidade salarial, seja com um piso equiparado àquele pago aos Defensores Públicos e Procuradores do Estado para Delegados de Polícia, ou, ainda, com o pagamento de remuneração mais elevada a Escrivães e Investigadores de Polícia em decorrência do grau de escolaridade exigido para ingresso nessas carreiras, que é o universitário desde o final de 2008.

Vale lembrar que alguém que ingressa na carreira de Oficial de Promotoria do Ministério Público/SP ganha aproximadamente R$5.800,00, conforme tabela publicada no site da Instituição, ao passo que um Delegado de Polícia, autoridade policial, tem salário inicial inferior a isso, assim como um Escrivão ou Investigador em início de carreira ganham parcos R$2.200,00 brutos. Ressalte-se que, ao longo dos anos e mesmo subindo todos os degraus da carreira, a diferença entre o valor inicial e o final de todas as denominações de cargos policiais é risível, desprestigiando o conhecimento acumulado e o mérito que somente a antiguidade proporciona.

Daí se depreende um pouco da origem da rudeza dos policiais civis, que não tem um ganho mensal adequado às funções que exerce, sendo obrigado a realizar os famigerados “bicos”, caso tenham família para sustentar.

Além disso, o valor pago a título “pro labore” de chefia para as funções de Escrivão e Investigador de Polícia aproxima-se de R$145,00. Isso mesmo: um profissional que chefia o cartório de uma Delegacia Seccional de Polícia como a de Campinas/SP, que comanda treze Distritos, ganha esse valor que, aliás, é o mesmo que ganha seu colega que chefia alguma das unidades policiais subordinadas.

Outra questão interessante da vida do policial refere-se ao pagamento de vales-refeição, apenas para os iniciantes das carreiras operacionais, no valor de R$4,00(quatro reais) cada, sendo contabilizado um vale por dia trabalhado para almoço. Creio que tal situação não demande maiores comentários.

Não bastassem os problemas remuneratórios citados, some-se a eles a falta de pessoal para o atendimento ao público, recursos materiais insuficientes e, quando existentes, sem a devida manutenção periódica, isso para não falar das Unidades Policiais construídas com recursos dos municípios, que não raro custeiam também o combustível das viaturas, além de cederem funcionários para suprir necessidades da delegacia local.

É nesse arenoso terreno, tendo por alicerce apenas a abnegação de poucos, que a Polícia Civil tenta cumprir sua missão institucional, em meio ao desvio de alguns integrantes que sucumbem ao crime em busca do dinheiro fácil, ou do esgotamento físico e mental daqueles que empreendem dupla jornada de trabalho para se manterem dignos de olhar seus entes queridos nos olhos, como pais e mães de família decentes.

Enquanto isso, os governantes e parlamentares afirmam que o melhor está sendo feito para o povo, que sofre com as oscilações da criminalidade decorrentes da ausência de uma política contínua de investimento profissional no setor, em que pese o constante anúncio de crescimento da arrecadação de tributos.

O cidadão merece mais respeito e lealdade do poder público. O dinheiro do povo deve ser melhor aplicado na segurança pública, e o atendimento nas Delegacias de Polícia tem que ser melhor. A população merece e tem o direito de saber que hoje o que o governo faz é o gerenciamento do caos na segurança a níveis tidos por “especialistas” como aceitáveis e não o combate incisivo, que passa obrigatoriamente pelo estímulo do profissional do setor.

O policial deve ser mais ouvido no gerenciamento da segurança pública, sobretudo o comando da Instituição, que inúmeras vezes clama sozinho no deserto que a administração pública lhe impõe, do mesmo modo que a inteligência da população não deve ser subestimada.

Esse quadro não mudará apenas com a publicação deste e de outros artigos que tratem do tema. É imprescindível a atuação firme e ampla da imprensa, da sociedade civil organizada por meio de ONGs e outros organismos, e da OAB, permanente e corajosa defensora da cidadania, a fim de que tenhamos não apenas projeções futuras para a segurança pública, mas sim resultados concretos no presente.