FHC: Obama, Chavez, Lula, bacalhau do Chacrinha e bolsa família

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Encafifei-me com um texto do PHA dizendo que FHC tinha comparado o Bolsa Família ao bacalhau do Chacrinha. Juro que custei a acreditar. Procura daqui, pedi ajuda de lá e a Rita C. Machado me passou o link via twitter.

FHC não diz assim de chofre, na lata. Diz no melhor estilo tucanês, fhceneando, 'cheio de classe' com tinturas da Sorbonne, cheio de referências de seu vasto cabedal da história mundial ou nas citações de termos em língua estrangeira: 'decoupling'.

Para o ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, as consultas populares realizadas nos governos democraticamente eleitos na Venezuela ou Bolívia (referendos e plebiscitos cujos resultados foram todos respeitados nunca é demais lembrar), assim como as canções dos comícios de Chavez, a posse de Obama ou nas metáforas fhceneanas - 'a entronização de Obama como imperador'- e, também, a palavra do presidente Lula garantindo à velha mídia grande (apaixonada por crises) que a economia brasileira não seria arrastada pela crise econômica mundial ('marolinha') e, finalmente, o programa Bolsa Família, são como o 'bacalhau do Chacrinha'.

São todos traços da espetacularização da política ou nas palavras fhceneanas: "modelo Chacrinha de animação de auditório",  "troca simbólica de favores", "descolamentos entre a política e a realidade das pessoas".

O artigo foi publicado em março de 2009 quando os urubus da velha mídia ainda torciam para o Brasil sucumbir  à grande crise econômica mundial. O teor derrotista do ex-presidente FHC em tom arrivista carrega o vaticínio de um Brasil sucumbindo sem que as 'luzes da razão', representadas pela oposição, nada pudessem fazer diante do Alô, alô Bolsa Família da nova versão do Chacrinha: o Lula (embora ele não diga isso literamente, porque intelectuais não fazem isso).

Mais de um ano da publicação do artigo sombrio de FHC, vejo a batalha inglória de José Serra afirmando que a 'bolsa vagabundagem', apelido que seu aliado, o senador Agripino Maia, deu ao programa Bolsa Família, ou a 'bolsa esmola' (apelido mais comum na fala da direita menos chegada às luzes fhcneanas) é sua criação! Serra precisa desesperadamente tentar convencer os eleitores do '3º mandado de Lula', que ele  não é FHC, não é anti-Lula, não vai acabar com o Bolsa Família e que ainda vai melhorá-lo!

Parodiando o velho Drummond, pergunto-me: Qual será a mágica, José?

E hoje vejo esta foto emblemática, retrato fidedigno da 'crise econômica' que o governo do 'vocês querem bacalhau?, do velho sapo barbudo criou. Cadê a oposição iluminada para nos salvar? [caption id="attachment_2397" align="aligncenter" width="575" caption="Loja de Departamentos em João Pessoa, Paraíba, hoje. A liquidação provocou tumultos, pessoas hospitalizadas  e a loja precisou ser fechada. Segundo o gerente Telmo Cysneiros: "(...) a demanda para o dia de hoje foi muito superior ao que a gente estimou e gerou o tumulto com as pessoas forçando a porta.""][/caption]

Alô, Alô Terezinha, não deixe de ler a conclusão do texto 'pérola aos porcos', esforços hercúleos do Farol de Alexandria que sozinho luta para trazer a razão à essa massa ignara alimentada por bacalhau. Texto na íntegra, aqui.

O Gesto e a Palavra 01/03/2009 Por Fernando  Henrique Cardoso (o Iluminado)

Andou na moda falar de decoupling para dizer, em simples português, descolamento entre a economia brasileira e a internacional. Os efeitos da crise em nossa economia fizeram o termo sair de moda. Foi substituído por expressão mais terna, “marolinha”. Com o bicho-papão corroendo o mercado financeiro lá fora (na verdade o sistema financeiro central quebrou) há certo aturdimento. Não se sabe com que palavras qualificar o que anda pelo mundo: recessão prolongada, depressão, fim do unilateralismo norte-americano na política, multipolaridade, não polaridade etc. Por aqui o governo prefere passar em marcha batida sobre o que nos azucrina. Em vez de desenhar quadros sombrios ou róseos para o mercado, faz o decoupling à moda brasileira: descola a economia da política, precipita o debate eleitoral e, nele, vale o discurso vazio.

É verdade que não somos os únicos a encobrir as angústias apelando a gestos sem conotação, sequer alusiva, aos fatos e circunstâncias. Basta mencionar a campanha bolivariana pela reeleição perpétua, uma quase caricatura da política. O significado da democracia se esboroou na “consulta popular”. Se o povo quer o bem-amado para sempre, pois que o tenha e, como disse nosso presidente Lula, se a prática ainda não é boa para o Brasil é questão de tempo. Quando a cidadania amadurecer encontrará a fórmula de felicidade perpétua...

Assisti na tevê, por acaso, ao último comício eleitoral do presidente Chávez em Caracas e, confesso, fascinei-me. Ele chegou, simpático como sempre, um pouco mais gordo que o habitual, vestindo camisa-de-meia vermelha, abraçando a toda gente, sorrindo, e foi direto ao ponto: “Hoje não falarei muito, vamos cantar!” disse. E entoou uma canção amorosa de melodia fácil, repetindo o refrão “amor, amor, amor...” Conversou com um ou outro no palanque incitando-o a também cantar, falou familiarmente com a plateia e finalizou: amor é votar sim no domingo! Por mais que no plano pessoal possa sentir até estima pelo personagem, não pude deixar de reconhecer no estilo algo que nos é habitual: o modelo Chacrinha de animação de auditório. Funciona, e como!

O descolamento entre a política e a realidade das pessoas (não só a economia), a repetição simbólica de gestos que guardam pouca relação com um ambiente racional, mas “ligam” o ator com a platéia e com a “sociedade”, está se tornando regra nas atuais democracias de massas. Há algo de encantatório no modo pelo qual a política do gesto sem palavras (ou no quais as palavras contam menos do que a forma) funciona substituindo o discurso tradicional. Quando me recordo do “sangue, suar e lágrimas” dito por Churchill ao tornar-se primeiro-ministro em plena guerra contra o nazismo, do discurso em Fulton quando disse que uma “Cortina de Ferro descia sobre a Europa”, ou de vários pronunciamentos de Roosevelt como o de posse em plena Depressão, célebre pela frase “nada há a temer, exceto o próprio medo” ou ainda de Getúlio Vargas no estádio do Vasco da Gama apelando aos trabalhadores, e comparo com a retórica atual, há um abismo a separá-los.

Faço esses comentários despretensiosos porque me preocupa o que possa vir a ocorrer no Brasil. A mídia e a sociedade cobram um discurso de oposição. Diz-se, e é certo, que ela deve unir-se se quiser vencer. Mas, que discurso fazer? O racional, da crítica ao desmanche das instituições, do enlameamento cotidiano da política, deveria ganhar mais vigor, dizem. O grito de Jarbas Vasconcellos estava parado no ar e sua entrevista em Veja deu-lhe um sopro de vida. Mas foi o próprio senador quem mostrou os limites desse tipo de protesto: o governo e o próprio presidente banalizaram o dá-cá-toma-lá. É como nos computadores quando se envia um e-mail e surge o aviso: a caixa está cheia. A caixa da revolta dos brasileiros contra o mau uso da política parece estar cheia. Temo que qualquer discurso “político” seja logo desqualificado pelos ouvintes.

Quer isso dizer que a as oposições devam silenciar sobre a perda de substância das instituições, sobre o clientelismo e a corrupção larvar, tudo com a leniência de quem manda? Não. Mas precisam inventar uma maneira de comunicar a indignação e as críticas que toque na alma das pessoas. Este é o enigma da mensagem política, de governo ou de oposição. Tanto o modelo-chacrinha como o do discurso de pregador chega à alma das pessoas. Não estou dizendo que a comunicação política se resolve pela supressão do discurso analítico. Isso seria rendermo-nos a idéia da política como mistificação (o que, aliás, não é o caso de Obama). Mas quando se dispõe de um ícone, como o Plano real, por exemplo, ou quando o próprio candidato é um ícone, tudo fica mais fácil.

Em nosso caso, as oposições, além de articularem um discurso programático, condição necessária para quem se respeita e acredita nas instituições, deverão expressá-lo de forma a sensibilizar o eleitorado. Para tal, não basta a crítica convencional e a discussão da política, tal como ela ocorre no Congresso, nos partidos e na mídia. É preciso buscar os temas da vida que interessem ao povo. Ademais a comunicação emotiva requer “fulanizar” a disputa para atribuir ao candidato virtudes que despertem o entusiasmo e a crença. Sem eles, a “caixa de entrada” das mensagens da sociedade continuará a dar o sinal de estar cheia e os ouvidos continuarão moucos aos conteúdos, por melhores que sejam. Pior ainda se não os tivermos. Mas só eles não bastam. Programa político só mobiliza a sociedade quando é vivido por intermédio do desempenho de personagens que tratam como próprias as questões sentidas pelo povo.

E não se diga que é fenômeno de países de “democracia pouco amadurecida”. A entronização de Obama como imperador de todos os norte-americanos, na magnífica posse no capitólio, se assemelhava a uma grande cena romana. O cenário era tão expressivo, a fusão simbólica do recém-eleito com os founding fathers e com os valores fundamentais da democracia norte-americana eram tão fortes, que obscureceram o conteúdo do discurso inaugural. E isso no caso de alguém que, por sua cor e mesmo por sua campanha, trouxe um significado imenso de renovação. Ainda esta semana, na primeira visita presidencial ao Congresso, o que foi dito sobre a crise econômica e sobre o futuro foi menos importante do que o reafirmar o “yes, we can”, em um cenário da Pátria unida para perpetuar sua glória. Mesmo que o castelo financeiro esteja desabando, a América vencerá, era a mensagem. No caso, nada a ver com Chacrinha, o símile é outro: a invocação do pastor, a reafirmação da fé, e não a troca simbólica de favores, do bacalhau, da bolsa família ou da canção de amor. (grifos nossos)