JABUTI Parte 5, Relato de uma celebração

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A lenta travessia



Dia de rodízio, dia de Cerimônia do Prêmio Jabuti, horário de pico em Sampa.

A parceira de trabalho, Carla Miucci, companheiríssima e lindíssima passa em casa. Aprumadas, cabelões escovados e a beca nos trinques montamos em seu corcel rumo ao Memorial.

Marina morena estava linda feita uma gueixa. Seu sorriso e coraçãozinho batendo forte era a síntese da felicidade. A somatória do traje escolhido para vestir seu frágil corpinho de criança tornou-se também a síntese da proposta pedagógica vencedora: a diversidade é bela e precisa ser cuidada, celebrada, respeitada.

A família também refez travessias que começaram com a matriarca, Dna Terezinha. Comigo no ventre ela atravessou o sertão nordestino rumo ao pólo industrial cubatense na década de 1960. Ontem, de lá subiram a serra: Dna Terezinha, cuja história merece ser contada e conhecida, bastante orgulhosa, porque sabe o quanto ela é responsável pelo meu percurso; minha irmã, Claudinéia e a sobrinha Letícia, sua filhota, que na hora dos aplausos gritou com seus pulmõezinhos de dois anos: Tiaaaaaaaaaaaaaaa Conceiçãooooooooooooooooooo. Lá do palco eu ouvi e vibrei.

Da Baixada Santista também vieram Márcia Bueno, Daniel Alves e Edna, meus queridos amigos de colegial, cuja amizade persiste firme e forte. Éramos um time e tanto em 1979, 80, 81 e continuamos sendo.

Veio também o parceiro da cria, Marcelo Monteiro estava ao meu lado, com nossa filhota no colo, feliz, tentando tirar uma foto daquela lonjura e estimulando Letícia a gritar uhuuuuuuuu!


Vieram do outro lado da cidade parceiros da época da universidade, parceiros de luta pela condição da mulher, contra o racismo, por uma educação de qualidade e verdadeiramente inclusiva: Beth Sousa, esta vitória também é sua.


Luciana, minha ex-aluna de mais uma década, estava também lá. Eu acompanhei sua trajetória de superação de dores. Seu sorriso intenso refletia minha alegria.


Havia amigos da Litteratura, recentes e antigos que o mundo virtual me trouxe: Adail Sobral, generoso como sempre, encheu-me de carinho e conquistou, sem surpresas, a admiração de meus amigos (como é bom, nestes momentos, termos ao nosso lado pessoas deste naipe). Susanna Florissi com aquele sorriso largo e uma humildade de gente grande também chamou a atenção dos meus velhos amigos e genuinamente vibrou com a minha conquista.


Asta Vonzodas coordenadora do PD-Literatura, Osvaldo Pastorelli, Renata Saladino, Simone, linda, graciosa e doce menina, que conheci na 4P, marcaram presença e me encheram de alegria.


Fátima e Letícia Oliver, que trouxeram belas orquídeas e que, igualmente, partilham projetos. Letícia quer ser escritora e era uma das crianças mais empolgadas na oficina dos acrósticos da Vila, vai longe esta guria.


Era gente de muitos mundos, de muitas histórias de muitas trajetórias que me fizeram sentir que esta vida vale a pena ser vivida, assim: sem tirar nem pôr.


Desde que o meu nome apareceu na lista dos finalistas, foram muitas as homenagens antecipadas. Em tudo que era canto pude sentir uma energia boa: nos scrap do orkut, nos posts dos tópicos, nas listas literárias, no mail, no Messenger, no vinho sorvido na casa da Fátima, na garrafa de bom vinho entregue pela Lazinha Adorno, no abraço de amigos que partilharam comigo diferentes trajetórias.


O prefeito da cidade de Cubatão, na sexta-feira anterior à entrega do prêmio, fez uma singela e bonita homenagem, É um homem bom aquele, seu gabinete precisa de reformas, mas ele procura equilibrar um orçamento que embora rico é eternamente confiscado pelos precatórios. Foi médico durante muitos anos na cidade e quando me homenageava, perguntou-me se eu não havia sido sua paciente. Respondi a ele que havia sido uma adolescente saudável, mas que minha mãe fora atendida por ele. O secretário da educação foi meu professor, emocionado ele me abraçou e deve ter sentido a mesma sensação que tenho quando vejo a trajetória de meus alunos. Também eles compartilharam comigo esta vitória.


Quando Alamir Correa, em primeiríssima mão, foi o portador da boa nova e eu avisei alguns queridos, a alegria genuína espalhou-se. A impressão que tenho é que de algum modo ela tornou o mundo realmente melhor, uma espécie de remédio de ânimo para muitos que batalham dia-a-dia e que já haviam perdido as esperanças. Foi mais ou menos isso que Nálu Nogueira me disse no dia que soube que eu havia ganho o Jabuti. E senti a mesma certeza na fala de muitos que me diziam que se sentiam estimulados como se a luta valesse a pena. Lau Siqueira quase vem de João Pessoa para a entrega do prêmio, a correria da Secretaria da Cultura o impediu. Hoje cedo ele estava ainda vibrando. Circe Vidigal queria vir do Rio de Janeiro, Dojival Vieira (da Afropress) mandou-me um e-mail pesaroso: já arrumado para o evento teve de declinar, pois a febre de Dolores subiu. Hoje, ligou-me de novo emocionado e triste por ter perdido a cerimônia.


Faltando umas duas categorias para recebermos o Jabuti, minha querida editora levantou-se e veio me chamar. Antes da entrega eu tinha uma preocupação sobre quem subiria comigo no palco. Queria que fossem as pessoas realmente importantes nesta trajetória e meu desejo foi realizado. Susi e Aurélio (só faltou a Solange, outra editora querida, que abraçou a coleção desde o início) estavam lindos, orgulhosos. Susi nervosíssima ouvia de mim: “É nóis na fita, mano!”, Aurélio sorria com as minhas palhaçadas. Minha mãe olhava a altura dos degraus e o tamanho do meu salto. Foi engraçado: todos os meus amigos pareciam muito mais nervosos que eu.


Mas, enfim, chegou o grande momento: ao ouvir o meu nome e de minha coleção não caí do salto, não tive frio na barriga, desci feliz as escadarias e, tranqüilamente, como se estivesse na passarela, subi os grandes degraus que davam acesso ao palco do auditório Simon Bolívar com a certeza de que deveria estar lá.


A platéia foi generosa, aderiu à empolgação dos meus amigos e o sr. Siciliano, um dos componentes da mesa, visivelmente se contagiou com a minha empolgação e da minha torcida organizada de amigos.


Eu vibrei com toda a emoção que me cabia: ergui o troféu, fiz festa, e já que os discursos eram restritos para não alongar em demasia a cerimônia, falei com todo o meu corpo sobre a minha felicidade naquele momento.


Cumprimentei um a um os participantes da mesa e foi assim, feito o Jabuti que simboliza este prêmio, que ao caminhar calma, sem pressa, suavemente pela madeira do palco, percebi que valeu a pena persistir em meus objetivos, mesmo quando tudo parecia enlouquecido, mesmo quando a intolerância gritou mais alto. Com a “tartaruguinha” na mão completei o trajeto iniciado há décadas e soube que é preciso ser persistente no objetivo de educar respeitando e defendendo o direito às diferenças.


Conceição Oliveira, (PARATODOS- HISTÓRIA- ED. SCIPIONE), 3º lugar na Categoria Didático e Paradidático do Ensino Fundamental e Médio, Jabuti 2005.