Luiz Gustavo Padrão, ex-jornalista: feliz por não oferecer mais meu bolo fecal à sociedade

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O repórter Luiz Gustavo Padrão trabalhou na TV Record de Belém, como podemos ver nesta matéria aqui e  na TV Band. O ex-jornalista não especifica o canal onde aconteceu o ocorrido. De todo modo, sua denúncia contra a tv que ocultou sua reportagem, acobertando a participação em uma execução do  delegado Eder Mauro, atual deputado federal, é gravíssima.

Sobre o referido deputado, há uma série de processos, conforme reproduzo abaixo:

Andamento do Processo n. 967 - Ação Penal - 27/11/2015 do STF Publicado por Supremo Tribunal Federal AÇÃO PENAL 967 (390) ORIGEM : PROC - 00184835420098140401 - JUIZ DE DIREITO PROCED. : PARÁ RELATOR :MIN. GILMAR MENDES REVISORA :MIN. CÁRMEN LÚCIA AUTOR (A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA RÉU (É)(S) : EDER MAURO CARDOSO BARRA ADV.(A/S) : JÂNIO SOUZA NASCIMENTO DESPACHO: Solicitei ao Diretor de Secretaria da Vara de Crimes Contra Crianças e Adolescentes de Belém/PA cópia do registro audiovisual da audiência (fls. 78-79). Recebido, providencie a Secretaria a juntada aos autos e o arquivamento de cópia de segurança. Após, dê-se vista ao Procurador-Geral da República. Na sequência, dê-se vista à defesa, pelo prazo de 15 dias, inclusive quanto à negativa de localização da testemunha Joaquim Aristides Araújo Campos (fl. 85). No prazo, deverá atualizar o endereço para localização de suas testemunhas. Advirto que testemunhos abonatórios poderão ser substituídos por declarações escritas. Publique-se. Brasília, 24 de setembro de 2015. DANIEL MARCHIONATTI BARBOSA Magistrado Instrutor Documento assinado digitalmente ______________________ PROCESSO: 00184835420098140401 PROCESSO ANTIGO: 200920694509 MAGISTRADO (A)/RELATOR (A)/SERVENTUÁRIO (A): ALTEMAR DA SILVA PAES Ação: LEI 9.455/97 - TORTURA em: 19/08/2015 VÍTIMA:I. D. W. VÍTIMA: K. P. W. PROMOTOR: 3º PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DIREITOS HUMANOS DENUNCIADO: EDER MAURO CARDOSO BARRA Representante (s): OSVALDO NASCIMENTO GENU (ADVOGADO) JANIO SOUZA NASCIMENTO (ADVOGADO) . Processo nº 0018483-54.2009.814.0401 R. Hoje. Levando em consideração o parecer ministerial de fls. 107/108 e, observando que o denunciado EDER MAURO CARDOSO BARRA foi diplomado para cargo político eletivo, como Deputado Federal pelo Estado do Pará, determino que remetam-se os presentes autos ao Supremo Tribunal Federal - STF, eis que o réu passou a ter foro privilegiado por prerrogativa de função. Dê-se ciência ao Ministério Público. Cumpra-se. Belém (PA), 19 de agosto de 2015. Dr. Altemar da Silva Paes. Juiz de Direito da 4ª Vara Penal do Juízo Singular da Capital. (jm) _______________

Se eu não tiver parado de defecar pela boca, fico feliz por ter parado de oferecer, gratuitamente, meu bolo fecal à sociedade. Por: Luiz Gustavo Padrão, em seu Facebook 28/12/2015

Após 3 anos de abandono, a lembrança me emocionou de forma paradoxal. O amor que tive pela profissão e a decepção que tento esquecer.

Lembro o episódio que me fez perder o tesão pelo jornalismo e se tornar determinante para abandoná-lo. Julho de 2012, eu retornava à reportagem de TV, depois de um ano e meio afastado. Na primeira semana fui cobrir uma reportagem em Benfica, Região Metropolitana de Belém. Tratava-se da execução de um ajudante de pedreiro, apontado pela "elite" da Polícia Civil paraense como suspeito de envolvimento com o tráfico. A população estava revoltada com o assassinato (execução sumária) do rapaz e chegou a bloquear parte da BR-316, como forma de protesto.

Cheguei ao local e colhi depoimentos de moradores e parentes da vítima. Todos (unanimidade de cerca de 200 moradores) disseram que o rapaz nunca foi envolvido com o tráfico e que foi executado por engano e de forma covarde. Um dos moradores me passou um vídeo que mostrava policiais saindo de dentro do terreno onde ocorreu a morte momentos depois da execução. Entre os policiais estava o delegado Eder Mauro, chefe do grupo de polícia metropolitana (GPM) e famoso pelo número de traficantes mortos em suas operações policiais.

eder mauro

O ex-delegado e agora deputado pelo PSDC - Deputado Delegado Éder Mauro (PA), alvo de denúncias pelo jornalista Luiz Gustavo. 

Ele foi apontado pelos moradores como o executor da vítima. Após colher os depoimentos, fui a delegacia para ouvir o outro lado, como mandam os melhores e piores manuais de jornalismo. O delegado Eder Mauro não quis falar sobre o caso. Escrevi a matéria e fui para TV no início da madrugada. Deixei todas as sugestões de imagens e de construção da matéria para a edição. No dia seguinte, na hora do almoço, aguardava a veiculação da reportagem no jornal mais importante da casa. A matéria não foi ao ar.

Liguei para chefia de reportagem para perguntar o que tinha acontecido. A chefe de reportagem não soube dar uma resposta concreta. Primeiro disse que havia ocorrido um problema com a fita onde estavam as imagens brutas. Eu não aceitei a resposta porque sabia que havia deixado a fita em perfeitas condições. Na mesma hora fui à TV para saber o que tinha acontecido de fato. Quando cheguei na redação, a mesma chefe de reportagem disse que a matéria não tinha sido aprovada pela direção geral da emissora pelo fato da Polícia ser "nossa parceira" (palavras da direção reproduzidas pela chefia).

A "parceria" fez com que a matéria nunca fosse veiculada. Eu recebi inúmeras ligações dos moradores, nas quais era chamado de vendido, antiético e parceiro de policial assassino. A história do rapaz foi para estática de assassinatos por conflitos armados entre policiais e "traficantes". Eu abandonei o jornalismo meses depois, após ser eleito pela direção como um dos premiados com a demissão coletiva, promovida em dezembro do mesmo ano. Parei de ler e ver jornais.

Ainda assim, assisti a vitória do mesmo policial envolvido no caso. Não na justiça, mas nas urnas. Se tornou "nosso representante" no Congresso Nacional, após ser o candidato mais votado, escolhido por mais de 250 mil eleitores. Nós, jornalistas, temos responsabilidade por isso. Nós o colocamos lá. Nós que aceitamos aquilo que nos é imposto pela mídia, ou, no caso, que nós impomos por meio da mídia.

Acredito, cada vez mais, que a maioria da prática jornalística, no mundo e no Brasil, não está exercendo sua função social, abandonando, consciente ou inconscientemente, a sua essência. Estamos prestando um desserviço à sociedade. Não estamos levando informação que provoque a reflexão e o estímulo à construção de uma sociedade de fato. Estamos enfiando goela abaixo um produto indigesto, engolido e reproduzido como excremento.

Fica a esperança de assistir a mudança jornalística e social um dia. Tento fazer minha parte em outras áreas, sempre atento ao perigo de oferecer excrementos. Temos sempre algo muito mais palatável e saudável a dar.