Réplica do jornalista Rafael Tomyama ao corporativismo médico do Ceará

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"É caso para análise psíquica, o que leva à superestimação raivosa da culpa do governo federal e ao "esquecimento" do papel dos demais entes: municipais e da pasta da Saúde do governo do Ceará (cujo titular, em passado recente, comparou a categoria médica à sal).

Pode-se arriscar o prognóstico de subserviência ao típico populismo eleitoral. Só que desta vez à serviço da direita. Seria outra projeção? Padecer do mesmo casuísmo político que afirma combater na adversária. Freud explica."

Mais, Dr. Mourão, mais Por Rafael Tomyama* em seu Facebook 27/10/2013 às 13:56
Foto: Roberto Stuckert Filho/PR (Blog do Planalto, licenciado sob a CC-by-sa-2.5)

O médico e professor Antônio Mourão Cavalcante é o autor de artigo publicado neste sábado, 26. no jornal O Povo, com o título "Menos, presidenta, menos". Dr. Mourão fala de seu "mal-estar" diante da foto que registrou o pedido de desculpas da presidenta Dilma a um dos médicos cubanos vaiados ao desembarcar em Fortaleza. A este ato de hostilidade, que atribui "insensato", contrapõe àquele, que considera submissa à manipulação pela marquetagem eleitoreira.

O diagnóstico indica que a cegueira do corporativismo cristaliza os erros na ciência das dosagens e prejudica a reconciliação terapêutica: Para ele, o gesto generoso de desagravo em nome da Nação é amesquinhado como interesseiro, já a furiosa agressão aos estrangeiros não resulta do elitismo dos "doutores", mas é minimizado como um lapso insensato, um momento tresloucado.

Curioso é que Mourão não receita a solidariedade aos que sofreram com o bullying, mas se inclui como vítima de uma conspiração para "denegrir" médicos brasileiros. Denegrir significa justamente "enegrecer, tornar negro". O ato falho projeta no alheio o crime de racismo implícito no ataque gerador da polêmica, cuja consequência foi o repúdio generalizado da sociedade e da opinião pública. Tem menos a ver, portanto, com um suposto "massacre" diário do governo aos "perseguidos".

Prosseguindo, Dr. Mourão tenta "justificar" sua posição reivindicando melhorias no Sistema Único de Saúde (SUS). A lógica é de que as desculpas caberiam sim, mas pela falta de condições de trabalho dos profissionais de saúde brasileiros, cuja responsabilidade, segundo a deformação jurídica corrente do "domínio do fato", é da Presidenta.

Para tal, fundamenta com duas notícias publicadas na imprensa. A primeira, uma notinha publicada na coluna Vertical do dia 23, no mesmo jornal O Povo de autoria do jornalista Eliomar de Lima e reproduzida em seu blog. Segundo a nota, intitulada "Menos médicos" o não funcionamento de Unidades de Pronto Atendimento (Upas) no Ceará está relacionado à falta desses profissionais. (Mas não é isso a que se destina a sanar o programa "Mais médicos"?).

É mais precisa, no entanto, a reportagem publicada em outro jornal, o Diário do Nordeste, neste 26 de outubro, "13 UPAs permanecem fechadas em cidades do Interior do Estado", de Honório Barbosa. Ela diz textualmente que as unidades são de responsabilidade da Secretaria de Saúde do governo estadual do Ceará e que "para serem inauguradas, é preciso seleção, contratação de pessoal, aquisição de equipamentos e definição do modelo de gerenciamento."

A outra matéria mencionada pelo autor é o Editorial do jornal O Povo, em 23 de outubro, "Interrupção no fornecimento de medicamentos essenciais"  que se baseia no texto da lavra de Liana Costa, publicada no dia 19 de outubro, no mesmo periódico: "Pacientes estão sem medicação de alto custo". Esta notícia alerta que, segundo levantamento da DPU/CE, "cerca de 50 pacientes que, por meio de liminar, deveriam receber medicamentos pagos pela União e pelo Estado, estão sem acesso ao tratamento".

É caso para análise psíquica, o que leva à superestimação raivosa da culpa do governo federal e ao "esquecimento" do papel dos demais entes: municipais e da pasta da Saúde do governo do Ceará (cujo titular, em passado recente, comparou a categoria médica à sal).

Pode-se arriscar o prognóstico de subserviência ao típico populismo eleitoral. Só que desta vez à serviço da direita. Seria outra projeção? Padecer do mesmo casuísmo político que afirma combater na adversária. Freud explica.

Pode ser também um caso de esquizofrenia política. Segundo seu raciocínio, é a precariedade estrutural, o que faz com que brasileiros não queiram trabalhar no interior, nem no SUS que dizem defender. Assim como dizem reprovar as condições de trabalho dos médicos de além-mar, rotulada de "escravidão da modernidade". Se assim o fosse, se seriam os estrangeiros igualmente vítimas e não "vilões", porque teriam sido vaiados?

A questão é que quem não é parte da cura, é parte da doença.

Melhor tentar explicar assim, do que acreditar que o que pode estar havendo é apenas o incômodo com o aumento da "concorrência", num mercado especializado, cuja oferta é mantida propositalmente contida para encarecer o preço do atendimento às inúmeras e urgentes demandas.

Seria maquiavelicamente cruel e desumano da parte de profissionais que lidam com vidas humanas, se pensassem e agissem de tal modo. Por isso inacreditável.

Examinando-se a situação que leva ao estrangulamento da saúde pública, descobre-se que se origina no comércio dos planos de saúde privados no país, que cobram altas mensalidades e são restritos quanto à cobertura de diversos tratamentos, especialmente os mais caros e complexos - como o câncer, por exemplo - que ficam ao encargo do SUS. Sobre isso, infelizmente, não se ouve nenhuma vaia. Nem consta nenhuma palavra a respeito.

Ausculta-se também que parte da enfermidade geral, não começou no governo Dilma, e tem a ver com o fato de que muitos profissionais médicos se formam nas universidades públicas, custeadas pelos impostos de toda sociedade e, em seguida, vão clinicar em consultórios particulares, cobrando valores extorsivos por atendimento, num país de massas assalariadas.

Sabe-se que isso não corresponde à totalidade da categoria médica, mas o escriba prefere não distinguir estes daqueles, incluindo-se entre os criticados e generalizando sua defesa, como se suas opiniões refletissem uma homogeneidade de pensamento que não há.

Mais ternura, doutor, parafraseando a lição de outro médico estrangeiro. Menos desculpas e mais médicos, é o tratamento que o povo realmente precisa.

*Rafael Tomyama é graduado em jornalismo.