Sobre a delicadeza

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Ganhei esta delicadeza como presente de aniversário de minha editora.

Há mais de dez anos ela aposta em meu trabalho. Há mais de uma década ela reforça um afeto longe do burocratismo empresarial.

Ela esteve comigo sempre: virou noites para que a coleção, destinada aos pequenos, chegasse ao nível que eu tanto exigia e brigava. Esteve ao meu lado quando recebi meu primeiro Jabuti.

Ela sempre teve paciência e, só por causa da imensa delicadeza e respeito da melhor editora que já trabalhei na vida, aceitei continuar o trabalho.

Obrigada, querida! Lembra deste?

ANIVERSÁRIO

Frô, 29/08/1999

Cada bardo n’algum momento de sua vida fez um auto-retrato. Desconfio que tenha sido no aniversário. Um escreveu que a mãe determinou: “Vai ser gauche na vida!” Outro imputou sua sina a um querubim chato, predestinando-o a ser errado para todo o sempre. Pois eu não tive grandes manifestações: nem de anjo, nem de bênção de mãe. A primeira palavra que ouvi na vida foi um sonoro: MERDA! Pelo simples fato da falta de ultra-som! Se a gestante dispusesse de tecnologia quem sabe não se frustraria ao conceber uma fêmea carregada de gonadotrofina... Mas não tinha daí a sina de tal menina.... Nasci ouvindo: MERDA! Resolvi então, transformar a dita Num cumprimento: MERDA! Como os atores lá na França diziam.... desejando sorte e euforia para os companheiros em dionisíaca encenação. O tempo passou, muita água rolou, Fiz amigos, inimigos e dizia: MERDA! quando feliz, quando triste, pondo o dedo em riste pra marcar opinião. A vida persiste, e na vida eu insisto em procurar razões. Passo o dia arrumando as gavetas, uma a uma: agrego um segredo, boto no cantinho o medo, dobro as amarguras e penduro no cabide toda a tristeza acumulada. Sacudo a poeira da dor recente, tiro os vincos daquela mágoa antiga, ponho ao sol meu sorriso pra quarar Olho ao redor e até sinto um certo orgulho. Jogo fora o excesso de ressentimentos até os mais básicos, aqueles que nunca saem da moda.... Talvez sirvam para alguém se agasalhar... Mas de algumas peças não me desfaço, mesmo que ainda ocupem muito espaço no armário: o cheiro do amado, a roupinha primeira da filha e aquela alegria que já está velha, com alguns furos mas que é tão confortável pra dormir... O dia se foi e há muito o que fazer... a pia ainda pinga, a progenitora liga e esquece do aniversário... Eu não sei o que está acontecendo de fato, Mas não a lembro. Mães têm o direito de desmemoriar. Decido não ligar a máquina de lavar Esqueço da maldita lâmpada que sempre queima na escada. Quero ficar largada e correr para o abraço dos amigos, do amor, de mim. Hoje avaliei avanços e quedas. Um pouco da herança que me resta: hoje não disse e nem ouvi: MERDA!