"Um lugar ao sol" ou sobre a elite, a privacidade, a natureza, a naturalização da desigualdade em suas coberturas

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Não tenho muita paciência para o discurso da elite. Há momentos que é inacreditável o que dizem sem a menor cerimônia. Mas há alguns aspectos neste discurso vazio que me chamaram a atenção neste documentário integralmente feito com a fala de moradores de coberturas das grandes cidades brasileiras, São Paulo, Rio, Recife...

O primeiro deles é a preocupação com a privacidade (quando lhes convêm, porque se for para entrar numa lista vip eles fazem questão de se identificarem como moradores de cobertura).

Há uma moradora que justifica a preocupação com a privacidade porque ela se irrita com o som das panelas da cozinheira e vê a importância de habitar uma cobertura para lhe poupar deste som irritante.

Num país de imensa desigualdade, onde uma das moradoras critica o governo por olhar a violência não como caso de polícia, mas como caso de política da má distribuição de renda, enfim, da imensa desigualdade dos estilos de vida dos que estão em suas torres de marfim e não têm a menor consciência política ou mesmo solidariedade em relação aos que estão sendo retirados de seus barracos pra se construir coberturas, a preocupação com a privacidade ganha mesmo o centro da vida daquelas pessoas.

A desigualdade é naturalizada no discurso desta elite, ela não tem nada a ver com mais valia, com o controle financeiro e dos meios de produção por uns poucos que exploram muitos. Ela é vista como um dado da natureza e, o privilégio desses poucos como uma questão de mérito deles: "Eu tenho uma p´re-disposição de liderança genética' ou'na sociedade você tem mulheres que andam com bolsa Louis Vuitton e outras com saquinho de plástico na mão", simples assim, isso não tem nada a ver com as relações sociais e produtivas da sociedade capitalista na qual vivemos. quando questionado sobre o que é poder, a resposta do empresário de boates para políticos, artistas e empresários casados endinheirados, Oscar Maroni, responde: 'poder é um prazer muito bom'

A segunda coisa que me chama a atenção é o status do jardim e das piscinas nas coberturas, há recorrência no discurso desses moradores de como é importante estar perto do céu, ver a cidade de suas ilhas, ter seus jardins privados, seus aquários gigantes com cascatas, suas estátuas de cachorro...

A terceira a preocupação de se mostrarem 'cultos', mesmo que a relação com a academia passe pelo lustro necessário ao estilo de vida dos moradores de cobertura: "o direito é meu hobby". Em sua auto-imagem a elite brasileira se mostra amantes das artes, 'politizada', com capacidade de liderança, assistencialista. Alguns mostram um lampejo de consciência social "pô velho, onde eu vivo (a cobertura) não é a realidade do Brasil".

A última é como eles são pavões, a ponto de não perceberem as leituras críticas que os espectadores farão de suas falas. Eles se dizem 'humildes', mas se as nuvens cobrirem Marte, eles alugam um avião para furar as nuvens. Eles se sentem superiores por ter o privilégio de olhar o mundo de cima: "nós podemos falar com Deus mais facilmente daqui (da cobertura)". No entanto, para garantir, trazem a tecnologia de Israel para fazer a segurança de suas coberturas com sensores de movimento por toda casa, com alarmes em todas as portas, transformando suas coberturas num grande panóptico com mais de 50 câmaras...