Bolsonaro não recuou, apenas deixou seu discurso mais “agradável”

Leia na coluna de Cleber Lourenço: Bolsonaro não irá reconhecer que esteve errado e equivocado, apenas está encontrando formas mais agradáveis de impelir a sua deturpada visão de mundo aos brasileiros

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Muitos jornalistas e analistas políticos (me incluo nessa lista) se enganaram ao afirmarem que o pronunciamento de ontem marcava um retrocesso do presidente em relação à sua perspectiva com a crise do coronavírus.

Talvez parte disso venha do desespero de um país que busca responsabilidade de um presidente inconsequente. Não importa. Errados.

Bolsonaro, durante o seu discurso, não mudou muito o teor do que já anda dizendo. A mentira que falou sobre a Organização Mundial da Saúde e seu diretor Tedros Adhanom de manhã foi a mesma que ele disse de noite. A sandice sobre a cloroquina se manteve quase que intacta, com apenas alguns retoques e, de forma mais sutil, continuou pregando contra o isolamento, medida adotada por todos os países desenvolvidos e que combatem de forma séria a pandemia.

Na manhã seguinte ao “moderado” pronunciamento, Bolsonaro não perdeu tempo em espalhar terror e pânico na população novamente com uma notícia de que o Ceasa de Belo Horizonte estaria desabastecido, dando a entender que seria questão de tempo para que o desabastecimento tomasse conta do país. Mentiu! Mentiu e ainda tentou levar pânico e desespero para a população.

Logo, é fácil presumir que Bolsonaro não desistiu da sua retórica beligerante. O que ele está tentando fazer é vender seus impropérios como se fossem meias verdades. Ele viu que o tom amalucado não ajudou, o que deveria agitar seus extremistas de bolso apenas causando repulsa e vergonha perante a sociedade.

Logo, Bolsonaro não retrocedeu, ele avançou.

Com isso ele tenta angariar algum prestígio ou se salvar do isolamento. Não só os militares, como também os ministros Moro (Justiça) e Guedes (Economia), decidiram apoiar Mandetta (Saúde). Além do desdém que cultivou de quase todos os governadores e prefeitos do país.

Bolsonaro não irá reconhecer que esteve errado e equivocado, apenas está encontrando formas mais agradáveis de impelir a sua deturpada visão de mundo aos brasileiros. Não fique surpreso se este final de semana ele for flagrado em outro passeio pelo Distrito Federal e causando mais aglomerações.

No interior paulista o discurso já surtiu efeito. Nesta manhã, centenas de comércios e cidadãos voltaram para as ruas e abriram as portas.

Enquanto Bolsonaro ainda tenta passar a perna no seu próprio ministro da Saúde, segundo a jornalista Andréia Sadi, médicos avisaram Mandetta do convite para reunião na presidência, e o ministro se surpreendeu: "Não fui chamado". Tudo para tentar mais uma vez promover o uso da cloroquina no combate à doença.

Infelizmente o presidente do país segue trabalhando contra o próprio ministro e contra o próprio país.

O que Bolsonaro quis dizer em seu pronunciamento é que insistirá no erro e que permanecerá flertando com a calamidade, tudo isso porque é incapaz de distinguir o que é real e factível do que é fictício e até mesmo perverso.

Os brasileiros precisam sobreviver não só ao coronavírus, mas também ao seu próprio presidente.

E mais uma vez eu pergunto: até quando os militares que tanto dizem prezar pela ordem social do país serão patrocinadores da convulsão e do caos que se aproxima por conta das atitudes do presidente?

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum