DESPEDIDA

Peaky Blinders: melancolia e antifascismo marcam a temporada final

Série icônica teve desfecho denso e coerente com todo o histórico da produção, que se tornou um fenômeno de audiência

Peaky Blinders: melancolia e antifascismo marcam a temporada final.Créditos: Divulgação
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A aguardada temporada final da série Peaky Blinders estreou na Netflix na última sexta-feira (11) e de pronto pode-se afirmar que ela dá o encerramento que a trama da família Shelby merece: coerente, denso e melancólico. 

Por falar em melancolia, a temporada final, antes da sua estreia se viu envolta a uma tragédia quando, em abril de 2021, a atriz Helen McCrory, que dava vida à tia dos irmãos Shelby, Polly Gray, faleceu em decorrência de um câncer. Como seguir adiante sem a presença de uma das protagonistas e mais carismáticas personagens de Peaky Blinders? 

Além de prestar uma bela homenagem a Helen McCrory/Polly, os roteiristas inseriram a trágica ausência de Polly na trama final de Tommy Shelby (Cillian Murphy): após a morte de sua tia e parceira de negócios, Tommy decide ficar sóbrio para dar continuidade ao trabalho que eles construíram juntos, porém, quando afunda em sua melancolia, o protagonista de Peaky Blinders entende que não consegue seguir adiante sem Polly, pois, como vai dizer o personagem, ela era um pilar em sua vida e sem o qual ele não pode se manter de pé. 
 

Melancolia e luta antifascista 
 

A 6ª e última temporada de Peaky Blinders começa exatamente onde terminou a anterior: com Tommy Shelby prestes a dar um tiro em sua cabeça, mas ele será erguido por sua companheira, Lizzie Stark (Natasha O'Keeffe), que o lembra que todos na família dependem dele... mas é justamente esta tonelada em seus ombros que o deputado do partido Trabalhista não aguenta mais carregar, porém, ele possui um novo inimigo – e o qual ele considera ser o mais poderoso e perigoso a ser enfrentado: o fascismo. 

Tommy Shelby se tornou um dos deputados mais populares da Câmara dos Comuns e a partir desse poder que lhe foi conferido ele vai traçar estratégias para lidar com o fascismo interno – representado pelo também deputado Oswald Mosley (Sam Claflin) e pelo fascismo externo – representado pelo capitalista estadunidense Jack Nelson (James Frecheville), que tentam atrair o líder dos Peaky Blinders para o campo do fascismo, pois, como eles repetem a todo momento para Shelby: “uma transformação cultural está à caminho e ninguém será poupado”. 

Assim como em temporadas anteriores, o roteiro de Peaky BLinders, apesar de estar localizado historicamente na primeira metade do século XX, consegue de maneira magistral inserir questões que estão presentes na contemporaneidade: a perseguição aos comunistas, ao movimento operário/sindical e a ascensão do fascismo e do nazismo – neste caso estamos diante da primeira onda fascista, mas que também podemos utilizar para refletir sobre o tempo presente e o risco de o Ocidente sucumbir novamente a uma avalanche nazifascista. 

Há uma cena emblemática: Tommy Shelby organiza um jantar para tratar de “acordo” com os seus “amigos” fascistas. Nesta mesa, além dos representantes nazifascistas, também há a presença de Laura McKee (Charlene McKenna) que representa o IRA (Exército Republicano Irlandês). Instado a fazer a reverência nazista para provar que é um deles, Shelby se apresenta como aquele que representa o centro, a ponte entre os desvalidos e o poder econômico. Novamente: apesar de estarmos nos anos 1930, a personagem central da série se transforma em uma alegoria política sobre os tempos atuais: onde socialistas e liberais tentam se unir para impedir o avanço da extrema direita no Ocidente. 

Além de todo o pano de fundo da ascensão do nazifascismo, a 6ª temporada divide o seu tempo com o acerto de contas entre Tommy e Michael Gray (Finn Cole), o filho de Polly, que previu uma guerra entre os dois e que um deles morreria. 


 

“Eu não mato cachorros, apenas fascistas” 
 

Luto, melancolia, lealdade e a emergente luta antifascista são os pontos centrais da temporada final de Peaky Blinders. Se Tommy Shelby é a representação nesta leva final de episódios – até determinado ponto – da sobriedade e da busca pelo equilíbrio entre poderes políticos/econômicos, já não podemos dizer o mesmo de Arthur Shelby (Paul Anderson), o irmão mais velho de Tommy.

Se até aqui, o papel da transgressão da moral e dos bons costumes ficava a cargo, principalmente, da saudosa Polly, neste desfecho de história será com o personagem Arthur que outras questões sociais, como modos de vidas e uso de substâncias que alteram o estado dito “normal” ganham corpo. Neste caso, a serie faz a transição histórica entre a proibição do ópio e a chegada da heroína sem cair em lugares comuns proibicionistas, apesar de alguns arroubos conservadores de Tommy.  

Será também com Arthur que teremos a confirmação do papel político da temporada final, mas também da série Peaky Blinders como um todo. Momentos antes de executar uma integrante do IRA, Arthur é questionado se irá matá-la como um cachorro e ele responde: “Eu não mato cachorros, apenas fascistas”. 

Por fim, cabe destacar o papel de Ada Shelby (Sophie Rundle) no desenrolar final da trama: ao tomar algumas decisões que irão afetar a vida de todos, Tommy escolhe a sua irmã, que o levou às teses socialistas, para comandar os negócios e, além disso, afirma que é a hora dela e de suas convicções trabalhistas assumirem um lugar na Câmara dos Comuns, pois, para Tommy, Ada possui “um grande trabalho a ser realizado”. Além de se emprestar para a luta antifascista no plano da cultura, Peaky Blinders encerra com o horizonte na superação da misoginia e do machismo.