Mandela, 94

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Minha filha passou três meses na África do Sul participando de um intercâmbio. Uma das curiosidades que tive em conversas com ela foi sobre como a população negra de lá vê o líder Nelson Mandela. “É quase como um Deus”, disse ela.

Contou-me que em um destes vários momentos em que Mandela ficou doente e teve que se internar, correu um boato de que ele estaria à beira da morte. “Foi um caos, pai”, disse minha filha. “As pessoas todas não iam trabalhar, ficavam chorando nas ruas, o país parou”, disse ela. Para acalmar a população, o médico dele teve que ir em cadeia nacional de televisão e rádio para falar que ele estava bem. Só assim a vida voltou ao normal na África do Sul.

Alguns “analistas políticos” daqui iriam chamar isto de “populismo”. Uma visão superficial. Walter Benjamin, em sua obra O narrador, conceitua a ideia de experiência – conhecimento auferido da vida prática. O professor Muniz Sodré, da Universidade Federal do Rio de Janeiro afirma que as formas da experiência em que se ancora a narrativa são “expressões sensíveis (devem ser mais vividas que entendidas) e polissêmicas (investem significados múltiplos) da organização do real”.

Esta forma de expressão ganha legitimidade não por um aspecto racional, mas fundamentalmente pelo aspecto sedutor. Nelson Mandela completou, neste dia 18 de julho, 94 anos. A sua experiência na luta contra o apartheid transformou-o em um sujeito símbolo desta trajetória, conferindo-lhe uma autoridade que não pode ser analisada pelo prisma das tradições cientificistas das ciências políticas mas por esta teia de relações que perpassa, principalmente, os segmentos subalternizados.

Estas lideranças construídas em situações de extrema concentração de poder, riqueza, recursos, com marcas étnicas distintivas, cenário comum nos países latino-americanos e africanos merecem um estudo mais aprofundado, para além de uma racionalidade instrumental que mais serve para legitimar uma visão etnocêntrica de sociedade que desvendar os meandros dos mecanismos de opressão.

Uma sul-africana afirma, categórica: “Ele passou mais da metade da sua vida lutando por nós, negros, na África do Sul”. Uma relação de endeusamento e proximidade que faz com que os admiradores o chamem carinhosamente de “Mandiba” e cantem "feliz aniversário" nas ruas. Um exemplo interessante de relação política que merece ser melhor entendida.