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Não chega a ser novidade, mas é sempre irritante quando isso acontece: a imprensa corporativa brasileira (com raríssimas exceções) não consegue cobrir o "Fórum Social Mundial" de outra forma que não seja "folclorizando" o que se passa por lá.
Na primeira página desta sexta-feira, a "Folha" traz a fotografia de Hugo Chavez cantando ao lado da filha de Che Guevara, sob o título: "Karaokê no Fórum Munidial". Não há nenhuma informação sobre o que se discutiu no histórico encontro dos presidentes, que reuniu Chavez, Morales, Lugo Correa e Lula.
Na página interna, entre os milhares de participantes do Fórum, a "Folha" escolheu (para ilustrar a "reportagem") um rapaz deitado na grama, de frente pro rio.
Claro que nada disso é mentira. Chavez cantou e o rapaz deitou na grama (aliás, a vista para o rio - a partir da Universidade Federal do Pará - é belíssima; o rapaz tem toda razão em aproveitar a rica paisagem paraense).
As escolhas são sintomáticas. Passam a imagem de que tudo, em Belém, não passa de deboche e descompromisso. É o oposto do que vi por lá. Passei por Belém no início da semana. Vi centenas de pessoas reunidas em escolas, ginásios, auditórios, debatendo formas de superar a barbárie neo-liberal. Ou, simplesmente, se articulando para batalhas futuras.
Nada disso está nos jornais.
Ao fazer esse tipo de cobertura, a "Folha" talvez imagine que esteja ajudando a esvaziar o Fórum. A "grande imprensa" não percebeu que ocorre justamente o contrário: é a imprensa que se esvazia, ao tratar de forma canhestra um evento que reúne no Brasil quase cem mil pessoas de todas as partes do mundo.
Para ler sobre o Fórum, e sobre o encontro dos presidentes em Belém, já sei que é preciso buscar em outro lugar. Não nos nosso jornais.
Sugiro o bom artigo de Gilberto Maringoni, na "Carta Maior".
Http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15548
Abaixo, alguns trechos do Maringoni:
"O que leva chefes de executivo a abrirem espaço em suas agendas para comparecerem a um encontro dessa natureza? Certamente votos é o que não vêm buscar. Mas procuram solidificar ou recompor vínculos objetivos e simbólicos com setores da sociedade que alicerçaram suas trajetórias e, em última análise, sustentam suas administrações. O caminho não é de mão única. O encontro ganha peso e densidade política internacional com isso.
(...)
Nem tudo é tranquilo, no entanto. As duas atividades desta quinta com os chefes de Estado envolveram uma disputa, estabelecida entre o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o governo Lula. Descontentes com o que avaliam serem os poucos avanços da reforma agrária, os dirigentes do movimento decidiram não convidar o presidente brasileiro para a atividade do período da tarde.
(...)
Em um diálogo inédito, os quatro mandatários ouviram previamente demandas de representantes dos movimentos, o que levou Morales a lembrar que "somos presidentes originários das lutas sociais continentais". O líder boliviano era o mais entusiasmado de todos. Acabara de vencer o plebiscito que aprovou por larga maioria a nova constituição do país, reduzindo o espaço institucional da oposição de direita.
(...)
Nos tórridos dias de Belém, muitos se queixam de falhas na organização. É natural, mas tudo acaba se articulando. Davos, por sua vez, aparenta funcionar com a precisão dos outrora famosos relógios suíços. Mas a desorganização que suas diretrizes provocaram no mundo tem poucos paralelos na história recente..."
Agora, volto eu.
Não é só a "Folha". Ouvia , há pouco, a rádio Bandeirantes de São Paulo. No ar, mais uma vez, a tentativa de "folclorizar" o encontro de Belém. Um jovem jornalista reproduziu trecho do discurso de Chavez , em que o venezuelano dizia que milhares de empregos se perderão graças à crise mundial, e que a Venezuela sofreria menos porque lá se constrói o socialismo.
O jovem jornalista, em tom irônico, debochou.
"Esse foi o Chavez, que estava acompanhado de uma tropa em Belém, hem! Sabe quem estava ao lado dele? O "companheiro" Evo..."
Não era o "presidente" Evo Morales. O jornalista queria deixar claro que se tratava de um "companheiro", como a demarcar o campo: é da turma dos petistas, índios, chavistas. Não é da nossa laia.
Joelmir Betting, que estava no estúdio, pareceu encampar o deboche, lembrando: "... e o presidente da Colômbia não estava lá em Belém."
O jovem jornalista adorou: "ah, não, Uribe deve ter mais o que fazer, está preocupado com as FARC".
Aí, Joelmir completou: "não, não, é que o Uribe preferiu ir a Davos, na Suiça"
O jovem jornalista caiu do cavalo: "ah, então não é preocupação com as FARC".
E eu fiquei a rir sozinho no carro... Joelmir pode ser o que for. Mas não briga com os fatos.
Os novos-ricos do jornalismo - esses garotos criados lendo só a "Folha" e "O Globo" - não conseguem nem fazer ironia. Eles, sim, são folclóricos.